*Por Rafael Moura
Depois de explorar uma verve sensual-fetichista de um cassino de luxúrias, em ‘Você é do Mal’, com Cleo, e trazer uma alegoria sobre o amor com Kell Smith, em ‘Muito, Eu Te Amo’, “ uma redenção do amor e no amor. É mais um samba-enredo que deu certo”, conta Assucena Assucena, o trio As Baías traz um quinto single nessa nova fase da banda, desta vez com Linn da Quebrada. A faixa ‘Onça / Docilmente selvagem’ versa sobre resiliência e representatividade da comunidade LGBTQIA+, acionando um clima hollywoodiano para trazer o glamour para o pop eletrônico, com uma batida e suavidade que dá o tom de gala ao filme. “Queremos mostrar que nosso espaço é onde a gente quiser e não onde os outros ditam para nós. Podemos estar nos topos, podemos tudo”, comenta Raquel Virginia. Assucena acrescenta: “Estou muito feliz com esse lançamento, por conta do encontro com Linn e pelo que ele representa na sociedade. Vão virar a perspectiva e entender que nós trans, brilhamos sempre, somos donas de nossos destinos”.
Já a atriz, apresentadora, cantora, compositora, performer e ativista social pelos direitos civis da comunidade LGBT e da população negra, Linn da Quebrada comentou sobre essa parceria e a importância por trás da canção e do projeto. “Fiquei muito feliz com o convite delas! A gente colaborou em “Absolutas” um tempo atrás e ficamos à vontade de fazer algo de novo, mais mergulhado. Neste encontro pude compor algo especialmente para essa canção. A produção está belíssima, o clipe muito lindo e é uma honra e prazer para mim dividir esse trabalho com as Baías. Que nossas ações, nossos trabalhos e feitos não falem por nós, mas falem junto com a gente, que nos mova e comova para o inalcançável e distante”, destaca Linn.
O trio completa elogiando toda a equipe envolvida nesse processo e ressaltando que é uma grande honra poder trabalhar neste projeto ao lado de tanta gente talentosa! Neste novo álbum, os músicos pensaram em grandes nomes para feats.
A faixa reforça a mensagem de liberdade de corpos e desejos com uma estética de gala e provocante, com produção musical de Daniel Ganjaman que, ao lado de Marcelo Cabral, cuidou do segundo álbum do trio, ‘Bixa’, 2017. A parte visual do disco ficou a cargo de Gringo Cardia e Jackson Tinoco e figurinos de Rodrigo Pollack. “É um lançamento e um movimento muito importante e notório. Precisamos evidenciar a luta trans e dizer que o espaço da comunidade é onde ela quiser! Sou um homem cis e reconheço meus privilégios. Por isso evoco com Raquel e Assucena, a importância de gerar mais e mais debates para desconstrução de paradigmas”, ressalta Rafael.
A banda vem mostrando uma versatilidade incrível dentro do universo pop, explorando novas vertentes de experimentação em que o limite é o amor, fincando uma bandeira como um dos grandes da música popular brasileira.”As Baías sempre carregaram esse grande mix de gêneros: seja na influência ou até mesmo dentro dos nossos álbuns, que são sempre muito diferentes uns dos outros! E agora poder ter tanta gente talentosa ao nosso lado, tornando isto mais evidente, sem dúvidas. É só o começo de muita coisa que está por vir! Adoramos a palavra “transformação'”, comemora o trio.
Leia abaixo, na íntegra, o manifesto da banda:
Sim, eu acho que as pessoas em geral só querem agir de maneira oportuna e sensacionalista quando a pauta são as pessoas trans.
Querem sempre nos associar a tristeza, falta de oportunidades, violência e a situações marginais.
É como se os nossos “algoritmos”, já que essa é a palavra da vez, não pudessem ser associados a orgulho, vitória, realização empreendedorismo, obra de arte, família, amor, sucesso.
E isso é alimentado por uma sociedade que quer sempre nos colocar coitadas ou criminosas.
Vou usar como exemplo nosso caso: duas indicações ao Grammy seguidas por nossos álbuns autorais. Eu e Assucena somos as compositoras e cantoras da maioria das músicas. Nós que determinamos os conceitos. Mas isso foi timidamente veiculado. Sempre é.
Parecia que só os Cis tinham tido indicações relevantes – em especial os homens cis, que foram destaque das chamadas da imprensa.
Existe um dia de visibilidade trans justamente porque as pessoas têm dificuldade de nos olhar, nos reconhecer, nos atribuir dignidade e competência.
A quem interessa fingir que não vê talentos trans?
A quem interessa só viralizar nossas dores, as surras e as nossas desgraças?
É solidariedade ou sensacionalismo?
Qual o projeto incubado quando tentam ignorar nossas vitórias e reforçar o algoritmo das nossas desgraças?
São perguntas que sempre me faço. E que ultimamente as respostas têm sido mais escancaradas.
A resposta é: o dia da vitória é sempre das pessoas cis. O dia da desgraça é sempre nosso.
Queremos a mudança desses algoritmos, queremos que a prosperidade e ascensão travesti sejam compartilhadas e exaltadas. Chega de ser só nossas dores.
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