“O que você espera de uma pessoa desconexa?”. É o questionamento que a cantora Marcelle faz em seu novo álbum


A cantora sergipana radicada em São Paulo lança clipe “Memória” que traz uma releitura despretensiosa da cena final de um dos filmes mais aclamados “Flashdance”

*Por Domênica Soares

Com muita referência e reflexão, a cantora Marcelle lança sua mais nova produção musical, o álbum “DiscoNeXa”, que conta com 11 músicas gravadas nos estúdios Minduca, Navegantes, Held e Buena Família, e nas casas de Marcelle e Samuel Fraga, produtor do álbum. Esse novo projeto musical traz participações especiais de Manoel Cordeiro, Julia Valiengo e Guilherme Held. Com uma pegada mais pop, esse álbum promete trazer uma visão diferente da cantora.

“O nome do disco vem de uma continuação do conceito que criei no meu anterior, ‘Equivocada’. Todos eles partem do princípio de rotular um álbum como um produto, que é o que o ‘mercado’ tende a fazer com os artistas. Dessa forma, eu adjetivo um determinado período de criação como quem assiste de fora. Neste álbum, idealizei os conceitos de arte, vinhetas e a ordem dos singles pensando em ser desconexa e imaginando como transportar essa personagem para o palco. O que você espera de uma pessoa desconexa?”

Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, ela fala sobre seu clipe recém lançado, “Memória“. Uma música que trata especificamente sobre idealizar demais um momento, criar expectativas e então não se dar bem no momento necessário. Sobre o paralelo feito com “Flashdance”, ela conta que a ideia surgiu por conta da sinergia do tema do filme com a música. A letra e o ritmo da faixa a levaram a idealizar uma releitura da cena final, quebrando os paradigmas da ambiência clássica do balé e trazendo mais vivacidade para danças do cotidiano, como a personagem interpreta. “Procuro trazer na minha música um pouco de leveza e, ao mesmo tempo, reflexão. As inspirações são diárias, vêm da rua, de conversas que participo ou diálogos que ouço por acaso. Então, retratam o entorno em tudo que ele tem de cômico e trágico. Às vezes é uma confissão, uma história de amor de uma amiga, um slogan de loja do centro. Tudo isso já inspirou alguma canção, qualquer coisa pode inspirar uma próxima”, comenta.

Artista fala sobre trabalhos sociais e importância desses movimentos (Foto: Patrícia Araújo)

Marcelle explica que descobriu a paixão pela música de forma tardia e frisa que atualmente sabe que a arte está no ar, em tudo que vivemos. “Entendi o impacto de uma obra de arte aos 16 anos, mais ou menos, quando assisti Pulp Fiction, mas só mais tarde, com mais acesso à cultura, pude apreciar mais profundamente ‘o sentir’ de cada obra de arte, a força das canções e, claro, o malabarismo que é viver de arte no Brasil. Ela destaca que o país está em um momento muito rico de criação, talvez pela urgência que a sociedade está sentindo de realizar na adversidade, mas a cena independente esbarra em processos burocráticos e de fomentação que acabam por, não necessariamente, favorecer o artista de fato.

“Isso é algo a que todos nós, inclusive os que estão aí há muitos anos, devemos estar atentos para não dependermos tanto de mecanismos já prontos e termos cada vez mais poder e liberdade sobre nossa arte”, disse. Em relação a sua carreira na música, Marcelle frisa que sempre são processos que não acabam nunca, e dessa forma, se depara frequentemente com muitos altos e baixos. Para ela, lançar um disco e fazer shows desses projetos, dão vida a cada single e além disso, contribui para que alcancem mais pessoas de diferentes formas e todos esses fatores a colocam em ligação direta com os pontos positivos e negativos, aprendizados e críticas. “Hoje sou resultante de todos esses fatores, de todas as portas que se abriram e se fecharam para o meu trabalho”. 

Capa do novo álbum “DiscoNeXa” (Foto: divulgação)

Sobre suas raízes, a cantora explica que se mudou de Sergipe para São Paulo com o objetivo de fazer faculdade de Direito, mas que hoje em dia reflete sobre essa questão e pensa que talvez tenha sido uma fuga para ter sua independência. Ela conta que o que queria de fato era conhecer outras realidades além de sua cidade, que por mais que seja sua raiz, não a alimenta completamente. “Não acho que São Paulo me alimente totalmente também. A junção das duas vivências é o que está impresso em minha personalidade e musicalidade. Foi para buscar essa completude que precisei sair da minha cidade”. Mas Marcelle não deixa de frisar a importância que o Nordeste tem na construção de cultura brasileira. A artista destaca que a região é o berço frequente de movimentos de vanguarda da música brasileira, logo, o resto do país está familiarizado com o que foi inicialmente concebido lá, vide o forró e o axé. “Percebo a influência do Nordeste na música, por exemplo, que transcende tudo isso que hoje chamamos de ‘mainstream’. Isso se dá através dos elementos tão peculiares e lindos daquela região que se espalham como gotas em diversos gêneros musicais. São grooves, timbres e linguagens que claramente vêm de lá e estão inseridas tanto nas velhas fórmulas da MPB quanto nas grandes novidades musicais”, analisa. 

Marcelle lança novo clipe com referência do filme Flashdance (Foto: Patrícia Araújo)

Além de sempre estar ligada às novidades do mundo da música, a cantora faz questão de se conectar com o social. Marcelle conta que frequenta e conhece diversos coletivos nos quais já desenvolveu trabalhos sociais de amparo e inclusão a minorias, mas que admira especialmente as ocupações do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) por moradia, como Mauá e 9 de Julho. Ela destaca também as casas de acolhimento LGBTQIA+ e o Projeto Ponto Firme de Gustavo Silvestre, porque tratam de reintegração social e retomada de dignidade, que são dois pilares fundamentais à hegemonia de um povo. Marcelle comenta que é uma pessoa ansiosa e que seu lugar preferido no mundo é a casa de seus pais.

Sobre o que ela mais sente falta da sua terra natal? “De um amendoim cozido em cima da mesa”. Ainda revela que o seu disco preferido é a sétima efervescência de Júpiter Maçã. A grande mulher carrega em sua história muitas conquistas e um longo caminho a ser percorrido, com muitas metas e objetivos que a levarão a sua turnê mundial e desenvolvimento pessoal. “Meu maior sonho é viver em um país mais livre e igualitários para que todos possam realizar seus feitos”.