“Indignada com injustiça e consciente sobre ser pessoa pública, eu uso a voz a favor de quem não tem”, diz Paula Lima


Cantora Paula Lima defende o empoderamento por meio da música e usa a empatia para escolher as causas pelas quais irá lutar. Mais combativa do que nunca, ela participa do movimento #LágrimasNegras, uma homenagem às mães que perderam seus filhos para a violência do Estado, segue como embaixadora da campanha #SomosTodasMariadaPenha, do Tribunal de Justiça de São Paulo, e recebe diversos convidados nas lives do projeto “Janela UBC”, promovido pela União Brasileira de Compositores

*Por Simone Gondim

Bela e poderosa, a cantora Paula Lima usa a voz não apenas para mostrar seu repertório, mas também para dar visibilidade às causas nas quais acredita. Por conta da pandemia causada pelo novo coronavírus, ela precisou interromper a turnê do projeto “Soul Lee”, no qual reúne versões soul de sucessos de Rita Lee, e teve que parar as gravações do novo disco. Mas as pausas não se tornaram sinônimos de inércia, muito pelo contrário. Mais combativa do que nunca, ela participa do movimento #LágrimasNegras, uma homenagem às mães que perderam seus filhos para a violência do Estado, segue como embaixadora da campanha #SomosTodasMariadaPenha, do Tribunal de Justiça de São Paulo, e recebe diversos convidados nas lives do projeto “Janela UBC”, promovido pela União Brasileira de Compositores, associação da qual é a única diretora em um time essencialmente masculino. “Defender a arte, a música, o direito dos compositores e intérpretes é de extrema importância para o país”, garante.

Defensora aguerrida da área cultural, Paula tem fé que os sucessivos ataques ao setor e aos artistas irão parar em algum momento. “É extremamente desgastante e triste a ignorância de alguns que tentam desvalorizar a cultura, que é a identidade de uma nação. De toda forma, ainda acredito que há mais gente interessante, inteligente, bacana, sem medo de que o outro tenha algum conhecimento somatório, do que o contrário. Espero que passe essa onda maligna contra a cultura e tantas outras coisas no Brasil e no mundo”, diz.

“É extremamente desgastante e triste a ignorância de alguns que tentam desvalorizar a cultura”, diz Paula Lima (Foto: Reprodução Instagram)

O fato de estar sem sair, respeitando o isolamento social, não é um problema para Paula. “Sempre gostei de ficar em casa. De certa forma, por ser cantora, minha rotina já era diferente. No começo, tirei uma espécie de férias, arrumei algumas coisas. Com o passar dos 14 dias que estavam programados, comecei a organizar o que gostaria de fazer e não tinha tempo, por estar vivendo no automático”, conta. “Voltei a estudar piano, estou organizando o novo disco, tento dormir bem. Ainda aproveito para ler um pouco mais e assistir a filmes e séries”, acrescenta.

Além dos momentos de descanso e de apresentar as lives da UBC, a artista continua com o programa “Chocolate quente”, na rádio Eldorado. A atração, vencedora do prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), não deixou de ter episódios inéditos – Paula adaptou a casa para virar estúdio. Para completar, ela integra o time de colunistas da revista RG. “Diante de tudo isso, meu tempo fica bem escasso. O que dói é o não encontro com o público, deixar de pisar no palco, ficar sem encontrar grandes e queridos amigos, não poder viajar. De toda forma, no momento o que posso fazer é agradecer pelas oportunidades todas, muito especiais, e por poder respirar em relação a tudo. Sei que a realidade da maioria não é essa”, pondera.

Para Paula, ficar em casa por conta do isolamento social não é um problema (Foto: Reprodução Instagram)

A empatia é uma das marcas registradas da musa paulistana. Em uma de suas colunas na RG, ela critica a meritocracia, que considera uma ilusão, e faz questão de ressaltar a necessidade de dar atenção especial a quem nunca teve espaço e privilégios. “Com o tempo e a evolução pessoal, me tornei mais explícita na defesa das causas em que acredito. Indignada com tantas injustiças e consciente sobre ser uma pessoa pública, resolvi usar a minha voz a favor de quem não tem. Sou cúmplice, parceira. E sempre penso no justo. Como mulher e negra, sei que poderia estar em muitos outros lugares menos favorecidos”, reconhece.

Foi esse olhar para o outro que levou Paula a aceitar, em 2015, o convite para ser embaixadora da campanha #SomosTodasMariadaPenha, criada para marcar os dez anos da lei que protege as mulheres vítimas de violência e prevê punição para os agressores. “Eu me senti muito honrada. A causa é urgente, importantíssima e precisa de total e irrestrito apoio. A violência doméstica, física e psicológica, bem como o feminicídio, infelizmente são comuns no Brasil”, observa. “A ignorância impera e a falta de independência financeira, muitas vezes, impede que a mulher tenha controle sobre a própria vida e exerça seus direitos. Precisamos enfrentar essa pandemia também, com educação em todos os âmbitos e campanhas governamentais. É necessário criar mais redes de apoio e ser apoio, denunciar, fazer com que toda mulher entenda que não está sozinha e não tem culpa alguma”, enfatiza.

(Foto: Reprodução Instagram)

Felizmente, a artista nunca sentiu na pele a violência física. Já em relação à violência psicológica, ela desconfia que tenha passado por isso em algum momento da vida. “Posso ter sofrido sem ter a noção exata do que estava acontecendo”, deduz. A sensibilidade de Paula a levou a aceitar a convocação da Central Única das Favelas (CUFA) para gravar a música “Mães da favela”, composta por Dudu Nobre e Nega Gizza. Também participaram do clipe Ivete Sangalo, IZA, Karol Conká e Daniela Mercury. A ideia é chamar atenção para doações de recursos destinadas a mães solo da favela.

Lamentavelmente, é grande o número de pessoas negras que já sofreu ao menos um tipo de agressão na vida. Esse foi um dos motivos de Paula ter se juntado ao movimento #LágrimasNegras, que pede protocolos que garantam a segurança das famílias negras e periféricas do Rio de Janeiro, além de questionar a política de segurança pública adotada pelo Governo do Estado. “Mari Stockler, uma das diretoras do filme ao lado de Carolina Jabor, me convidou para fazer parte, com a minha voz, dessa campanha tão emblemática”, explica. “Um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos. Negro, pobre, de periferia ou comunidade são julgados pela cor e lugar de origem. Esses jovens são alvos de agentes do estado. É urgente uma nova segurança pública para que tenhamos uma nova realidade, melhor e mais justa”, completa.

Engajada, Paula também questiona o fato de ainda não haver solução para o assassinato da vereadora Marielle Franco (Foto: Reprodução Instagram)