Beea: “Era adolescente quando ouvi de um namorado que ser cantora na noite não era atitude de mulher direita”


Radicada em Los Angeles, há quatro anos e meio, a cantora mineira vem galgando espaços nos Estados Unidos. Ela acaba de lançar o single de sua autoria Let You Go, inspirado em verídica e pessoal história de amor que chegou ao fim por não resistir à distância. E com esta canção começa a investir para conquistar também um lugar na cena musical brasileira. Mulher guerreira, tem discurso ativista de empoderamento feminino. “A mulher precisa ser forte para seguir o caminho dela. Senti isso no feminismo. Essa força eu não encontrei em nenhum parceiro, que falasse: ‘O seu sonho é o meu sonho.’ Não! O que encontrei foi muita gente querendo abortar o meu sonho. Levanto esta bandeira de que a força precisa estar na própria mulher. Eu sou a prova disso”

* Por Carlos Lima Costa

Um amor à distância provoca saudade e calafrios nos reencontros. Mas ele consegue ultrapassar a barreira do tempo estando cada um em um continente distinto? A cantora brasileira Beea, radicada em Los Angeles, há quase cinco anos, e que vem ganhando destaque nos Estados Unidos, viveu essa experiência e a transformou em música, o single Let You Go, lançado recentemente nas plataformas digitais e com o qual começa a tentar mostrar seu trabalho no Brasil.

No caso dela, o romance não resistiu a lonjura, estando ela na América do Norte e ele na Europa, mais precisamente em Roma, capital da Itália, onde nasceu, e que serviu como cenário para o clipe da canção desta verídica história de amor que chegou ao fim dois anos após o seu início. “Costumo falar que o amor só dói quando acontece. Eu sentei e comecei a pensar sobre o que era este relacionamento, peguei situações recorrentes, ligava e não conseguia falar. Parecia que nunca dava certo, parei para pensar e decidi deixar ele ir. Nos falamos até hoje. Existe amor das duas partes, mas o significado da música é esse, deixar ir”, explica.

O namoro terminou em julho e no mês seguinte ela compôs a música. Ao gravar o clipe na terra natal do ex-amado, até se encontraram, mas ela não aposta em revival. “Ainda estava meio dolorido, mas não moro nem pretendo viver em Roma. Nesses dois anos tentei buscar de todas as formas com que pudesse ir para Los Angeles. Por mais que tenha proposto isso, sei que é difícil, ele tem seus compromissos, então, é deixar ir”, acrescenta ela, resiliente, que costuma transformar as experiências em melodia e poesia.

Beea grava clipe de Let You Go, tendo ao fundo a Igreja do Santíssimo Nome de Maria no Fórum de Trajano (Foto: Divulgação)

Beea grava clipe de Let You Go, tendo ao fundo a Igreja do Santíssimo Nome de Maria no Fórum de Trajano (Foto: Divulgação)

Beea já deixou a cidade eterna e está de volta a Los Angeles. Na imprensa americana, ela vem chamando atenção por sua mensagem ativista de empoderamento feminino. Este lado foi sendo construído pouco a pouco por tudo que viveu. “Porque este lado feminista é tão forte e presente na minha vida? Sou uma mulher que desde criança, menina, cresci em festa, em bar e na noite cantando com meu pai. Eu e meus pais ouvimos muito que eu era uma criança ou uma adolescente criada no mundo. Na minha cabeça de adolescente, não entendia o que aquilo significava. A visão que as pessoas tinham era preconceito de cidade pequena”, comenta ela, natural da cidade de Três Marias, no estado de Minas Gerais.

E prossegue com longo relato sobre os muitos comentários que ouviu e a forma como se repetiu a visão de mundo de seus namorados. “Na jornada da vida até chegar aqui, tive vários relacionamentos. Um namorado, por exemplo, falou exatamente assim: ‘Te amo, quero casar, mas só quando você tiver um trabalho de verdade. Cantora não é um trabalho de verdade. Cantar não é trabalho’. Outro, disse: ‘Eu não aceito o que você faz, porque ser cantora na noite não é coisa de mulher direita.’ Eu ainda era adolescente quando ouvi isso. Tive um outro que era bem conectado com a mídia. Então, após uns meses de relacionamento, pedi que ele apresentasse meu trabalho para alguém. E ele respondeu assim: ‘Não vou fazer isso, porque tenho medo de se você ficar famosa, me deixar para trás.’ Nunca tinha parado para pensar nesse tipo de atitude. Fazer música para mim não tem relação com ficar famosa, senão já tinha parado. Afinal, estou com 35  anos de idade e comecei aos cinco. Acho que precisa ter muito amor para continuar nessa carreira. Por ela, sofri muito preconceito”, reclama.

Let You Go retrata romance que não resistiu a distância entre Estados Unidos e Itália (Foto: Divulgação)

Let You Go retrata romance que não resistiu a distância entre Estados Unidos e Itália (Foto: Divulgação)

Mas sempre foi forte e encarou sem medo os desafios como o de ir morar sozinha nos Estados Unidos para realizar seu sonho. “Meu pai era bem conectado, socializado. As festas em que cantávamos eram de políticos, pessoas da sociedade. Era bonito ver esta apresentação de pai e filha. Mas aquilo incomodou  um pouco pessoas próximas. A mulher precisa ser forte para seguir o caminho dela. Senti isso no feminismo. Essa força que tenho, não encontrei em nenhum dos parceiros, tipo aquela coisa: ‘O seu sonho é o meu sonho.” Não! O que encontrei foi muita gente querendo abortar o meu sonho. Senti na pele. Levanto esta bandeira de que a força precisa estar na própria mulher. Eu sou a prova disso. A mulher precisa ser muito forte para seguir o caminho dela”, aponta.

Mas definiria como tóxicos vários desses envolvimentos afetivos? “É difícil classificar. Nas minhas relações essa foi a parte que encontrei resistência. Não posso dizer que o cara não era legal, mas quando queria alçar voos, cortava as minhas asas. Mas não sei dizer se era uma relação tóxica. Talvez nem tenha chegado ao ponto de ser assim. Talvez seja fruto da sociedade machista. Mas essas atitudes me serviram como incentivo. Falo que me fizeram um favor. Não vou ceder e não cedi a isso. E aí o próximo passo que eu dava era tão gigante, que resultava a meu favor. Às vezes, chorava, pensava ‘meu Deus, traga essa pessoa de volta’. Hoje, falo, que bom que Deus levou embora (risos).”

Mas refletindo mais profundamente, nessa sua caminhada, foi vítima de assédio? “Moral? Talvez, sim. Sexual não, nunca chegou completamente a isso. Talvez velado. Isso na realidade da mulher é desde sempre. Desde criança, adolescente, tinha homem que me via cantando…Tinha sorte, respaldo de estar com meu pai que me protegia, mas tenho lembrança de comentários que na época eu não entendia, como ‘ai que bonita’. Levanto a bandeira do feminismo. Depois que se vive muito tempo sozinha sem a família por perto, o que você precisa para viver bem é ter consciência de que existe diferença cultural”, reflete.

Em Roma, cantora conta que está radicada em Los Angeles há quatro anos e meio (Foto: Divulgação)

Em Roma, cantora conta que está radicada em Los Angeles há quatro anos e meio (Foto: Divulgação)

Beea ou melhor, Gabriela, seu nome de batismo, só adotou o atual nome artístico, quando se mudou para Los Angeles, fato que completará cinco anos, em maio. “Me chamavam de Gabi, Bi e quando fui para lá ficava mais fácil para eles o Beea”, conta ela. A paixão pela música surgiu ainda muito pequena. “Meu pai, Carlão, foi músico, cantor, compositor e arranjador conhecido nas décadas de 80 e 90 lá na região e eu comecei a me apresentar com ele desde muito cedo e aos dez, 12, já estava em todos os shows profissionalmente. Então, esse mundo sempre fez parte da minha rotina, é algo quase espiritual”, conta.

A mãe sempre levava as três filhas para ver os shows. E o interesse dela por ser cantora surgiu aos cinco anos. “Acompanhando os shows do meu pai, acho que vi mais casamento do que qualquer pessoa (risos). Mas em uma dessas festas me chamaram atenção as luzes, o som, olhava para o palco e para a plateia repetindo esse movimento e eu me lembro que nessa hora me deu um sentimento de que as pessoas no palco estavam se divertindo mais. Na hora, falei para minha mãe que queria cantar, gritei tão alto que o show parou. Fui até o palco, cantei e nunca mais parei”, diverte-se. Aos 9, a família foi para Sete Lagoas. “Sempre fiz o que o meu coração mandava. Ao entender que queria cantar para mais gente, que aquilo é que me dava energia, me desliguei da parceria com meu pai”, lembra. Foi para Belo Horizonte, depois São Paulo, fez backing bocal para sertanejos, até que em 2010, viajou para Roma.

A intenção era permanecer quatro meses para ajudar a irmã Renata que havia tido um bebê. “Fiquei agitada. Não tinha nunca ficado tanto tempo sem fazer nada. Meu cunhado conhecia pessoas ligadas a música, conheci um DJ e em um desses shows, um agente de gravadora me viu e aí, em 2012, gravei uns singles, músicas minhas, em português e inglês. Por um tempo deu certo, mas tínhamos visões diferentes. Eles buscavam um produto que eu não queria entregar, uma coisa meio Shakira, dance, algo para rebolar e não é esse o meu estilo. Gosto de músicas que tenham realismo. Aí fechamos essa parceria”, explica. O projeto ficou engavetado.

De volta para o Brasil, teve problemas com um namorado ciumento e queria sair de perto daquilo. Aí olhou um mapa e, sem nunca ter pensado em morar na Califórnia, foi para Los Angeles. “Ao chegar lá, vi que era o lugar que eu sempre quis estar. A cidade respira arte e entretenimento. Para mim, era voltado para cinema e TV, mas Los Angeles é casa para qualquer tipo de expressão. Senti que nasci de novo. Aí fiz aulas de canto, um curso de artista independente, onde aprendi a gerenciar tudo na minha carreira.”

Beea busca conquistar espaço no cenário musical brasileiro (Foto: Divulgação)

Nesta mudança de país, não precisou exercer qualquer outra profissão para se manter. Ela recebia pelas apresentações que fazia com o pai e começou a usar suas economias. Beea acabou adquirindo um bom conhecimento na indústria da música e em LA, participou durante três meses como backing vocal de uma série de apresentações de Luis Fonsi, inclusive, na cerimônia do Grammy, quando ele era sucesso mundial com Despacito.  “Com certeza absoluta tive um aprendizado até de poder ver a diferença de estrutura de um artista globalmente conhecido. Imagina, de repente estava eu em uma apresentação do Grammy”, ressalta . E prossegue: “Tenho plena consciência de que sou forte. Não sei de onde veio toda essa coragem , essa vontade, esse topete de buscar as coisas. Algo dentro de mim me guia, mas tenho estrada longa para caminhar”, analisa ela, que não titubeou ao sair de seu país de origem e ganhar o mundo para conquistar seu sonho.

Antes de deixar o Brasil, lançou o CD Sonho, de MPB, com músicas de sua autoria e de Marcos Lira. “Hoje, defino meu estilo como pop, que engloba a MPB. Gosto de ter a linguagem que atinge o coração. O pop me dá liberdade de buscar o ritmo que gosto. Tenho projeto que me traz elementos brasileiros. Fui vivendo, buscando outras culturas, músicas e valorizando a bossa, o baião, coisas que aprendi com meu pai, e tantas vertentes brasileiras como samba, MPB, chorinho”, esclarece.

Há 30 anos, Beea subiu em um palco para cantar pela primeira vez (Foto: Divulgação)

Pretende agora lançar vários singles, mas não vai lançar um álbum. “Não tenho intenção. Para uma artista independente custa muito. A indústria mudou, tenho série de singles para apresentar nos próximos meses e que exemplificam tudo que defendo, como essa parte que fala muito dos meus relacionamentos pessoais, das minhas questões existenciais. Gosto de escrever sobre isso”, conta ela que ainda hoje é casada no papel com um americano.

“Não divorciamos. Logo que cheguei nos conhecemos, nos apaixonamos e foi uma das pessoas que teve o tipo de relação que eu já retratei. Casei no papel e parece coisa de filme, novela. Após um tempo não deu mais certo, foram dois anos que ficamos juntos, um ano e pouco casados. Acabou no final de 2017”, recorda Beea que tem entre suas referências musicais nomes como Caetano Veloso, Belchior, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Toquinho e as cantoras Maria Bethânia, Elis Regina, Celine Dion, Lara Fabian, Édith Piaf, as divas do mundo.

“A mensagem principal que quero passar para todo mundo, principalmente do meu país, tem a ver com sua pergunta. Mulher que sai de Três Marias e consegue chegar em lugar distante. Pode sonhar, buscar, não ter medo. Eu não tenho medo de nada. Não importa onde nasci. Todas as pessoas podem chegar aonde desejam, é só levantar, caminhar e acreditar no Brasil. O que quero é poder falar ’todo mundo pode’”, garante. Seu single Ride Or Die, de 2018, foi semifinalista do Song of The Year, tradicional premiação americana. E Permission, do ano seguinte, foi eleito Melhor Videoclipe no International Music Video Underground de Paris.

Esta é a primeira vez que se preocupa em buscar ajuda profissional para conquistar um espaço no Brasil. Antes lançava seu trabalho divulgando nas suas próprias redes. “A ânsia de mostrar minha música no meu país é, porque tive sonho e fui atrás, gosto do que faço. Penso voltar em algum momento. Vi tanta coisa que funciona aqui em tantos aspectos. Amo o Brasil e quero que todos tenham experiências. Se puder fazer uma sementinha que seja, vou fazer, tenho intenção de voltar a morar no Brasil”, explica.