A volta por cima de Gilberto Gil: Cantor fala sobre a morte, novo disco e o apoio ao movimento Lula Livre


“Sou muito amaldiçoado! Quando eu estava hospitalizado, me mataram duas vezes. Me lembro de uma publicação na internet falando: ‘o Gil morreu! Ainda bem que já foi!’. Acho que isso tem a ver com tudo: com ter sido Ministro do Lula, com o fato de eu ser negro, entre outras coisas”, comentou

Depois de passar por problemas de saúde, Gilberto Gil está oficialmente de volta aos holofotes e com pique total. A lista de projetos que está tocando apenas prova que a doença já é uma página virada. Sorte a nossa! O cantor está lançando um novo disco chamado ‘Ok, Ok, Ok’ que conta com várias homenagens especiais a pessoas que marcaram esta nova etapa de sua vida. Além do álbum, o artista ainda vai comandar, pela primeira vez, um programa de TV que comemora os 20 anos do Canal Brasil. Com estreia prevista para o dia 21 de agosto, ‘Amigos, Sons e Palavras’ conta com a participação de grandes personalidades brasileiras, indo desde músicos até políticos.

Novo álbum de Gilberto Gil se chama Ok, Ok, Ok (Foto: DIvulgação)

“De certa forma, estou celebrando uma fase de superação. O disco, o programa, os meus projetos mais recentes e as solicitações para participar de várias empreitadas representam a minha vitalidade e a minha capacidade de ainda fazer coisas com gosto e disposição. Principalmente, se a gente levar em consideração que passei quase dois anos tendo que cuidar da saúde e com hospitalizações frequentes. Esta minha fase é um respiro”, analisou. O ícone da música brasileira lutou contra a insuficiência renal crônica aliada a um quadro de hipertensão arterial, o que acabou o debilitando muito e exigindo tratamentos contínuos.

Canal Brasil ofereceu um coquetel para convidados em comemoração ao novo programa (Foto: Mariana Vianna)

Em entrevista para o site HT, Gil comentou que sempre divagou muito sobre a finitude, até mesmo antes de se ver em um quadro grave de saúde. “Me tornei um apreciador destas religiões mais esotéricas e deste modo de encarar a existência. E, uma vez, um amigo ligado a estas práticas me disse para pensar na morte todos os dias e a partir disso comecei a refletir sobre o assunto diariamente. Afinal, a morte faz parte da vida e se vale a pena viver, então, vale a pena morrer”, comentou o cantor. Uma de suas músicas, inclusive, fala sobre esta questão. Ao mesmo tempo em que conseguiu se recuperar, ele precisou lidar com a perda de um grande companheiro: Jorge Bastos Moreno. “Ao contrário de mim, o Moreno tinha pavor da morte e não queria tocar no assunto e de repente teve de ir. Fui tomado por um sentimento de tristeza e perda, porque ele tinha se tornado uma espécie de irmão tardio da minha vida com quem eu compartilhava sentimentos de paixão, admiração e revolta com determinados assuntos”, lamentou. Pouco antes de seu falecimento, os dois escreveram a música ‘Giro’ juntos e, de acordo com Gilberto Gil, a única coisa que o amigo acrescentou na letra foi a palavra ‘Boto’.

Gilberto Gil vai apresentar pela primeira vez um programa (Foto: Mariana Vianna)

A ideia do cantor é olhar para trás e agradecer todos que o ajudaram a percorrer este caminho. Exatamente por isso que, tanto no programa televisivo quanto em seu novo disco, ele homenageia e fala de pessoas que tiveram algum significado na sua vida. No caso do show no Canal Brasil, ele literalmente convida os seus amigos para bater um papo sobre diversos temas, indo desde filhos até racismo. “Recebi o convite de duas produtoras de televisão, Letícia Muhana e Patrícia Guimarães, para apresentar este quadro. A ideia desde o início foi fazer uma série de conversas com amigos e pessoas que estão neste campo de atividade cultural”, comentou.

A partir disso, em cada um dos 11 episódios, o público irá acompanhar de perto uma apresentação exclusiva do cantor com direito a regravações e canções inéditas. “A equipe teve a ideia de apresentar uma música diferente a cada programa, para que cada uma estimulasse e ilustrasse os temas abordados”, explicou. Sendo assim, temos Caetano Veloso com a canção ‘Ok,ok,ok’, o doutor Drauzio Varella com ‘Não tenho medo da morte’, Maria Ribeiro com ‘Afogamento’, o doutor Roberto Kalil Filho com ‘4 pedacinhos’, Fernando Henrique Cardoso com ‘Tempo Rei’ e muito mais.

Acompanhado ao programa ‘Amigos, Sons e Palavras’, o cantor está lançando o seu novo disco: ‘Ok, Ok, Ok’. O título faz referência a uma das principais canções do álbum. “A canção já tinha este título, mas não tinha nomeado ainda o disco. Ele poderia se chamar tantas coisas como Sereno ou não ter nada a ver com as músicas. No entanto, todo mundo me perguntava como o disco ia se chamar e, em um determinado momento, respondi ‘Ok,Ok,Ok’ para eles pararem de perguntar”, brincou.

O disco contém várias canções inéditas que são dedicadas aos amigos que ele fez ao longo da vida e que o apoiaram nesta fase difícil da sua vida. “Tem homenagens a várias personalidades diferentes como Maria Ribeiro, Andréia Sadi, os doutores que cuidaram de mim, entre outras. Parte dos homenageados são pessoas de quem me aproximei agora e passei a nutrir um carinho muito grande. Exatamente por isso acabaram se tornando temas deste meu novo momento afetivo”, contou. Curiosamente, ele ainda confessou que fez a música para a atriz Maria Ribeiro e Andréia Sadi ‘sob pressão’. A ideia desta dedicatória surgiu a partir de uma festa onde as duas pediram que ele lhe fizesse uma canção. A sugestão foi prontamente atendida.

Gilberto Gil encara esta fase como um momento de recuperação (Foto: Divulgação)

Na letra de Ok Ok Ok, o eu lírico afirma que está farto de ser cobrado politicamente. Será que Gil também está?  “Não estou dizendo que cansei de escutar as pessoas me pedindo um posicionamento. Eu pensei muito e cheguei à conclusão de que não adianta ter uma opinião. Os fatos são contraditórios e recusam a nossa tentativa de agrupar as coisas desejáveis de um lado. A vida é misturada. Muita gente tem dificuldade de lidar com o pluralismo tanto nas ideias quanto nas reivindicações. Não consigo entender estes pensamentos únicos”, afirmou. A letra ainda fala sobre a insistência do público por um herói, mas o cantor garantiu que não há necessidade de buscar esta pessoa, pois os atos do cotidiano e o discernimento de cada um é o que faz com que a sociedade se salve, de acordo com Gil.

Além de cantor, Gilberto Gil tem uma longa carreira política. Ele já foi secretário de cultura de Salvador, se filiou ao PMDB e foi um dos ministros do governo Luiz Inácio Lula Da Silva. Exatamente por se abrir politicamente, ele recebe muitas críticas contrárias ao seu posicionamento, assim como o colega Chico Buarque de Hollanda. “Sou muito amaldiçoado! Quando eu estava hospitalizado, me mataram duas vezes. Me lembro de uma publicação na internet falando: ‘o Gil morreu! Ainda bem que já foi!’. Acho que isso tem a ver com tudo: com ter sido Ministro do Lula, com o fato de eu ser negro, entre outras coisas”, comentou. Embora perceba a presença de alguns haters, ele acredita que Chico ainda é muito mais hostilizado que ele por ter uma relação mais próxima, ideologicamente com o PT, afinal, o próprio pai ajudou a fundar o partido.

Gilberto Gil e família em lançamento do primeiro episódio (Foto: Mariana Vianna)

Recentemente, o cantor fez uma apresentação histórica ao lado de Chico Buarque. Depois de 45 anos, os dois cantaram juntos a música Cálice, uma das mais famosas da época da ditadura. A canção fala sobre a censura velada daquela época e foi usada pelos dois para manifestar o seu apoio à liberdade do ex-presidente preso pela Lava Jato. “Decidi ir ao Festival Lula Livre pela defesa dos direitos democráticos, de pluralidade, manifestação plena e contra a censura. Se ele fosse candidato, provavelmente eu nem votaria nele. Talvez escolheria a Marina Silva, como já fiz outras duas vezes. Não estava defendendo ali, necessariamente, a candidatura dele”, afirmou.