A celebração da “rapidinha” e os relacionamentos de aplicativo em “Sexo grátis, amor a combinar”


Peça retrata muito bem como a sociedade atual se preocupa mais em “matches” no celular do que em manter uma conversa ao vivo

*Por João Ker

Situado nos domínios da Barra da Tijuca, nos subterrâneos do Barra Square, está o Teatro dos Grandes Atores, que recebeu nestas sexta-feira e sábado (29 e 30/8) a estreia da peça “Sexo Grátis, Amor A Combinar”. Com direção de Bia Oliveira, conhecida por descobrir novos talentos das artes dramáticas no Rio, o espetáculo gira em torno do embate entre real versus virtual no mundo moderno e traz um elenco formado por jovens atores, alguns provenientes da televisão, como Yana Sardenberg (Floribella), Lucas Cordeiro (Malhação) e Luca Pougy (Rebelde) – que, curiosamente, também assina como assistente de direção – e os novatos Camila Mayrink, Lu Rocha, Pedro Aquino e Vitor Rios.

(Foto: Divulgação)

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Com texto de Rui Franco, “Sexo Grátis e Amor A Combinar” apresenta um embate recente e natural na sociedade contemporânea, onde a representação no mundo virtual começa a se tornar um reflexo nada transparente da realidade, no qual redes sociais e aplicativos para relacionamentos começam a interferir, modificar e substituir as relações interpessoais até então vigentes na sociedade. Parece quase a conclusão de uma premonição do duo eletrônico Daft Punk, que sempre apostou em uma interação mais sentimental entre máquinas e humanos, com os robôs nos ensinando a sentir. Mas, sem se limitar apenas a esta questão, a peça comenta em paralelo como o sexo se tornou mero momento fulgaz entre duas pessoas estranhas, sem amiores implicações, banalizado a níveis de deixar Hannah Arendt estupefata.

“A gente dá um toque para o público, mostrando que o real é bem mais interessante do que o virtual. Hoje todo mundo fica no celular o tempo inteiro, até quando está na companhia de outra pessoa. E a tendência é isso só aumentar com o tempo. Se as pessoas apenas perceberem que fazem isso, já está de ótimo tamanho”, comenta Lu Rocha, que vive uma das personagens mais sexualmente livres no espetáculo, Yonara, uma espécie de samurai-zen do coito. Seu equivalente masculino, o mulherengo Alfredão, é vivido por Lucas Cordeiro, que concorda com o que sua colega de cena pensa: “Hoje, as pessoas fazem o que bem entendem, da forma que lhes dá na telha, filmam e mandam para os amigos por Whatsapp. Até o sexo – como as relações – tá ligado nessa história de virtual, com vários aplicativos específicos para isso. Até que ponto essa conexão atual serve de substituição para a antigas formas de se relacionar?, é nosso alerta para a galera'”.

(Foto: Divulgação)

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A descoberta de uma realidade paralela aparece bem retratada no personagem vivido por Vitor Rios, o mineiro meio caipira Laércio. Fascinado pela descoberta de um novo horizonte proporcionado por aplicativos como o Tinder, ele se diverte com o anonimato proporcionado pela interação virtual, até encontrar alguém. “As pessoas estão deixando de viver as coisas de verdade para ficar no celular. É claro que é inevitável usar os aparelhos eletrônicos hoje em dia, mas isso tem que acontecer de uma forma mais consciente”.

É exatamente neste espaço de interseção entre o artificial da tela e o real da vida que fica o ponto central da questão levantada pela peça. Pelo menos de acordo com a opinião de Luca Pougy, que interpreta o escritor e personagem central do espetáculo, Rubens: “O nosso objetivo com a peça não é dizer se isso está certo ou errado. A gente costuma perguntar para o público o que é o colorido e o que é o preto-e-branco, como uma analogia entre o real e o virtual. As respostas surpreendem bastante porque, enquanto nós [do elenco] acreditamos que o P&B é o que está nos aplicativos etc., algumas pessoas já pensam o contrário. Para mim, o importante é achar onde fica o cinza, o meio-termo entre esses dois universos. Como continuar usando a tecnologia da comunicação sem se perder dentro dela. É estranho, mas hoje as pessoas podem ter 70 mil seguidores no Instagram, centenas de amigos e likes no Facebook, mas isso não significa que elas tenham uma relação de verdade, alguém para ligar quando a coisa aperta”.

Se “Sexo Grátis e Amor a Combinar” é repleta de personagens altamente estereotipados – “a romântica”, “o cafajeste”, “o interiorano” etc. – e até apresenta algumas piadas nem tão cativantes assim, proferidas por um elenco que revela ainda muito potencial a ser desenvolvido, seu grande mérito (e êxito!) está na forma com que dialoga com a geração selfie. Com uma montagem simples, mas eficiente e instigante (onde objetos de cena vão se interpelando como metáforas para o amor e o sexo em uma contrarregragem cênica), o roteiro parece mais real do que, digamos, obras televisivas como “Malhação”Pelo menos aqui, eles não tratam a maioria dos jovens de 18 anos como sexualmente inativos ou apenas tímidos principiantes. Não definitivamente não. Na peça, assim como na vida real, a maioria dos adolescentes já sabe muito bem o que é sexo e, muitas vezes, melhor até do que seus próprios pais, que não puderam contar com o excesso de informação ao alcance das mídias eletrônicas .

E, sem nenhum julgamento, o roteiro apenas reflete essa realidade, chamando certa atenção para essa inevitável mudança comportamental, plenamente visível nas mais tenras gerações. Como diz a própria diretora, Bia Oliveira: “A gente quer mais que as pessoas saiam daqui com vontade de fazer sexo mesmo”, brinca. E, como diria Rita Lee, bem antes da existência de Grindr, Tinder ou qualquer outro aplicativo parecido: “Sexo é escolha, amor é sorte”. Bom, talvez não haja até nada de errado em se divertir enquanto aquele trevo de quatro folhas não aparece.