Nina Becker assume sua porção Dolores Duran em novo álbum e show que vai do divertimento à dor de cotovelo


Intérprete que transita entre o cool e a inquietação, ela contagiou a plateia no Teatro Café Pequeno, no Rio

* Por Junior de Paula

Nina Becker é uma das representantes mais inquietas – e ao mesmo tempo discretas – da nova geração de cantoras surgida nos últimos anos. Autoral, como em seus discos “Azul” e “Vermelho”, em uma orgia musical, como crooner da Orquestra Imperial, e, agora, reverencial, com o lançamento de seu novo álbum “Minha Dolores”, um tributo pessoal a Dolores Duran, Nina não quer perder tempo.

Ela que descobriu Dolores quando era adolescente, enquanto devorava um songbook dedicado à Bossa Nova, no qual percebeu a presença de um nome que despertou sua curiosidade: Dolores Duran. A única mulher entre os compositores mais importantes do movimento. Desde então, Nina passou a consumir a discografia da cantora carioca, que morreu aos 29 anos em 1959, com muito carinho.

Por conta disso, certa vez ela decidiu fazer um show que reunia canções compostas por Dolores e outras que ela cantava, de outros autores, e que fizeram parte da trajetória musical da artista. O DJ Zé Pedro, na plateia, ao fim do show, disse que Nina P-R-E-C-I-S-A-V-A registrar aquele repertório, que era uma pérola,  com a sua voz, e sugeriu que o fizesse na gravadora fundada por ele, Joia Moderna. Ela, claro, aceitou e o resultado acabou de sair da fábrica e pode ser encontrado nas casas do ramo e para compra online.

Nessa quarta-feira que passou, Nina subiu ao palco do Teatro Café Pequeno para apresentar o último show da temporada carioca do espetáculo “Minha Dolores” para uma casa repleta e o HT estava lá. Ao nosso lado, desde fãs de Dolores, passando pelos fãs de Nina e alguns que não conheciam nem tão bem o trabalho de uma e nem de outra, mas que estavam curiosos para ver o que sairia desse encontro musical.

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“Esse show não é um songbook da Dolores Duran, nem pretende servir como resgate ou releitura da obra dela. Só quero cantar as músicas que ouvi na sua voz desde a adolescência, quando pela primeira vez entrei em contato com a personalidade dessa mulher fascinante. São apenas canções do repertório dela e pronto. Esse trabalho é resultado de um desejo egoísta de mergulhar na alma de Dolores, através da sua voz, dos seus temas, do seu espírito com toda a graça, o drama, a doçura e a paixão. Eu não sei a dos outros. Mas a minha dolores é assim”, explicou Nina, linda, com um vestido preto dramática de uma manga só, um coque e os olhos marcados. Ao fundo, um arranjo de samambaias douradas, dois músicos e a força de uma artista apaixonada pelo que faz.

No repertório, a gente consegue entender um pouco da ideia de Nina, já que ela escolhe musicas das mais variadas facetas de Dolores. Desde as divertidas “Estatuto de Boite” e “Feiúra Não é Nada”, passando pela mais que atual “Tradição”, a qual ela teve a companhia de Pedro Luís no show, que fala sobre a violência policial no morro, a triste “Solidão”, de autoria da própria Dolores, que Nina canta com a força de um fado, “Se é por falta de Adeus”, parceria da homenageada com Tom Jobim, e “Minha Toada”, que Nina pinçou de um álbum de Dolores dedicado à música sertaneja, entre tantas outras. São cerca de 20 músicas, acompanhadas pelo violão de sete cordas de Lucas Porto e o bandolim de Luis Barcelos.

Um show daqueles que a gente não quer que termine nunca e que fica por muito tempo em nossa lembrança. Uma bonita homenagem, em mais um bonito momento da carreira dessa bonita cantora.

* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura