Karla Gracie diz: “O rap e a luta são nichos predominantemente masculinos. Se destacar é trabalho árduo”


A ex-lutadora, prima de Kyra Gracie, seguiu seu sonho de infância e vem se tornando uma das vozes femininas do rap. Karla aponta o machismo no meio da luta e no universo musical, fala da dificuldade de aceitação familiar por sua escolha artística, e destaca a superação, na vida e nas letras que canta, em que exalta a potência feminina. Para além de preconceitos e opiniões controversas, ela revela ainda, que pratica tiro como exercício e terapia. “Eu gosto muito de praticar esportes. Gosto de variar nos estilos. Eu amo atirar. É um esporte pra mim, algo que me desestressa e me empodera. A violência está na mente das pessoas e não na prática do tiro”

*Por Brunna Condini

A liberdade de ser quem é tem levado Karla Gracie além. Começamos essa matéria parafraseando o poeta Paulo Leminski para lembrar que pode parecer fácil escolher um caminho de acordo com sua essência para seguir na vida, mas nem sempre é. A cantora integra a família Gracie, que aperfeiçoou e difundiu o jiu-jitsu mundialmente e, por conta disso, precisou batalhar para seguir sua vocação na música. “Minha família não aprovou. Meu pai queria que eu seguisse no jiu-jítsu ou trabalhasse com ele no escritório, mas não foi a minha escolha”, revela Karla, que canta trap e lança seu quarto single ainda neste semestre.

“Meu pai queria que eu seguisse no jiu-jítsu ou trabalhasse com ele no escritório, mas não foi a minha escolha” (Divullgação)

A carioca conta ainda que chegou a se dedicar à luta, mas que a música sempre foi sua paixão. “Sempre quis cantar. A luta veio de uma forma paralela e muito importante para mim. Me trouxe muita confiança, autoestima e uma sabedoria em lidar de forma mais tranquila nos momentos de tensão. Mas nunca tive a intenção de levar o jiu-jitsu para o lado profissional de campeonatos”. Ela também compartilha como foi trilhar um caminho contra as expectativas familiares: “Foi complicado pelo fato de ser uma carreira instável e um mundo muito diferente da luta. Não tive muito apoio. Comecei a trabalhar cedo pra pagar minhas aulas e depois entrei para a faculdade federal de Música. A partir desse momento eles começaram a respeitar mais a minha decisão. Mas foram muitos anos até eu conseguir esse espaço. Hoje meus pais (Karla Gracie e Pierino de Angelis, mestre faixa vermelha e branca de jiu-jitsu) aceitam, mas quem realmente me apoia são os meus irmãos”, diz, mencionado Ronis, Cesalina e Muzio Gracie.

"Hoje meus pais aceitam a minha carreira na música, mas quem realmente me apoia mesmo são os meus irmãos Ronis, Cesalina e Muzio” (Arquivo pessoal)

“Hoje meus pais aceitam a minha carreira na música, mas quem realmente me apoia mesmo são os meus irmãos Ronis, Cesalina e Muzio” (Arquivo pessoal)

A escolha pelo trap, vertente do rap, veio pela identificação com a forma de expressão do estilo musical, mas esbarrou no machismo que ainda existe no meio. “É um nicho predominantemente masculino e conseguir sobressair é um trabalho árduo. Nós mulheres temos que nos unir para assumir nosso lugar e quebrar as correntes da prisão dessa sociedade patriarcal”, aponta Karla, que em sua letras faz questão de exaltar a potência feminina.

“Minhas inspirações vêm das minhas vivências, de situações da vida que superei e da forma como enxergo o mundo. E, mesmo quando são situações que não vivenciei, tento me colocar no lugar, apesar de não ter passado na pele”.

Aos 26 anos, Karla segue atenta sobre a questão da empatia e da sororidade e contabiliza nas experiências de vida, histórias nem sempre tão fáceis de passar, como a maternidade aos 19 anos. “Foi um momento puxado pra mim, parei minha vida para ter filho. E depois veio minha separação do casamento. Foi um período bem intenso na minha história, mas me trouxe uma enorme evolução e maturidade”, recorda a prima em segundo grau de Kyra Gracie.

"Nós mulheres temos que nos unir para assumir nosso lugar e quebrar as correntes da prisão dessa sociedade patriarcal” (Divulgação)

“Nós mulheres temos que nos unir para assumir nosso lugar e quebrar as correntes da prisão dessa sociedade patriarcal” (Divulgação)

A luta na música

Apaixonada por rap desde os 10 anos, ela estreou no mundo musical em 2019, com produção do cantor Rodriguinho. “Eu queria ser cantora desde os 5 anos. Estudava dança e fiz umas aulas de música, mas aos 15 foi quando comecei a estudar mais a fundo. Estudei canto lírico e depois fiz aulas voltadas para musical. Também fiz balé e jazz muitos anos junto com a luta, depois foquei mais em danças urbanas. E, hoje, mesmo com a minha carreira, estou sempre estudando e aprendendo instrumentos novos”, lista a cantora, que já teve três faixas suas produzidas por Mahogany, produtor americano ganhador de dois Grammy e que já produziu nomes como Mariah Carey, Jay-z e Dr. Drey.

Apesar do sobrenome abrir portas, a artista vem trilhando caminho próprio no meio musical. No entanto, ‘a base Gracie’ deu para Karla persistência, disciplina, foco e o que garante os pés firmes no chão para caminhar para onde deseja. Dentro do tatame todo mundo é igual, mas no meio artístico não é bem assim, tem o ego… já sentiu isso na pele? “O ego é inimigo da prosperidade. Então, não é algo que alimento. Somos todos um. Foco apenas em fazer o meu trabalho o melhor que eu posso e estar sempre em constante evolução”.

“O ego é inimigo da prosperidade. Então não é algo que alimento. Somos todos um” (Divulgação)

Por conta da pandemia, Karla Gracie adiou o projeto do EP, mas vem trabalhando intensamente na produção de novas músicas e no aperfeiçoamento da carreira. “Na carreira musical, até pela instabilidade, você tem que ter muita determinação. Meu avô ensinava sobre o poder da mente e, através disso e do trabalho, a coisa vai acontecendo”. Ela sabe que tem muito suor e batalha para viver de arte no país e vai se inspirando por outras artistas potentes de suas épocas e em seus estilos, como Iza, Nina Simone e Etta James, por exemplo.

E não teme mesmo assumir suas escolhas e posicionamentos. Tanto que, além da música, Karla tem paixão por outras atividades em que o machismo impera e também podem gerar opiniões controversas. Como é essa história da prática de tiro? O que diria para quem critica achando que incentiva a violência? “Eu gosto muito de praticar esportes. Gosto de variar nos estilos. Eu amo atirar. É é um esporte pra mim, algo que me desestressa e me empodera. A violência está na mente das pessoas e não na prática do tiro”.

"Eu amo atirar, é um esporte pra mim, algo que me desestressa e me empodera. A violência está na mente das pessoas e não na prática do tiro". (Reprodução Instagram)

“Eu amo atirar, é um esporte pra mim, algo que me desestressa e me empodera. A violência está na mente das pessoas e não na prática do tiro”. (Reprodução Instagram)