SENAI CETIQT: Case Retalhar, empresa que viabiliza gestão responsável de resíduos têxteis com soluções inovadoras


Live com a participação da consultora do Instituto SENAI de Tecnologia de Confecção, Michelle Souza, e o gestor ambiental e co-fundador da empresa Retalhar, Jonas Lessa, e promovida pelo Projeto Moda Circular, aponta caminhos para tornar o Setor Têxtil e de Confecção menos linear e mais sustentável com criatividade. A empresa Retalhar desenvolve serviços inovadores com mão-de-obra inclusiva voltados para o pós-consumo de uniformes profissionais de grandes empresas e eles passam pela trituração, desfibramento e reinserção no setor produtivo com diversas finalidades. ‘Demos um zoom na indústria e vimos que as relações são completamente desequilibradas, tanto as sociais quanto as ambientais. Não podíamos ficar parados. Rapidamente, porém, percebemos que havia uma cratera gigantesca. Mas fomos em frente por termos vivência e por enxergar esses problemas como um dos exemplos mais incômodos sobre o grau de comodidade da nossa sociedade’, afirma Lessa

Há dois anos, o SENAI CETIQT e a Laudes Foundation firmaram uma das mais importantes parcerias que resultou no Projeto Moda Circular: O Início de Um Novo Ciclo para a Indústria da Moda, cujo objetivo é apoiar a transição da moda brasileira do atual sistema linear de produção e consumo para um modelo circular. O SENAI CETIQT tem promovido diversas lives com informações preciosas para os protagonistas da cadeia produtiva de uma ponta a outra. E, hoje, venho abordar o case da Retalhar, empresa B-Certificada (*) criada há sete anos para viabilizar a gestão responsável de resíduos têxteis por meio de soluções inovadoras e inclusivas, gerando impacto socioambiental positivo. Durante uma hora, a consultora do Instituto SENAI de Tecnologia de Confecção, Michelle Souza, conversou com Jonas Lessa, gestor ambiental e co-fundador da Retalhar.

(*) O Movimento Global de Empresas B foi criado em 2006 nos Estados Unidos pelo B-Lab, organização que busca redefinir o conceito de sucesso na economia. Assim, o foco não recairia mais apenas no êxito financeiro, mas também no bem-estar da sociedade e do planeta. Empresas B-Certificadas são aquelas que saem da lógica de mitigação de impacto negativo para uma política de geração de impacto positivo, considerando o impacto de suas decisões sobre trabalhadores, clientes, fornecedores, comunidade e meio ambiente. No Brasil, o certificado é conferido pelo Sistema B Brasil, organização parceira do B-Lab desde 2012.

Ao apresentar o convidado, Michelle Sousa pontua: “Precisamos discutir com urgência o gerenciamento de resíduos têxteis. Hoje trataremos particularmente das estratégias da Retalhar, que tem o know-how de logística reversa de uniformes profissionais e de sua correta destinação ao fim da primeira vida útil. O gerenciamento de resíduos é uma grande oportunidade para a indústria do vestuário. E a Retalhar é um exemplo, pois conseguiu evitar que mais de 200 toneladas de tecidos fossem aterradas ou incineradas”. O que significa poupar os aterros e a sobrecarga de recursos naturais ao reaproveitar um volume de resíduos equivalente ao ocupado por 482 carros populares.

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A empresa é fruto da amizade de infância entre Jonas e seu sócio, o biólogo Lucas Corvacho, que vieram de famílias com sensibilidades muito semelhantes em questões como educação. “A Retalhar nasceu da cabeça do Lucas. Ele também foi educado para olhar para o outro e não só para o próprio umbigo como, infelizmente, parece ser a regra em nossa sociedade. A empresa se funda sobre um conjunto de valores, mas um em especial se destaca muito: a inquietude. Isso vem de vivências e da maneira como fomos criados, sempre ligados no bem comum, tanto em casa quanto na escola e durante a graduação. Nós sempre nos conectamos por uma forma de ser e de ver o mundo muito parecida, com um olhar de indignação para o que não é aceitável, embora nos seja imposto desde que nascemos”, frisa Jonas.

Os empreendedores sociais à frente da Retalhar, Lucas Corvacho e Jonas Lessa (Foto: Divulgação)

Pode-se dizer que a Retalhar nasceu dentro da empresa de confecção de uniformes da família do biólogo Lucas Corvacho. “Trabalhei na implantação do setor de Sustentabilidade. No início, eu era o estagiário do amigo de infância. Quando tivemos a oportunidade de dar um zoom na Indústria Têxtil e ver que as relações são completamente desequilibradas – tanto as sociais quanto as ambientais – sentimos que não podíamos ficar parados. Começamos a fazer algumas ações dentro do universo da confecção e decidimos que preencheríamos a lacuna da gestão de resíduos no Brasil”, conta Jonas Lessa. “Rapidamente, porém, percebemos que não era uma lacuna, mas uma cratera gigantesca. Fundamos a Retalhar por termos vivência na Indústria Têxtil e por enxergar esses problemas como um dos exemplos mais incômodos sobre o grau de comodidade da nossa sociedade”.

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Jonas Lessa exemplificou que, na verdade, somos todos “literalmente tocados pela Indústria Têxtil o tempo todo. Os tecidos que nos tocam diariamente carregam todos os problemas que estão por trás dos produtos e processos produtivos. No entanto, quando as pessoas vestem uma camisa, ignoram esses problemas. O potencial do Setor Têxtil para inspirar pessoas é muito maior que o da grande maioria das indústrias. Nada toca tanto as pessoas durante tanto tempo”.

O nascimento da Retalhar veio da vontade de empreender e dar vida própria aos projetos de reaproveitamento de material que a dupla havia iniciado na confecção. “Tínhamos produtos maravilhosos, com pegada ambiental mínima e uma cadeia produtiva inclusiva: sempre que houve necessidade de costureira, contratamos profissionais da periferia de São Paulo, a maioria com mais de 50 anos e trabalhando em sistema de cooperativa. No entanto, nossa capacidade de ação ficaria muito limitada se esse projeto fosse só uma das gavetas do setor de Sustentabilidade de uma confecção”, revela Jonas Lessa.

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O ímpeto para não ficar limitado a um universo menor e mais fechado foi o que motivou os rapazes a fundar a Retalhar como empresa, e não como ONG, como chegaram a cogitar. “Decidimos ser empresa justamente pelo propósito de escala, para oferecer ao mercado soluções compatíveis com os problemas que precisam ser resolvidos. Entendemos que não dava para querer resolver questões que são, majoritariamente, do setor privado fazendo isso pelo terceiro setor, como ONG”, explica Jonas.

A empresa se especializou no pós-consumo de uniformes a partir do conceito de logística reversa. Com a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, a indústria se viu obrigada a seguir diretrizes para lidar com suas sobras. A prioridade é não gerar restos, claro. Mas quando isso for impossível, há uma série de regras a cumprir para fazer o descarte da maneira mais sustentavelmente responsável possível: “Nossa meta é aterro sanitário zero. Encontramos nas empresas usuárias de uniformes (como FedEx, TAM, Leroy Merlin, Itaú, entre outros gigantes) formas de agregar valor por meio de serviços e produtos com viés socioambiental. Percebemos que o resíduo pós-consumo era um mercado com potencial maior, não necessariamente em tamanho ou quantidade de oportunidades, mas em proposta de valor, muito maior que a do descarte para as confecções. Sempre ouvíamos a pergunta: “Estou trocando todos os meus uniformes. O que faço com os antigos?”.

No caso dos uniformes, o descarte puro e simples pode, inclusive, representar um risco muito alto para as empresas – tanto à sua reputação quanto ao patrimônio. Um uniforme que caia em mãos erradas pode gerar problemas sérios para a marca. Diante dessas preocupações, as empresas acabam se dispondo a pagar pelo serviço de destinação correta de seus uniformes. “Um produto que fazemos bastante a partir da reciclagem de resíduo têxtil é o cobertor popular. A empresa que tem um passivo ambiental desenha esse projeto junto com a Retalhar para transformar em ativo social. E temos várias outras possibilidades. Podemos transformar esse uniforme em um produto que faça sentido para o cliente ou para o funcionário, seja como brinde ou para uso em operação. Por que ao invés de comprar um tecido virgem feito na China, não fazemos um trabalho social reaproveitando uniformes? Hoje trabalhamos com dois excelentes designers especializados em upcycling”.

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Lucas e Jonas, sócios na Retalhar, que integra a vida têxtil ao utilizar o reaproveitamento de resíduos como ferramenta para valorizar pessoas (Foto: Divulgação)

A etapa de beneficiamento transforma o resíduo em matéria-prima. Antes, porém, é necessário inutilizar as peças (lembra do risco de uso indevido do uniforme da empresa? Pois é). Uma calça nunca sai como calça, mas como retalho. O processo de inutilização das peças é todo filmado, bem como a desmontagem do produto, justamente a etapa da logística reversa no caso do resíduo pós-consumo. “Há casos em que conseguimos aproveitar os aviamentos fazendo um trabalho mais artesanal de remoção. Normalmente, porém, até para ganhar escala e tornar isso economicamente viável, fazemos um corte que retira uma pequena parte de tecido junto. Essa mistura de aviamento com tecido acaba indo para o co-processamento”, conta o sócio da Retalhar.

Outra questão que Jonas Lessa e Lucas Corvacho encaram no dia a dia são os materiais que não permitem fazer upcycling de qualidade. É por conta disso que eles fazem questão de que o possível futuro cliente chegue à Retalhar com um questionário detalhado sobre a empresa respondido. A ideia é não perder tempo: o mínimo que se pede é saber de que material são feitos seus uniformes: “Cada caso é um caso. Até porque há empresas que têm 40 modelos diferentes de uniformes. Tem o uniforme da área criativa, o do pessoal que tem contato direto com o cliente, o de quem trabalha com manutenção debaixo do asfalto… São muitos cenários e é difícil dar uma resposta unificada. Precisamos saber quanto tem de cada tipo de material, qual o porte…”.

Novos produtos gerados a partir do pós-consumo de uniformes são sempre construídos a quatro mãos: as da Retalhar e as do cliente: “Nós apontamos caminhos, possibilidades e restrições, enquanto o cliente complementa com o que faria sentido, ou vice-versa. Geralmente recomendamos aos clientes que verifiquem os produtos comprados anualmente. Assim, não é preciso forçar a abertura de uma nova linha no orçamento para realizar esse projeto, nós simplesmente entregamos um produto, em alguns casos com qualidade até superior, alinhado com os princípios da Economia Circular”.

Recentemente, a Retalhar acrescentou ao seu portfólio um trabalho consultoria para empresas que desenvolvem uniformes. Com isso, o melhor aproveitamento de tecidos aconteceria desde a elaboração das vestimentas. A empresa também atende uma demanda do iFood. As mochilas térmicas com muito tempo de uso pelos motoboys – e que seriam descartadas em aterros sanitários – estão sendo transformadas em novos produtos a partir da reutilização dos materiais têxteis. Nesse processo, renda também foi gerada para as cooperativas de costura parceiras da Retalhar.

Questionado sobre o que aconselharia a um jovem idealista disposto seguir o caminho fascinante da economia circular com gestão de resíduos, Jonas Lessa diz: “O primeiro conselho é reconhecer o seu papel como agente econômico. E o segundo é ‘esteja presente’. Não tome decisão sem estar presente. Adie, deixe para depois. Faça uma meditação de dois minutos antes de se decidir. Respire e não pense em nada. Só depois resolva o que fará. É extremamente comum, infelizmente, pessoas conscientes, que sabem muito sobre as relações tóxicas sociais e ambientais das marcas que, na hora H, compram mil reais de uma grife tóxica. Sabem que tem trabalho escravo, que tem rio colorido na China, mas compram. Esteja presente. Não adianta ter ciência e consciência para, na hora H, tomar uma atitude desalinhada com o que você pensa, sabe e acredita. Esses são os principais pontos: reconhecer o seu papel e tentar trazer os valores para a prática”.