Duda Beat lança clipe e fala sobre ‘cultura da gratidão’: ‘Felicidade compulsória é problemática’


Cantora lança ‘Nem Um Poquinho’, o segundo clipe do álbum ‘Te Amo Lá Fora’, que conta a história de uma mulher que vive o lado mais amargo de uma desilusão amorosa. A composição foi feita em parceria com o baiano Trevo e explora um universo com sólidas referências da ficção científica. Cantando o amor das mais diversas formas e abraçando a dor da separação, Duda Beat diz que a ‘cultura da felicidade’ impediu que tivéssemos uma relação saudável com a própria tristeza: “Ouvimos tanto que temos que superar as nossas dores que, muitas vezes, esquecemos que passar pela fossa é normal e precisamos abraçá-la. Temos que ser gratos, aproveitar os momentos felizes, mas encontrando um equilíbrio”

*Por Bell Magalhães

Duda Beat nos mostrou mais um pouco do universo de ‘Te Amo Lá Fora’ no clipe de ‘Nem Um Pouquinho’, lançado agorinha. O vídeo e a letra apresentam uma narrativa em que vemos a ‘sofrência’ tomar um rumo mais amargo dentro do turbilhão de sentimentos de uma desilusão amorosa, o que desperta um lado mais ressentido e sombrio da persona cantada e interpretada por Duda no álbum. Para a cantora, cada música faz o papel do capítulo de um livro que mostra a multiplicidade do amor em suas mais diversas formas, e ainda faz um paralelo com o lançamento anterior: “Se em ‘Meu Pisêro’ essa mulher sofria, perdoava e seguia adiante, agora ela mostra uma outra faceta. O verdadeiro nisso é que vivemos as relações de maneiras diferentes mesmo, então é real para mim que agora haja um amargor, uma coisa mais sombria, que leva essa heroína por caminhos mais dramáticos até que ela se liberte”, explica.

Duda por Fernando Tomaz

Duda por Fernando Tomaz

O amargor da separação é a base da construção de um lado vingativo da heroína criada para a faixa, algo pouco explorado nas músicas mais românticas. Parte disso se dá pela construção de que as pessoas devem ser maduras para lidar com desilusões amorosas, sem mostrar sentimentos mesmo quando dói tanto. Isso surgiu com a ‘cultura da gratidão’, onde se exige do próximo e de si mesmo uma felicidade plena e inabalável, o que fez com que muitos não abraçassem a sua própria dor com medo do julgamento dos outros. De acordo com Duda, se obrigar a ser feliz é uma das maiores mentiras que podemos contar a nós mesmos. “Ouvimos tanto que temos que superar as nossas dores que, muitas vezes, esquecemos que passar pela fossa é normal e precisamos abraçá-la. Temos que ser gratos, aproveitar os momentos felizes, mas encontrando um equilíbrio. Essa felicidade compulsória é problemática, porque nos impede de encararmos os sentimentos que são ruins e focamos apenas nos bons”, analisa, acrescentando: “A realidade é que, se você estiver com raiva, se permita sentir. Se estiver triste, fique triste. Os sentimentos fazem parte de nós e devemos dar passagem a eles e depois seguir em frente, se abrindo para os dias felizes e coisas boas. Ninguém é só feliz ou só triste, somos tudo ao mesmo tempo”.

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"Essa felicidade compulsória é problemática porque nos impede de encararmos os sentimentos que são ruins e focamos apenas nos bons" (Foto: Fernando Tomaz)

“Essa felicidade compulsória é problemática porque nos impede de encararmos os sentimentos que são ruins e focamos apenas nos bons” (Foto: Fernando Tomaz)

Com a direção assinada pela dupla Alaska, formada por Gustavo Moraes e Marco Lafer, o clipe desenvolve esse universo dark onde Duda é um ser metamorfo que sofre uma desilusão amorosa pelo seu ex-namorado, um vampiro que não está muito afim de um relacionamento sério. As referências estéticas caminham desde ‘I’m A Slave 4 U’, da Britney Spears, ‘Thriller’, do Michael Jackson, e filmes como ‘O Quinto Elemento’ (1997) e ‘E.T. O Extraterrestre’ (1982). Os elementos visuais e o figurino têm papel fundamental na criação da atmosfera sombria e fantástica do universo de Duda. “Olhamos principalmente para ícones do ‘Bug do Milênio’, início dos anos 2000, estética cyberpunk, caos futurista. Para os looks da Duda, minha intenção foi deixar tudo com acabamento desgastado, desfiado e surrado, misturando isso com pontos de brilhos nos bordados, e acessórios mais fortes. Acabamos flertando com a estética das bandas de Glam Rock”, explica Leandro Porto, stylist da cantora.

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Conhecida por sempre trazer elementos futuristas e ousados nos seus trabalhos, e ‘Nem Um Pouquinho’ mergulha de cabeça no conceito cyberpunk. Explorar esse universo do clipe é uma forma de combater a visão estereotipada do público do sul-sudeste que associa produções nordestinas a elementos que reduzem a complexidade da cultura, sempre associando à seca, ao cangaço ou à violência. A cantora lamenta por essa visão ainda ser propagada, mas fala do orgulho que sente de representar a cultura da região em que nasceu e cresceu. “As pessoas ainda olham o nordeste apenas por esse viés, mas ele é múltiplo e muito mais que isso. Temos uma cultura tão rica e diversa. Somos polo do cinema brasileiro, de tecnologia e tenho um orgulho imenso de ser nordestina, de ser filha daquela terra e de poder levar minha cultura para o Brasil e para o mundo”, comenta. 

"Tenho um orgulho imenso de ser nordestina, de ser filha daquela terra e de poder levar minha cultura para o Brasil e para o mundo" (Foto: Fernando Tomaz)

“Tenho um orgulho imenso de ser nordestina, de ser filha daquela terra e de poder levar minha cultura para o Brasil e para o mundo” (Foto: Fernando Tomaz)

A personagem central tem a capacidade de se transmutar em várias pessoas para estar com quem ela ama e traz a reflexão para o espectador de que muitas vezes abrimos mão de quem somos por alguém. Falando principalmente do ponto de vista feminino, a dor e a desilusão amorosa são constantemente diminuídas, e mulheres são chamadas de ’loucas’, ‘exageradas’ e ‘dramáticas’, o que é uma percepção amparada no machismo presente na sociedade. Para Duda, abraçar a dor e cantar sobre ela é uma forma de resistir e se posicionar contra o machismo. “Acredito que seja uma maneira de falar ‘olha, eu sou uma mulher forte, dona da minha vida e também sofro por amor, me despedaço e me refaço’. Muitos homens cantam sobre mulheres sofrendo desilusões amorosas, mas quem melhor que nós mesmas para cantar sobre nossas vulnerabilidades?”, questiona.

"Muitos homens cantam sobre mulheres sofrendo desilusões amorosas, mas quem melhor que nós mesmas para cantar sobre nossas vulnerabilidades?" (Foto: Fernando Tomaz)

“Muitos homens cantam sobre mulheres sofrendo desilusões amorosas, mas quem melhor que nós mesmas para cantar sobre nossas vulnerabilidades?” (Foto: Fernando Tomaz)

‘Te Amo Lá Fora’ conta com duas participações de artistas nordestinos em suas músicas, entre elas ‘Nem Um Pouquinho’ com o artista soteropolitano Trevo, que faz o featuring com Duda na faixa e participa da composição e do clipe. O músico contou que participar da música foi essencial: “Foi um processo necessário para o meu crescimento como artista. Poder observar como trabalha a Duda e sua equipe, tanto no processo criativo como na execução do projeto foi algo que com certeza agregou muito no meu caminhar”. Segundo a cantora, o trabalho colaborativo é algo que sempre fez parte de sua caminhada profissional: “Colaborar é tão potente, tão forte. Com Trevo, minha vontade de colaborar era antiga. Quando decidimos que ‘Nem Um Pouquinho’ seria um pagodão baiano com trap, logo pensamos em convidá-lo. Gravamos a música e agora gravamos o clipe e estou muito animada para o público conferir tudo’, diz, animada.  A ideia era que o vídeo de “Nem Um Pouquinho” saísse mais perto do lançamento de “Te Amo Lá Fora”, mas o agravamento da pandemia em março fez com que os planos fossem adiados. “Tudo tem um momento certo para acontecer. Esse é um dos maiores projetos da minha carreira e queria fazê-lo da maneira mais segura para toda equipe. Por isso, só está saindo agora. Mas tenho a certeza de que está chegando no momento certo. Estou muito animada para ver como o público vai reagir, para ver todo mundo participando dos desafios no Tik Tok, meu grande parceiro nesse projeto grandioso. É realmente a realização de mais um sonho”, conta Duda.