*Por Rafael Moura
Como canta o mestre Gilberto Gil, “o amor da gente é como um grão”… E pensando que ele precisa germinar, a Virada Sustentável Rio 2019, maior mobilização de cultura e educação para a sustentabilidade do Brasil, que acontece até o dia 20 de outubro, traz 400 atividades gratuitas que ocupam 32 bairros da cidade, de Sepetiba e Campo Grande, de Ramos a Madureira, além das cidades de Niterói, São Gonçalo, Nova Iguaçu, Duque de Caxias e São João do Meriti. Uma programação repleta de atividades culturais, exposições de artes visuais, oficinas, performances, atividades infantis, rodas de conversa e painéis de debate com temática ambiental, social e econômica. As atrações são extremamente plurais e incluem, além do Circo Voador com o Palco Delas – Lia de Itamaracá, Jongo da Serrinha, As Bahias e a Cozinha Mineira e Slam das Minas RJ, fóruns de discussão na Casa Firjan, regatas ecológicas na Baía de Guanabara, contação de histórias, Feira Verde e debate sobre novas formas de consumo no IED, uma festa matinal, empreendedorismo materno, oficina de captação da água da chuva, entre diversas outras atividades para todas as idades.
“Quando pensei em fazer a Virada esse ano, foi muito desafiador por todas as questões econômicas e culturais. Pautamos o evento como uma síntese dos anos anteriores. O primeiro foi a tese e o segundo a antítese. Resistimos firmemente nesse processo de mudança de uma consciência social. Queremos ser como uma onda que vai crescendo ou como um grande eco. E isso se reflete no Palco Delas que valoriza a arte de mulheres cis e trans”, explica Renato Saraiva, coordenador da Virada Sustentável Rio.
O Slam das Minas RJ cortou a fita do Palco Delas e fez uma dobradinha nesta noite, pois se dividiu entre o Circo Voador e a Casa Porto, uma das ‘casas’ da Festa Literária das Periferias, a FLUP, que este ano homenageia o poeta pernambucano Solano Trindade (1908-1974), o primeiro artista ‘assumidamente negro’, no Brasil cuja poesia e biografia foram marcadas pela valorização da cultura africana no Brasil.
Uma tarântula adentra o palco da histórica lona da Lapa, um álbum com pernas longas, indicado ao Grammy Latino 2019, duas garras na ponta – Assucena Assucena e Raquel Virgínia, e corpo revestido de cerdas, como a potência da guitarra de Rafael Acerbi, que estreiam esse show no Rio de Janeiro. “Eu acho que o Rio é um centro cultural, uma das mecas brasileiras, é sempre um frio na barriga, um nervosismo natural, que aguarda muitos artistas. Eu amo essa cidade, e eu estou muito feliz de lançar ‘Tarântula’ aqui, ainda mais sendo no Circo Voador, que é uma casa que a gente ama”, celebra Assucena. Raquel corrobora com a vocalista quando fala da felicidade gigante: “Estar aqui é um presente. E é engraçado, porque o Rio é um lugar em que se produz muita arte, é muito teatral, um marco pela Bossa Nova, a capital do samba, é uma cidade que tem uma efervescência muito grande. Eu amo a Lapa, estou sempre por aqui fazendo estripulias. É um espaço político importante, inclusive, sagrado para mostrar nossa arte, afinal, o Rio vem passando por crises políticas muito intensas”.
O trio já participou da primeira edição da Virada Sustentável Rio, em 2017, na Praça Mauá, e, em 2018, foi convidado por Elza Soares para um show no Parque do Ibirapuera. “Já temos uma relação com a virada, acho que tem tudo a ver, porque quando falamos de respeito à natureza… uma das naturezas menos respeitadas é a das mulheres trans e a gente está lutando por esse respeito, e a Virada sinaliza um respeito com o indivíduo, com o que é natural”, reflete, Assucena. Rafael completa dizendo que “a Virada tem se tornado um evento de muita potência pelo Brasil (ele acontece em sete cidades), e promove encontros de afeto, hoje iremos pisar no palco com Lia de Itamaracá e o Jongo da Serrinha. São trocas muito frutíferas, que estão em espaços de resistência, que só os festivais conseguem proporcionar para nós que somos artistas”.
O show começou com ‘Mátria’, que fala da força das mulheres na construção desse país, seguido de um medley de ‘Homem com H’, de Ney Matogrosso, ‘Onda Diferente’, de Ludmilla e ‘É proibido fumar’, de Roberto Carlos… que incendiou a casa com um fogo que nem bombeiro pôde apagar. A faixa ‘Sua Tez’ fez uma dobradinha com ‘Qual é’, de Marcelo D2. Pedindo mudanças, foi a vez de ‘Pipoco e Pipoca’ em que Assucena e Raquel fizeram uma cerimônia de coroação no palco. Vieram os sucessos ‘Mix’, ‘Carnes dos meus versos’, ‘Das Estrelas’ e ‘Volta’. Um momento lindo e único em que o guitarrista Rafael Acerbi canta durante o show. No refrão ele se emocionou e a plateia não parou, segurou a letra todinha. Acionando o 5o mandamento da Bíblia, ‘Não Matarás’, as cantoras pediram um coro na faixa ‘Jesus Cristo’, de Roberto Carlos e depois clamaram: parem de nos matar! O show caminhava para seu fim, com ‘Apologia às virgens mães’, ‘Pagu’, de Rita Lee, ‘Jaqueta Amarela’ e ‘Um doido caso’ onde todos ficaram presos nessa teia da tarântula que estava repleta de amor e afeto.
Coroando essa noite, foi a vez da rainha Lia de Itamaracá subir ao palco, acompanhada do Jongo da Serrinha. A mestra do coco, maracatu, ciranda e cavalo marinho trouxe a força do xirê (roda, alegria) para embalar o bairro boêmio. “É um prazer estar aqui nesse evento e nesse palco tão importante para a cultura brasileira. Eu vou mostrar para o Rio de Janeiro a força e a beleza da cultura cirandeira junto com o Jongo da Serrinha”, comemora a célebre cirandeira.
O Jongo da Serrinha é um grupo cultural carioca criado na década de 60 por Mestre Darcy e Vovó Maria Joana e que hoje tem como base mulheres jongueiras – Lazir Sinval, Dely Monteiro e Luiza Marmello. “Eu tive aqui no Rio de Janeiro, na época em que Tia Maria era viva e eu gostei muito do trabalho que ela fazia. Achei importante demais, porque então não ter uma participação do jongo no meu show? Eu gosto muito e estou amando estar com elas nesse show. O jongo é quase um coco e essa união faz parte da nossa cultura”, explica a mestra da ciranda.
Para Lazir, sobrinha-neta de Tia Maria e coordenadora artística do Jongo da Serrinha, foi um show histórico, uma emoção pra todos. “Lia é uma rainha, que tem uma vida dedicada a nossa cultura, nos ensinando todos os seus saberes, um verdadeiro orgulho pra nós. Só de falar já sinto vontade de chorar de felicidade! Queria que Tia Maria estivesse aqui também. Confesso que senti muito a presença dela no palco e aposto que ela ficou muito feliz com essa homenagem, assim como de todo nosso povo jongueiro, da ciranda, do coco e do maracatu”, frisa emocionada. Lembrando que Lia lança na noite de hoje, sexta-feira, no Rio Scenarium, o livro ‘Lia de Itamaracá’, escrito pelo jornalista Marcelo Andrade e, no domingo, ela faz uma grande roda encerrando a FLUP 2019, na Praça Mauá. A venda do livro será revertida para a reconstrução do Espaço Cultural da artista, na Ilha de Itamacará. O local está fechado por falta de recursos para uma reforma.
A programação completa da Virada Sustentável 2019, está no site www.viradasustentavel.org.br
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