“O nome tarântula surgiu da Operação Tarântula, uma caça a travestis e LGBTS em 1987”, conta Rafael Acerbi


Lançado pela Universal Music, o terceiro álbum do trio, formado por Assucena Assucena, Raquel Virginia e Rafael Acerbi ganha todas as plataformas digitais com direito a três clipes dirigidos por Rafael Carvalho e participação de Projota

O trio As Bahias e a Cozinha Mineira acaba de lançar o álbum Tarântula pela Universal Music

*Por Rafael Moura

A tarântula é uma especie de aranha que se caracteriza por ter pernas longas com duas garras na ponta, e corpo revestido de cerdas. Esse aracnídeo habita as regiões temperadas e tropicais das Américas, Ásia, África e Oriente Médio. Mas, recentemente, uma enorme tarântula chegou ao Brasil, com o trio As Bahias e a Cozinha Mineira. O terceiro álbum da banda, com 10 canções pela Universal Music, formada por Assucena Assucena, Raquel Virginia e Rafael Acerbi etá disponibilizado em todas as plataformas digitais, com direito a três vídeos dirigidos por Rafael Carvalho – ‘Carne Dos Meus Versos’, ‘Shazam Shazam Boom’ e ‘Volta’. “O nome tarântula surgiu a partir do conhecimento que tivemos a respeito da Operação Tarântula, uma caça a travestis e pessoas LGBTs em 1987, na qual cerca de 300 pessoas foram mortas”, explica Rafael Acerbi.

A capa do Tarântula, o terceiro álbum, do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira lançado pela Universal Music

A cantora Assucena Assucena nos contou que o “tarântula construiu seu conceito na medida em que íamos descobrindo cada canção e conectando seus significados até chegar a um disco. Inicialmente, a ideia era produzir quatro EPs entre quatro e cinco canções cada, um deles seria Tarântula. Depois de dois discos Mulher (2015) e Bixa (2017) um EP arejaria nossa forma e conteúdo, mas a gravadora achou interessante começar nosso primeiro trabalho como artistas da Universal com um disco, e amamos a ideia. De início, nós fomos ao litoral paulista mergulhar em nossas composições e conseguimos tirar um repertório bacana do que é hoje Tarântula. O segundo momento foi pragmático, sem grandes intervalos criativos, precisávamos aproveitar esse gás. Ao invés de uma produção única, convidamos Guilherme Kastrup, Márcio Arantes e Marcelinho Ferraz para dividirmos essa criatividade. Eles toparam e nasceu esse aracnídeo musical-performático que é esse disco”.

O álbum Tarântula reflete o século 21 sob a perspectiva do trio, suas crônicas, relatos e aventuras

Para Raquel esse álbum traz “paixões perdidas, fuça de fuzil, a Bahia e mulheres que botam para quebrar. O álbum é o século 21 sob nossa perspectiva, nossas crônicas, relatos e aventuras”, resume. Rafael completa dizendo que o EP traria quatro canções com cunho mais político e ácido. “Mas, a partir do momento onde o álbum começou a aparecer como conceito atentamos para a própria simbologia da aranha. Este animal pode mudar de sexo ao longo de sua vida, além de ter um simbolismo do feminino em diversas culturas. Dessa forma o álbum ganhou canções que tratavam do afeto, do cotidiano onde entendemos a grande teia que unia as canções e pessoas que fizeram este álbum”.

O músico nos contou como é estar ao lado dessas duas vocalistas tão talentosas. “Para mim foi uma grande honra e um desafio encarar a responsabilidade de registrar minha voz ao lado das duas maiores cantoras que conheço. Raquel e Assucena são minhas mestras nesse quesito. Aprendi e aprendo muito com as duas sobre canto, interpretação, intensidade, empostação da voz e também sobre a composição, poesia, e o modo delas traduzirem em canções suas visões de mundo”, enfatiza. “A cada performance entendo mais sobre o ser artista e a procura incansável pelo aperfeiçoamento de nossa obra”, conta e completa. “Em Tarântula não existe começo e fim e o ouvinte pode começar a degustá-lo por qualquer faixa”, diz Rafael que desta vez estreia também como compositor e cantor em Volta – canção que fala do desgaste do amor – ao lado de quatro músicas escritas por Assucena Assucena e cinco assinadas por Raquel Virgínia – incluindo Tóxico Romance com a participação do rapper Projota que, além de dividir os vocais, também compôs a faixa.

Assussena, Raquel e Rafael, se conheceram na faculdade de História da USP, em 2011 – a partir de então, iniciaram uma intensa amizade em torno de ideias musicais e artísticas. O nome da banda surgiu da ideia de que as interpretes coincidentemente tinham o mesmo apelido `Bahia`, e o guitarrista mineiro Rafael que formaria a “cozinha” sonora da banda, daí o nome As Bahias e a Cozinha Mineira. O álbum de MPB tem os esperados sambas e baladas que já são marcas do trio, mas, com maturidade, ousa no universo do pop.

Musicalmente a banda envereda por diferentes caminhos. Apostando em misturas e ritmos ainda não explorados exibindo sempre novas experiências “Acredito que essa seja uma das principais características dessa banda. A pesquisa musical nos interessa muito e cada disco é um território a ser descoberto. Nunca cerceamos esse desejo e fazer canções diferentes uma da outra nem nos encaixamos num conceito fechado do que musicalmente somos. Se reinventar é uma postura que adotamos sempre que precisamos pensar num disco, num show”, pontua Rafael.

Sucessor do premiado Bixa (2017), o trabalho era esperado por seus fãs após o single e clipe ‘Das Estrelas’, lançado em janeiro de 2019 e que se atrevia a dar mostras do tom eclético, doce e, ao mesmo tempo, político deste disco agora completo. Assucena relembra que Tarântula nasceu sem pretensão em razão de ter sido inicialmente concebido para um EP. Apesar do tom também político, o grupo se livrou das retóricas para criar uma obra livre que trata também do afeto e do cotidiano. “Ao mesmo que sinto a trilogia, também sinto a independência de cada álbum em relação ao outro. Nós somos muito ‘Gal Costa‘ nesse sentido: cada álbum é álbum muito diferente entre si. O combinado é que Mulher (2015) e Bixa são metamorfoses um do outro. Obras irmãs siamesas. Tarântula tem outro contexto – é uma irmã desgarrada e que some no mundo. Mas não desprezo a trilogia que algumas pessoas estão enxergando – acho demais essa interpretação”, explica Raquel.

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O disco traz mensagens muito fortes, sobre dilemas e dores das minorias no Brasil. “Esse também é um ponto. Acredito que a obra de arte seja polissêmica. Esses vários sentidos da obra são que enriquecem e atravessam o interlocutor de modo a estabelecer um conversa profunda e que tangencia sentimentos que vão desde a empatia, alegria, até uma possível tomada de consciência política. Se tratando de um ser (Tarântula) que possui varias pernas e cada uma aponta para um direção, eu falaria de pontos colaterais”, ressalta Assucena.

As Bahias e a Cozinha Mineira por essência é um grande amplificador para as questões socioculturais e políticas do Brasil, ainda mais nesse difícil momento em as manifestações artísticas estão sendo ‘esmagadas’. “Nesse momento penso que As Bahias e a Cozinha Mineira esta gozando do privilégio de estar numa gravadora e numa grande agência. Isso de algumas maneiras faz com que muita coisa seja viabilizada. Por exemplo, foi um álbum com uma equipe dos sonhos, lançado com três clipes – isso de maneira independente, se acontecesse, seria com uma dificuldade muito grande”, conta Raquel. E completa “mas ainda sim, ser artista no Brasil é estar num lugar conflituoso e com muitas contradições e mesmo com a particularidade que a banda vive atualmente com a gravadora, etc, sentimos sim o desmonte em torno da cultura, educação e arte. Sentimos a dificuldade dos contratantes. A dificuldade do público em consumir os shows. A circulação está, de fato, problemática. E acho que precisamos ter um projeto de cultura para o Brasil com mais fibras. Qualquer país precisa de ações cultuais sólidas. Projetos de cultura e arte é fundamental para qualquer governo sério e democrático”, finaliza Raquel.

O trio nos mandou com muito carinho comentários sobre cada uma das dez canções do álbum Tarântuta. Confira abaixo:

1- Mátria que te Pariu – de Assucena Assucena
“Em Mátria uma autodestruição se anuncia. Só o feminino, contraponto do masculino-bélico, é capaz de acabar com essa força destrutiva do paternalismo, a pátria que autossabota uma nação. Como disse Caetano Veloso em Língua: “e eu não tenho pátria, tenho mátria e quero fátria”.

2- Carne dos Meus Versos – de Raquel Virginia
“É uma música de resistência, sobre solidão e abandono. Ao mesmo tempo em que há o respiro, há calma”

3- Volta – de Rafael Acerbi
“Fala sobre o fim do amor e afeto dentro de uma relação por seu desgaste natural. É também meu questionamento sobre serem as sensações do início de um relacionamento possíveis de serem resgatadas”

4- Shazam Shazam Boom – de Raquel Virginia
“É uma canção irônica e uma crítica social. Tem uma assinatura muito forte, mas principalmente, é a visita de As Bahias e Cozinha Mineira ao mundo do pop”

5- Pipoco e Pipoca – de Raquel Virginia
“É a crônica de dois fenômenos: o armamento e a supermidiatização de todas as esferas de nossas vidas. Criamos a sociedade do espetáculo e o espetáculo pode ser, inclusive, a violência. As pessoas assistem desumanidades comendo pipoca. A canção também reverencia diretamente a vida das travestis e como elas dependem de muita sorte”

6- O Nome da Coisa – de Assucena Assucena
“Fala sobre a ausência de afeto e sobre a palavra como criadora. A palavra se soma ao pensamento e atribui aos cincos sentidos um significado poético. A palavra é tão potente que manifesta o amor”

7- Tóxico Romance – de Raquel Virginia com composição e vocais de Projota
“É o sexo escondido. Bom, mas ao mesmo tempo tóxico. É uma música sutilmente safada e muito divertida. Liricamente safada. E com a participação do Projota o clima de sedução ficou perfeito”

8- Das Estrelas – de Assucena Assucena
“Gosto muito de ler, embora eu seja uma leitora preguiçosa. E foi lendo o primeiro capítulo de Teoria do Romance, de Georg Lukács, que tive um desconforto filosófico gigante. A filosofia para ele, nasceu da cisão entre o ser humano e o universo. Essa hipótese me fez escrever Das Estrelas”

9 – Chute de Direita, de Assucena Assucena
“O futebol é um de nossos circos pois até quando pensamos em política vestimos a camisa da seleção para protestar e tratamos direita e esquerda como times em disputa sem levar em consideração que política é outra coisa”

10- Fuça de Um Fuzil, de Raquel Virginia
“É a música mais experimental do álbum. Ironiza Águas de Março de Tom Jobim que, embora linda, foi consumida pela elite. A pergunta que faço é ‘por que só a música consumida pela elite é considerada de qualidade?’”