A metáfora da revolução feminina na música irreverente de Natascha Falcão. Vem saber!


Nesse estilo, a cantora pernambucana prepara seu primeiro álbum, Ave Mulher, que terá ritmos nordestinos como denominador comum. “Quis poetizar a minha arte que é bem em cima da subjetividade. Enquanto mulher, fluímos sobre todos os arquétipos possíveis”

Irreverência é uma marca do trabalho da cantora (Foto: DuHarte Fotografia)

Irreverência é uma marca do trabalho da cantora Natascha Falcão (Foto: DuHarte Fotografia)

* Por Carlos Lima Costa

Um ano após lançar o EP Kitsch Completo, a cantora, compositora e atriz pernambucana Natascha Falcão está em fase de pré-produção de seu primeiro álbum, Ave Mulher, com estética diferente do pop evidenciado no trabalho anterior. “Continuo sendo meio alegórica, mantenho a irreverência, a exuberância. Agora, com uma pitada futurista, meio A História Sem Fim, meio Lisbela e o Prisioneiro. Certamente é um novo momento, apresentando ritmos nordestinos como denominador comum. Uma mistura do tradicional popular com uma sonoridade contemporânea”, explica.

As transformações fazem parte do estilo camaleônico da artista. “Sou muito conectada com o visual. Então, mudo bastante o meu cabelo. Às vezes, está rosa, loiro, tenho vários apliques. Faço muita química nos fios, aliso, descoloro. Enfim, gosto de transformar. Como diz Raul Seixas, sou uma Metamorfose Ambulante”, acrescenta ela, se referindo a um dos maiores sucessos do cantor morto em 1989.

Quando inicia um novo projeto, Natascha pensa primeiro no conceito do que deseja falar. “Estava em um momento conectada com o Oráculo da Deusa, espécie de tarot. Cada carta traz um arquétipo de deusa e estas imagens foram me provocando as composições. Queria criar algo que falasse de mim e do arquétipo feminino contemporâneo, onde as mulheres pudessem se identificar. Então, criei esta simbologia que é a Ave Mulher, deusa que exerce a liberdade em pleno voo, uma metáfora para a revolução feminina. Quis poetizar a minha arte que é bem em cima da minha subjetividade”, explica. E acrescenta: “Enquanto mulher, fluímos sobre todos os arquétipos possíveis, que vai da mais forte a mais frágil, a donzela, a poderosa, viril ao mesmo tempo fofa e romântica”, reflete a cantora de 32 anos.

Natascha tem estilo camaleônico (Foto: DuHarte Fotografia)

Natascha tem estilo camaleônico (Foto: DuHarte Fotografia)

Mas em qual destes arquétipos ela melhor se encaixa, quem é Natascha? “Acho que sou tudo isto. Fluo neste lugar da criatividade, trago todos esses arquétipos na minha performance, onde sou irreverente, engraçada, divertida. Mas também classuda. Por exemplo, li o Monólogo de Orfeu, no Instagram, e me compararam a Maria Bethânia, dizendo que tenho a mesma realeza. Isso me emocionou. Na verdade, sou múltipla, pois ao mesmo tempo sou simples, bagaceira”, conta.

Das 11 faixas que poderão ser acessadas no streaming, cujo primeiro single ela planeja lançar ainda este ano, pelo menos duas são composições autorais: Mastigar Estrelas e o coco O Meu Tesouro, respectivamente parcerias com Rafael Duarte e com Marco Axé. Já estão definidas também Por Que, canção do CD Condom Black, de seu primo, o cantor Otto, o xote Balada da Sibita Baleada, de Anaira Mahin, e Seu Grito, de Aurinha do Coco.

Sensualidade e interpretações de duplo sentido estão muito presentes no trabalho de Natascha, declaradamente fã de música brega. “Ali é papo reto, fala de desejos sem melindres, as metáforas são divertidas. Essa questão do duplo sentido tem muito na música nordestina. Falo muito sobre o prazer feminino, mas não me fixo. E, no palco, não é uma personagem, é a minha persona artística que se torna maior”, garante.

Fora de cena, no dia a dia, a artista tem também um estilo bem peculiar. “Gosto de me arrumar até para ficar em casa. Outro dia, participei da live de uma amiga e coloquei uma estrela na cabeça, um top de paetê. Eu sou assim. Por exemplo, meu cobertorzinho para assistir filmes no sofá é uma cauda de sereia com paetê na ponta”, conta, às gargalhadas, lembrando que por seu estilo também já foi comparada a cantora Carmen Miranda (1909-1955) e a jurada e atriz Elke Maravilha (1945-2016).

Natascha prepara seu primeiro álbum, Ave Mulher (Foto: DuHarte Fotografia)

Natascha prepara seu primeiro álbum, Ave Mulher (Foto: DuHarte Fotografia)

Em tempos de pandemia do Covid-19, Natascha tem permanecido no apartamento onde mora com o filho, Zion, de 12 anos, e uma amiga, com quem divide o espaço. A exceção foi a ida a um estúdio no bairro de Santa Teresa para realizar o ensaio fotográfico aqui registrado e que mostra o direcionamento estético da nova fase profissional. “Respeitamos todos os protocolos de saúde, mas foi o melhor dia dos últimos seis meses”, lembra pela alegria de ir à rua. “Agora, é muito doido não poder se abraçar, sentar cada um de um lado da mesa”, reconhece.

Com seu jeito expansivo, confessa que “pira” ficando tanto tempo sem sair. “Nossa, todo dia. É muito louco. No estar com a gente mesmo o tempo todo, nesta oportunidade de ficar nos autoanalisando, os processos internos são intensos. Às vezes, penso: ‘Meus Deus, estou enlouquecendo analisando meus pensamentos numa paranoia louca. Sou tão rueira, adoro um bar, uma calçada. Estar esse tempo todo dentro de casa é bem difícil, mas a gente vai tentando se manter viva, forte, esperançosa”, reflete, sorrindo.

Natascha é uma mulher de posicionamentos firmes. Todas as causas humanitárias são importantes e interessam a ela. “Eu defendo a diversidade, um jeito humano e respeitador de se viver. São muitas as causas. Precisamos estar sempre lendo, estudando para aprender e poder fazer a nossa parte. Não há mais tempo para a ignorância. Por exemplo, agora, tem gente lotando as praias em tempo de pandemia, tem gente que está negando, ignorando isso. E nós que seguimos em distanciamento social, que nos protegemos e não compactuamos com a disseminação da doença, acabamos sendo constrangidos por sermos coerentes. É muito louco o que estamos vivendo. O Brasil está muito difícil, a gente está abandonado ao Deus dará ou não dará”, diz, incrédula.

Natascha é prima do cantor Otto (Foto: DuHarte Fotografia)

Natascha é prima do cantor Otto (Foto: DuHarte Fotografia)

Quando a quarentena começou, Natascha estava solteira. A partir daí criou um novo hábito. “O único bar que tenho frequentado ultimamente é o tinder. É muito estranho (risos)”, confessa se referindo ao app de relacionamento. “Gosto de conversar, conhecer gente. Não tinha nada para fazer, então, desde julho, fico batendo papo. Foi engraçado dar um match em alguém com quem nunca fiquei em nenhuma festa. Mas não sou adepta de relações virtuais. Não consigo manter um crush pessoalmente quanto mais virtualmente. E tem uns boys esquisitos que aparecem no menu. Também não vou para o sexo virtual, porque deve ser bem estranho”, assegura, às gargalhadas.

Em seu apartamento, Natascha vem assistindo também muitas séries e participado de lives dos amigos. “Fico mais nervosa quando participo delas do que quando estou no palco, porque este é muito a minha casa e o público me dá uma força tão grande. Ainda estou entendendo, transferindo a minha criatividade para este lado de lidar com a tela”, explica ela. Até já planeja realizar sua primeira live.

A cantora também executa a direção de arte de seus trabalhos (Foto: DuHarte Fotografia)

A cantora também executa a direção de arte de seus trabalhos (Foto: DuHarte Fotografia)

E enquanto cria o novo trabalho, que tem Beto Lemos como produtor musical, Natascha relembra a trajetória dessa paixão que surgiu na infância. “Desde criança eu adorava fazer dublagem, imitar as cantoras”, recorda. Ela pegava as roupas da mãe (a então modelo Virginia Falcão), os sapatos de salto alto, a maquiagem e imitava as divas que admirava, como Elis Regina (1945- 1982), Maria Bethânia, Doris Day (1922- 2019), Carmen Miranda e Dalva de Oliveira (1917- 1972). “Ser atriz e cantora era um sonho de criança. Então, me orgulho de ter esta insistência e me sinto feliz de estar conquistando um espaço, porque nem todo mundo consegue ser o astronauta que sonhou quando era criança”, pontua. Mas andou por várias áreas. Estudou jornalismo, durante a faculdade apresentou programas de web TV e atuou também como assessora de imprensa. Chegou a deixar o jornalismo, indo para a Europa onde se apresentou com teatro em Portugal e na Espanha. Mas quando seu mestre lhe disse que teatro não se aprende na academia, ela retornou e concluiu o jornalismo para ter uma profissão mais segura. “Mas teatro é um bicho que te morde, não sei viver de outro jeito. Morro um pouco quando deixo de fazer arte. Quando cheguei na música, entendi que foi para estar aqui que eu fiz dança, teatro, balé, palhaçaria, enfim, tudo. Na música me sinto inteira”, afirma ela que há sete anos mora no Rio de Janeiro. Natascha cursou ainda moda. “Nasci e cresci no meio do backstage da moda por conta da minha mãe. Alta costura é algo que me interessa e me encanta, tanto que meus figurinos são inspirados nela. Faço a direção de arte dos meus trabalhos, mas não crio todos os meus figurinos. Tenho parceiros, como o stylist Anderson Vescah e do beauty & hair artist Bruno Alsiv, responsável pelo figurino usado nas fotos deste meu novo trabalho”, conta.

Natascha aposta em ritmos nordestinos em seu primeiro álbum (Foto: DuHarte Fotografia)

Natascha aposta em ritmos nordestinos em seu primeiro álbum (Foto: DuHarte Fotografia)