“Não tenho religião, acredito em Deus. E é bom fazer uma oração pelo mundo”, diz Projota


O rapper lança hoje, sábado, o primeiro single do álbum novo, “Salmo 23”, junto com o videoclipe que retrata um mundo pós apocalíptico e que inspira a esperança de recomeço. Com exclusividade ao site, Projota fala do trabalho, do momento difícil com a pandemia do Covid-19 e a quarentena, e salienta a importância da fé, qualquer que seja ela: “ Essa música que estou lançando traz reflexões, questionamentos, principalmente para quem precisa de voz. Essa oração é uma injeção que mistura autoestima, força e amor. Escutando você se sente amado, com relevância para alguém, mesmo que seja alguém que você não pode ver, tocar. Minha sensação, é que tem alguém que intercede por mim, e que se eu estiver na lama ou na beira do precipício, vai me ensinar a voar se eu estiver caindo. Um homem que acredita em Deus não pode ter vergonha de falar dele. E eu já tive, mas hoje falo o máximo que eu puder. Da minha maneira, com meu rap. Esse salmo me fortalece”

*Por Brunna Condini

“Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum”, esse trecho, e todo Salmo 23, contido na Bíblia Sagrada, para além de religiões e crenças, é conhecido e entoado com instrumento de proteção e fortalecimento diante das adversidades. E, por isso, Projota escolheu a sua “Salmo 23”, inspirada livremente na oração, para ser o primeiro single do novo álbum, que terá 10 faixas no total. O lançamento foi hoje junto com o videoclipe em todas as plataformas digitais. A letra junta críticas sociais e sua própria história, que inclui a superação de uma depressão. “Essa música é sobre como a sociedade nos afeta, sobre a depressão do mundo e, também, claro, sobre a minha superação” admite.

“Não tenho uma religião, acredito em Deus. Não tenho, porque não sinto que concordo com tudo que as religiões falam. Mas diante de tudo que estamos vivendo, é bom pensar em fazer uma oração, colocar de alguma forma nossa energia no outro, no mundo. Não podemos pensar só em nós, na nossa família. Estamos em um momento que nos obriga a olhar para fora. Temos que estar conectados, independente da fé”, analisa o rapper, referindo-se à pandemia mundial do novo Coronavírus e todos os acontecimentos decorrentes dela.

Projota nos bastidores do clipe do Salmo 23: “Essa música é sobre como a sociedade nos afeta” (Foto: Pedro Dimitrow)

Projota falou com exclusividade ao site, direto da sua casa, onde está em quarentena com a mulher, Tâmara Contro, e a filha, Marieva, de apenas 2 meses. A música e o clipe inspiram força, reflexão, mas também uma visão desoladora dos tempos que vivemos. Tem um quê de premonição? “Nunca imaginei que estaríamos vivendo algo tão maluco quanto agora. Nunca vivemos nada parecido com isso, não tinha como prever. Escrevi essa música em novembro do ano passado. Mas é claro que existe sintonia. E isso é questão do quanto você permite que sua mente e seu coração estejam conectados aos acontecimentos do mundo. Do quanto você está conectado com sua comunidade, seu universo, com o mundo ao redor. A partir do momento que me sensibilizo, canto. É assim desde os meus 16 anos, quando comecei a cantar rap. Canto as alegrias e as dores, os acontecimentos”, analisa Projota, e revela que uma das inspirações estéticas, de linguagem para o videoclipe foi o longa “O Livro de Eli” (2010).

“Esse filme tem essa coisa na trama do pós-apocalíptico. Do guerreiro que dá esperança para o que restou do mundo, para os que restaram. Estou feliz com o resultado da música, mas triste com tudo o que ela levanta, e com o que estamos vivendo agora”.

“A partir do momento que me sensibilizo, canto. É assim desde os meus 16 anos, quando comecei a cantar rap. Canto as alegrias e as dores, os acontecimentos” (Foto: Pedro Dimitrow)

O rapper conta que o previsto era lançar primeiro a canção “Ombrim” – que tem em seu videoclipe Lázaro Ramos e Tais Araújo, mas decidiu mudar os planos. “Eu não poderia lançar neste momento uma música de festa, mas acredito em “Salmo 23” por ser uma canção que fala dos nossos problemas, mas também sobre a esperança e as transformações desde que se tenha fé e boa vontade”, explica.

Na composição, o artista é certeiro na provocação, como no trecho: “Se eu vacilar na rua eu levo 80 tiros e as verdades que eu canto ninguém quer ouvir”, em que menciona o preconceito que enfrenta ao ter se tornado um rapper que faz sucesso no mainstream. E é contundente quando fala de um recorte da realidade brasileira:  “…Ces tão pensando em número de views. Ces tão caindo em fake news, ces são burro, ces parece eu. Cês quer ser presidente do Brasil mas não falam um pio se seu marketing não escreveu”. E explica: “A ideia é falar de como sentimos falta de um líder, pois estamos sem ninguém para acreditar há bastante tempo”.

“Quis trazer a reflexão para pensarmos em que mundo teremos para viver no futuro. Pensei na minha filha Marieva, ela também está na letra” (Foto: Pedro Dimitrow)

O clipe dirigido por Mariana Zdravca foi gravado em março, com mais de 100 pessoas em uma pedreira de Paulínia, no interior de São Paulo, e retratou um cenário de enfrentamento dos obstáculos, dos “inimigos”, mas sem deixar de seguir em frente, com esperança. “Quis trazer a reflexão para pensarmos em que mundo teremos para viver no futuro. Pensei na minha filha Marieva, ela também está na letra”.

E como tem sido sua rotina com ela em casa? “Sinceramente, anda cansativo. É nosso primeiro bebê, estamos nos dedicando ao máximo. Já não teríamos babá, mas tínhamos uma ajudante em casa, e agora estamos fazendo tudo sozinhos, como tem que ser, mas cansa”, admite. “Mas claro, que não podemos esquecer dos nossos privilégios, então, apesar do cansaço, estamos tirando de letra, está tudo bem. Minha família também está bem, todos próximos, não tenho do que reclamar”.

Nas últimas semanas, Projota postou em seu Instagram uma foto com a pequena, em que os dois faziam a mesma pose, e a legenda dizia que estavam esperando a quarentena passar. “Está sendo incrível poder viver intensamente esses primeiros meses dela tão de perto, sabe? A história dessa pose é a seguinte: ela vive com essa pose e a Tami estava com a câmera na hora e conseguiu registrar, ficou perfeita”, derrete-se.

“Está sendo incrível poder viver intensamente esses primeiros meses dela tão de perto, sabe? A história dessa pose é a seguinte: ela vive com essa pose”(Reprodução Instagram)

Ele comenta sobre suas preocupações com as consequências da pandemia do Covid-19. “Dá muito medo, não conseguimos ter nenhum tipo de previsão. Já li que tudo pode se normalizar só ano que vem. Tem a questão da vida das pessoas, tem a questão financeira”, observa. “ É muito louco pensar sobre isso, tenho uma filha pequena, uma profissão que envolve reunir as pessoas. Não posso deixar de pensar que a carreira na música pode ser como um sopro. Tenho dez anos na estrada e tudo tem dado muito certo. Mas todo ano, apesar de todo trabalho, penso que pode acabar, nunca achei que sou intocável. Mais do que tudo, trabalhar, fazer shows, me dá força, é por isso que estou por aqui. Também quero construir um futuro para minha filha, então preciso ter fé, esperança”.

O músico fala ainda, da importância de cantar rap no cenário de hoje. “Nos momentos difíceis o rap se faz ainda mais necessário. É a música que dá voz a quem não se sente com voz. Foi assim que me sentia na adolescência, por isso fui cantar”, lembra. “ Essa música que estou lançando, “Salmo 23”, traz reflexões, questionamentos, principalmente para quem precisa de voz. Essa oração é uma injeção que mistura autoestima, força e amor. Escutando você se sente amado, com relevância para alguém, mesmo que seja alguém que você não pode ver, tocar. Minha sensação, é que tem alguém que intercede por mim, e que se eu estiver na lama ou na beira do precipício, vai me ensinar a voar se eu estiver caindo. Um homem que acredita em Deus não pode ter vergonha de falar dele. E eu já tive, mas hoje falo o máximo que eu puder. Da minha maneira, com meu rap. Esse salmo me fortalece”.

E para quem você canta “Salmo 23” hoje? “Para gente que está indo para o hospital trabalhar, pegando condução, se colocando em risco para servir, ajudar. Para os médicos, enfermeiros, garis, policiais, caminhoneiros, que essa música possa dar a eles esperança, força, energizar, passar um pouco do que sinto cantando, porque nossa vida depende da vida deles, do trabalho deles”.

“Desejo que essa música possa dar a eles esperança, força, energizar, passar um pouco do que sinto cantando” (Foto: Pedro Dimitrow)