Clarice Falcão fala de diagnóstico de transtorno bipolar e que saúde mental é tema contemplado em repertório musical


“Se estou fazendo um trabalho meu, com a minha personalidade e, se todo mundo gosta do meu trabalho, é sinal de que não estou pisando o suficiente”, analisa a potente compositora e cantora Clarice Falcão, que fala sobre seu novo trabalho antes de cair na estrada com a turnê de “Truque”. Também aborda todas as questões pessoais, desde o sentido amoroso às crises relacionadas à saúde mental. Em entrevista exclusiva, ela desabafa: “Quando entendi que tinha um comportamento que não fazia sentido com a depressão, achava que era a minha personalidade e ponto. Tinha crises e pensava ‘por que eu sou assim?’. [Compor] me ajudou tanto e me transformou tanto que o disco conscientemente fala sobre o assunto, sabe? Fui a fundo pegar as coisas que passei”

A artista Clarice Falcão sai em turnê de seu novo álbum logo após o Carnaval

*por Luísa Giraldo

Clarice Falcão parte, logo após o Carnaval, para a turnê de seu quarto álbum, “Truque”. Neste trabalho, a artista aprofunda o mergulho sobre a crise de identidade, a própria relação conturbada com a saúde mental e a forma na qual encontrou para estabelecer e fortalecer um olhar mais gentil com a bipolaridade. Em conversa exclusiva ao site Heloisa Tolipan, ela relembra do diagnóstico do transtorno bipolar, da influência da temática emocional em suas músicas e da estratégia desenvolvida para lidar com o hate na internet.

A compositora entende que a saúde mental é uma das principais temáticas contempladas em seu repertório musical, mesmo que a abordagem do tema fosse de forma sútil e, para muitos ouvintes, soando até imperceptível.

“Sinto que já estava falando sobre a saúde mental desde o primeiro disco, desde as primeiras coisas que fiz, mas menos consciente. Não sabia que estava falando sobre isso. Quando comecei a fazer ‘Monomania’, já tinha tido a minha primeira crise depressiva. Depois, fui entender da minha ansiedade, da depressão e da melancolia. ‘Monomania’ é sobre entender direito o que eu estava sentindo, o porquê era tão esquisita e porque chorava tanto, e como isso se refletia nos relacionamentos com as outras pessoas e o relacionamento romântico. O álbum fala muito sobre saúde mental, mas achava que estava falando só sobre amor: óbvio que estava, mas, olhando agora, entendo que também falava sobre a saúde mental”, atesta.

Clarice relaciona a mudança do olhar para o próprio trabalho com o contexto do período em que recebeu o diagnóstico de bipolaridade. Ela lamenta ter recebido, em um primeiro momento, o diagnóstico errado de depressão, o que fez com que ela passasse a tomar medicamentos direcionados para outro tratamento, que “acabaram atrapalhando mais do que ajudando”.

Quando entendi que tinha um comportamento que não fazia sentido com a depressão, achava que era a minha personalidade e ponto. Tinha crises e pensava ‘por que eu sou assim?’. [Compor] me ajudou tanto e me transformou tanto que o disco conscientemente fala sobre o assunto, sabe? Fui a fundo pegar as coisas que passei e, a partir da divulgação desse disco, comecei a falar sobre isso porque me ajudou. Falar publicamente para ajudar alguma pessoa a pensar ‘talvez, eu tenha outra coisa, mas preciso investigar, preciso saber’. Se uma pessoa fizer isso, já estou mais do que feliz. Sinto que em ‘Monomania’, já era eu liberando a doida interna que nem sabia que sou — Clarice Falcão

A comediante Clarice Falcão reflete sobre a saúde mental

A comediante Clarice Falcão reflete sobre a saúde mental (Foto: Pedro Pinho)

Hate

Clarice Falcão completou dez anos de carreira no ano passado e considera que não passou, até hoje, por uma onda de hate na internet. Como chegou “ainda no começo da internet”, não havia nem mesmo o conceito estabelecido para abordar as críticas excessivos e comentários maldisposta no mundo virtual.

“Era muito pouco difundida a noção de que, na internet, as pessoas ganham uma outra personalidade e que, por próprias questões de saúde mental delas, pode haver uma raiva contida que não é sobre você. No começo, era muito mais difícil. Lembro de surgir e todo mundo me achar o máximo porque era pequenininha e a galera sentiu que me descobriu. Quando fica mais popular, a moda vira falar mal porque te deixa diferente dos outros. Quando aconteceu comigo, aos 19, 20 anos, me pegou bastante. Hoje em dia, depois de dez anos de ‘Monomania’ e depois de todo mundo compreender a internet nesse sentido, não consigo levar a sério. Entendo que não é sobre mim na maioria das vezes, é muito sobre as pessoas e o momento em que você ouve”, explica com humor.

A cantora compartilha uma dica valiosa para não se deixar abalar com os comentários maldosos: “Não ler tanto os comentários. Em uma situação de leitura, ela recomenda que os fãs tenham em mente que “todo mundo tem o direito de não gostar do seu trabalho”.

A artista Clarice Falcão relembra sobre o término com o humorista Gregório Duvivier

A artista Clarice Falcão relembra sobre o término com o humorista Gregório Duvivier (Foto: Pedro Pinho)

Se estou fazendo um trabalho meu, com a minha personalidade e, se todo mundo gosta do meu trabalho, é sinal de que não estou pisando o suficiente — Clarice Falcão

“Quando faz alguma coisa que tem uma personalidade, você vai agradar um nicho ou tipo algumas pessoas e vai desagradar outras. Ou vai agradar uma grande parte das pessoas com uma coisa mais popular e vai se desagradar. Acho que a idade, o tempo e esse conhecimento da internet foi me trazendo um pouco dessa tranquilidade”.

 

Álbum “Truque”

Em uma década de carreira, “Truque” é o quarto álbum de Clarice Falcão. A artista busca contemplar os “mil lados” que tem dentro de si. Ela sente que este trabalho reúne seus últimos três projetos, descritos como “muito diferentes” por Clarice, em um só, com o objetivo de apresentá-la por inteiro

“Todo mundo tem mil e uma camadas, não é um privilégio meu. O conceito de ‘Truque’ chegou, inclusive, depois de compor as músicas. Fui fazendo o que surgia e, depois, olhei e vi do que estava falando. Entendi que estava gravando de volta para essa coisa da ilusão do amor, uma coisa que sempre me encantou muito: o realismo fantástico, Garcia Marques e Calvino, pessoas que falam sobre os universos doidos que a gente cria na nossa cabeça. Fui entendendo que o projeto inteiro era sobre ilusão”, recorda a atriz e humorista de 34 anos, sobre o processo criativo.

A cantora Clarice Falcão desabafa sobre o diagnóstico de bipolaridade

A cantora Clarice Falcão desabafa sobre o diagnóstico de bipolaridade (Foto: Pedro Pinho)

Em uma espécie de analogia, a compositora  ressalta que escuta as músicas como “uma terapia”, pois ela “vai falando e escutando e repara coisas que você não imaginava, mas que estavam lá dentro”. Inspirada, Clarice descreve “Truque” como “uma terapia para você se ouvir, para os ouvintes de ouvirem e para os seus fãs também te ouvirem”. Em consonância, as músicas trabalham um sentimento de “inadequação e não pertencimento, mas, ao mesmo tempo, uma autoaceitação daqueles sentimentos estranhos e das próprias limitações”.

A artista identifica que o sentimento de solidão emocional é “muito mais comum do que” as pessoas imaginam. É uma das razões pelas quais compõe músicas que permitem a identificação com os ouvintes. Sobretudo em “Truque”, ela deseja a troca com os fãs.

“É um sentimento de troca com aquela pessoa, já que ela sente menos sozinha e eu também me sinto menos sozinha. Quando componho, não sei se as pessoas vão entender ou se as pessoas vão se identificar. Quando jogo [uma música] no mundo e tenho esse retorno, é uma relação horizontal de eu também me sentir melhor”.

A compositora Clarice Falcão fala sobre novo álbum e relação com a saúde mental

A compositora Clarice Falcão fala sobre novo álbum e relação com a saúde mental (Foto: Pedro Pinho)

Ainda sobre a forma na qual concebe o último álbum: Clarice avalia que conseguiu fazer um bom trabalho. A cantora enxerga que é um “reflexo” dela próprio se entender melhor. Apesar de julgar ter feito menos terapia do que deveria, a comediante acredita que o processo criativo a ajudou a se entender e a olhar de fora para os próprios sentimentos.

“Acho que a terapia também é uma coisa que ajuda muito. Não é todo mundo que se dá com remédios. Eu sou assim e me ajudou muito a pensar sobre essas forma de lidar que a vida tem como melhorar. Fico muito animada com este trabalho novo. Nunca fiz um trabalho em que fiquei tão orgulhosa, que tem um pedaço meu, porque tem visuais e clipes. É como se ‘Truque’ fosse uma síntese da Clarice Falcão. ‘Monomania’ tinha uma pegada da saúde mental com uma paixão exagerada, da gente ficar doida mesmo de amar demais. Depois teve o “Tem Conserto”, que tem a questão da independência e de se entender independente do outro, da raiva e de como lidar com um termino e estar sozinha com os altos e baixos. ‘Truque’ tem de tudo: tem eu por dentro, eu por fora, se apaixonar e também não se apaixonar e terminar. Ele é o meu álbum mais completo”, conclui.