Cinquentinha! No Rio, Maria Bethânia comemora meio século de carreira e ultrapassa o tempo sem perder a majestade!


Memorável! No Vivo Rio, a artista emociona mais uma vez e não poupa artifícios para levar o público ao delírio, em um misto de doce ritual com transe apoplético!

* Por Bruno Muratori

Se em 13 de Fevereiro de 1965 chovia muito no Rio de Janeiro e, ainda como agravante, havia a promessa de má sorte do tal número do azar, a máxima caiu por terra quando Nara Leão apresentou a todos sua substituta em “Roda Viva” no extinto Teatro Opinião, em Copacabana: uma menina de 17 anos vinda da Bahia chamada Maria Bethânia. Seu sonho de se tornar cantora podia até ser impossível, mas… Nada disso! Era questão de tempo – já que talento sobrava – para que ela viesse ao mundo das artes e se tornasse uma das maiores intérpretes da MPB. Com sua voz única e presença marcante, entoando “Carcará”, seu canto atravessou meio século e oxalá, sobrevoa até hoje os céus do Brasil – ainda bem! – motivo pelo qual a artista agora comemora, a partir desta noite de sábado (10/1), seus 50 anos de carreira. E o mesmo Rio Maravilha que recebeu sua voz de braços abertos acolhe nesse momento sua diva maior no palco do Vivo Rio para celebrar esta data tão especial. Em turnê com “Abraçar e Agradecer”, com mais apresentações ainda neste domingo (11/1), quinta-feira (15/1), sábado (17/1) e domingo que vem (18/1).

O show, que segue para São Paulo e depois continua pelas grandes capitais brasileiras durante todo o ano de 2015, tem direção e cenografia de Bia Lessa – que a acompanha desde seus últimos espetáculos “Carta de Amor”, Amor, Festa e Devoção” Dentro do Mar tem Rio”. Por sua vez, a coordenação e produção musical é de Guto Graça Mello, produtor responsável por álbuns marcantes em sua carreira como Ciclo”(1983) e As Canções que você fez pra mim” (1993).

Dessa vez, a banda é formada por Jorge Helder (regência e contrabaixo), João Carlos Coutinho (piano e acordeom), Paulo Dafilim (violas e violão), Pedro Franco (violão, bandolim e guitarra), Marcio Mallard (cello), Pantico Rocha (bateria) e Marcelo Costa (percussão). E, ao contrário de sua emblemática estreia no Rio, neste sábado não choveu. Pelo contrário, o céu estrelado era de tirar o fôlego e o mar sereno e o calor senegalês – mesmo às 22hs no horário programado para o espetáculo – contribuíram para mais uma noite mágica. Na entrada, via-se uma certa ansiedade do público, normal, né!?! Shows da Bethânia hoje em dia são coisa rara e sempre que se é conhecido dessa forma, vem aquele frisson nos mortais que precisam ser arrebatados por algumas horas de catarse.

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Fotos: Vinícius Pereira

E, como não poderia deixar de ser, o show foi mesmo espetacular! A começar pela a estrela maior, que entra em cena com a casa vindo abaixo. Em um mimo ao irmão Caetano, abre o primeiro ato do espetáculo com “O eterno em mim”. Em seguida, emenda “Dona do Dom, de Chico Cesar, e “Gita”de Raul Seixas e Paulo Coelho. Aí, se o clima já era quente, o coro ardeu por completo, cool!

No mais, um momento alto no 1° ato: a declamação de poema de Clarice Lispector em tom sensível e único que nos comove. Gostoso demais! Depois, em passagem que vai ficar para os anais da MPB, a diva tasca “Tatuagem”, de Chico Buarque, de roubar a cena num repertório escolhido a dedo. Lindo mesmo! E, para qualquer dor de cotovelo. agora é a hora de se jogar e cantar sem medo de que o amigo do lado perceba o tal sofrimento. Relaxa baby! “Se há algum direito ao grito, então eu grito!”, Bethania solta.

A presença em cena e o figurino alinhado dão aquele tom respeitável, e a iluminação acertada e as projeções aos pés da cantora se encarregam de favorecer o todo do espetáculo, fazendo parecer que a artista está flutuando no mar. Primoroso. Tudo parece um culto que convida o público a lavar a alma, e o que importa é estar bem consigo mesmo, ficar atento aos sinais que a cantora joga ao leu. Aliás, ao leu não. Nada é por acaso ali.

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Fotos: Vinícius Pereira

Mais tarde, no 2° ato, foi é hora de “Tudo de Novo“, música de Caetano Veloso, “Doce de cajá”, de Roque Ferreira“Oração à Mãe Menininha”, de Dorival Caymmi, destaque para a percussão de Marcelo Costa. Além do clima, o mais bacana é o culto. Sim, existe um ritual solene no show, embora Bethânia não tenha nada de solene, é simples. A atmosfera do espetáculo é sempre pontuada com o respeito e fé da artista nos orixás e todos os seus protetores, e é possível sentir essa energia. Acaba não sendo nada difícil para a plateia mentalizar e falar com quem quer que seja que a protege. No fundo, é essa pegada da dama da canção que faz a diferença: o canto que abençoa, a semente que fica plantada.

Aí segue essa pegada africana e toda ancestralidade surge em “Eu e Água”, Abraçar e Agradecer”, “Vento de Lá”. E, em passagem fofa, Bethânia senta no palco como se na porta da sua casa e canta, convidando todas a acompanhá-la e prosear.

Os músicos são de tirar o chapéu e o afinamento harmônico em sintonia com a artista é sublime, tanto que, em dado momento, a artista canta Edith Piaf,com seu eterno sucesso, Non, Je Ne Regrette Rien”. De assombrar. O público entra em transe por cerca de dois minutos, de pé, com direito a aplausos fervorosos. “Please, não quero voltar ao planeta Terra, não!”, é o que mais se ouve à volta.

Por fim, a estrela volta no bis e presenteia todos com “Brincar de Viver – Sim, os presentes a chamaram e ela atendeu. Para fechar, Bethânia termina com “O que é, o que é”de Gonzaguinha. Sabe, se há alguma coisa que todo mundo precisa fazer, antes de pegar esse trem da vida, é passar algumas horas com a maior intérprete da música brasileira. Como todos ainda querem ficar por aqui mais um pouco, então ainda dá para ouvir e se emocionar com ela.

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Fotos: Vinícius Pereira

* Carioca da gema e produtor de eventos, Bruno Muratori é uma espécie de fênix pronta a se reinventar dia após dia. No meio da década passada, cansou da vida de ator e migrou para a Europa, onde foi estudar jornalismo. Tendo a França como ponto de partida, acabou parando na terra do fado, onde se deslumbrou com a incrível luz de Lisboa e com o paladar dos famosos pasteis de Belém, um vício. Agora, de volta ao Rio, faz a exata ponte entre o pastel de Belém e a manjubinha