O Brasil é nerd. Não, esta máxima nada tem de teor opinativo, muito menos trata-se de alguma crítica à situação geral da política nacional e à forma complacente com que o povo lida com seus representantes corruptos. Na verdade, essa constatação pode ser facilmente levantada pela animação do público que lotou, na capital paulista, a primeira edição da CCXP – Comic Con Experience, evento voltado para os lançamentos do cinema, televisão, quadrinhos e games relacionados ao segmento fantástico, que ocupou um pavilhão inteiro do São Paulo Expo Exhibition & Convention Center, próximo a estação terminal Jabaquara do metrô. Desde a manhã da última quinta-feira (4/12) até às 20h deste domingo (7/12), legiões de fãs – muitos deles desinibidamente fantasiados no estilo cosplay – invadiram o espaço, prontos para revelar seus alter egos e se divertir às custas de seus personagens, séries, jogos e filmes favoritos, expostos nos estandes das grandes corporações internacionais de entretenimento, das editoras de livros, gibis e em bancas de venda de toda a sorte de memorabília e colecionáveis – nome dado àquelas réplicas (que podem custar pequenas fortunas) de super-herois, vilões e outras figuras das telas e quadrinhos, brinquedos em edição limitada não só para crianças, mas sobretudo para adolescentes e adultos do gênero admirador xiíta.
Fotos: Gabriel Barrera
Como uma espécie de Indiana Jones do comportamento urbano, HT subiu na Enterprise, se metamorfoseou com os raios gama do Hulk em fã confesso e se teletransportou direto para o badalo, a fim de investigar – como um verdadeiro Batman – o que se passava na cabeça dos mais de 80 mil frequentadores do agito, segundo a assessoria da CCXP, que, em nota, afirma: com esse número, a Comic Con brazuca se torna a maior primeira edição de um evento realizado no Brasil, ainda que a organização deixe claro que não se trata de uma franquia de nenhuma outra feira internacional, mas realização inédita que apenas segue os moldes daquilo que é exibido lá fora. Os números realmente impressionam: foram mais de 70 expositores, 218 quadrinistas nacionais e estrangeiros, pré-estreias de longa-metragens e seriados, exposições, lançamentos de livros, sessões de autógrafos e paineis com artistas como Richard Armitage (da trilogia “O Hobbit”), parte do elenco de “Game of Thrones”, Sean Astin (de “O Senhor dos Aneis”) e Jason Momoa (o astro de “Conan”, versão 2011, e o novo Aquaman, do filme “Batman vs Superman: Dawn of Justice”, atualmente em filmagem e com previsão de exibição a partir de 25 de março de 2016).
Fotos: Gabriel Barrera
Tal sucesso já garante uma nova edição, programada para 3 a 6 de dezembro de 2015, o que levou Pierre Mantovani, um dos sócios-produtores, a declarar na noite deste domingo, durante a cerimônia de encerramento do agito: “Sempre fomos fãs de eventos similares e queríamos que o Brasil tivesse sua comic con. Nosso objetivo é mostrar para o público e empresas que temos condições de ter um mercado profissional de cultura pop”. O público brindou. Além da possibilidade de acesso a conteúdos nunca vistos antes, mais a confraternização geral, HT notou pelos corredores uma genuína demanda por melhores condições sociais amplificada, óbvio, por idealismos dignos de paladino da justiça. De fato, o clamor pelo bem maior se misturava à percepção de que os brasileiros vivem em uma sociedade de carne e osso que em muito se assemelha àquela apresentada nas páginas de “Sin City”, a graphic novel de Frank Miller que virou filme nas mãos de Robert Rodriguez e ganhou uma continuação em 2014 (“Sin City: a dama fatal”), na qual a corrupção é combatida por meia dúzia de intrépidos gatos pingados.
Afinal, na inexistência de uma moralidade reinante e na ausência absoluta de uma liderança sincera em Brasília – em um país onde predominam gangues predatórias compostas por lobistas e políticos, desmandos das autoridades perante à contravenção e o esfacelamento de instituições como a Petrobrás –, um encontro como esse revela, à parte de todo o apelo de consumo que a indústria do entretenimento evoca, o desejo real de um ideal de justiça, ainda que utópico e longíssimo de ser alcançado. Certamente uma tarefa hercúlea para qualquer Superman e, sem dúvida, são inevitáveis as atuais comparações da terra brasilis com a sombria Gotham City, berço do homem-morcego.
Portanto, um subliminar clamor por honestidade parecia ecoar por trás de toda aquela diversão reinante e do business existente. Em clima de total harmonia e confraternização, geeks de todas as idades circulavam com o senso de moralidade à flor da pele e em euforia similar àquela que se encontra no carnaval, quando é possível fugir da realidade para dar vazão ao lado mais lúdico do eu interior. Consumidores se entregaram a este inédito programa de final de semana, nos moldes do tipo de feira que pipoca mundo afora – a mais conhecida (e badalada) é a San Diego Comic-Con, que começou timidamente em 1970 é hoje é a principal plataforma de divulgação e lançamentos de produtos para esse público, movimentando milhões e atraindo a atenção de grandes players do segmento, como os grandes estúdios cinematográficos de Hollywood.
Fotos: Gabriel Barrera
O evento impressionou não apenas pela atmosfera de bom humor, mas pela organização. Já na saída do metrô, uma quantidade sem fim de recepcionistas, com camisetas indicativas e placas, sinalizava o local para onde todos deveriam se dirigir para pegar as vans (muitas!) que faziam agilmente o traslado de ida e volta até o centro de exposições. Enormes nos dois sentidos, as filas fluíam em uma velocidade de deixar o Flash com inveja. Lá dentro, ordem nas catracas de entrada, uma praça de alimentação variada, food trucks inclusive, estandes bem montados com investimento visível em merchandising visual, até totens para recarregar celulares e banheiros mais limpos que o ecossistema marinho onde vive o Bob Esponja. Entre as ruas e corredores, uma multidão de elfos, fadas, Sailor Moons, animes, lolitas estilo mangá, super herois, super vilões, Super Marios Bros, zumbis, alienígenas de “Star Wars”, Princesas Leias, Padmés Amidalas, gatinhas manhosas, cavaleiros Jedi, e até alunos de Hogswarth pululavam freneticamente para lá e para cá.
Fotos: Gabriel Barrera
Estranhamente, não foram vistos trekkers convictos, nem tripulantes da Enterprise, à exceção do manequim que exibia o figurino do Sr.Spock, oriundo do longa “Star Trek – the motion picture” (de Robert Wise, Paramount, 1979). Teriam sido dizimados pelos klingons? E, apesar da recente comoção, nada de Chaves, apesar da presença de um isoladíssimo fã envergando camiseta do Chapolin isolado e de duas homenagens à Roberto Bolaños no line up da convenção. Mas, em contrapartida, HT contabilizou, só na sexta-feira (5/12), 27 Mulheres Maravilha batendo perna no pavilhão, provando que, em disparada, a princesa amazona é mesmo a mais popular das meta-humanas.
Fotos: Gabriel Barrera
Entre os quadrinistas e escritores, o espanhol José Garcia-López (1948- ) causou furor no pequeno estande da Editora Marsupial, do Rio de Janeiro, especializada em biografia de autores de cartoons, como ele e George Pérez, ambos famosíssimos pelo seu trabalho na DC Comics nos anos 1980 e 1990 e este último responsável por repaginar a Mulher Maravilha após o clássico absoluto dos gibis, “Crise nas Infinitas Terras” (1985). Lucio Luiz, editor-chefe da empresa, comenta: “Começamos editando livros acadêmicos, mas acabamos descobrindo esse novo filão. Os adultos que cresceram lendo os quadrinhos dessa turma de bambas redescobrem pérolas lendo os livros sobre sua trajetória, e as novas gerações ficam extasiadas. Estamos vendendo super bem. Temos até livros sobre a obra de autores brasileiros, como Primaggio Mantovi, que desenhava o Sacarrolha e fazia as capas, no Brasil de Recruta Zero e Tex, e Ivan Saidenberg, o cara que deu o formato definitivo ao Zé Carioca”.
Fotos: Ramede Felix (Divulgação)
Já Levi Trindade, 40 anos, coordenador de quadrinhos da Panini – gigante do mercado editorial brasileiro que publica os títulos da DC Comics, Marvel, Vertigo, Star Wars e Maurício de Souza –, podia ser visto passeando pelos estandes, disfarçado por tenebrosa máscara de látex do Coringa. Em bate-papo cabeça com HT, foi categórico: “Esse evento está no trilho certo e, à exceção dos estúdios de cinema, que estão acostumados com esse burburinho, acho que os expositores levaram um susto com o potencial. Tem vendedor de bonequinho que está limitando a entrada de público no seu espaço para não acabar o estoque antes do final da feira”. Para ele, o momento é favorável para externar a fantasia: “Ninguém bate o sucesso comercial do filme de super-heroi em Hollywood e a televisão se juntou à Sétima Arte, dando vazão à fantasia. Quando se imaginaria, na tevê, ao mesmo tempo, séries sobre o Arqueiro Verde, Flash, Gotham City e Constantine sendo exibidas simultaneamente?” E completa: Há dez anos, uma feira dessas seria impensável aqui. Olha hoje!”
Perto dali, no estande da Editora Aleph, o escritor Timothy Zahn é responsável por uma fila gigante, com leitores ávidos pelo seu autógrafo. Timothy quem?!? Poderia perguntar um desavisado. Bom, para os fãs, a resposta está na ponta da língua. Ele é autor de “O Herdeiro do Império”, trilogia passada 5 anos após o episódio VI de “Star Wars”. Igual rebuliço acontecia não muito longe dali, o espaço da Editora LeYa, que publica a série de livros de “Game of Thrones“. Além de vender os exemplares a preço promocional, um trono igual ao da série da HBO era motivo para os nerds se acotovelarem pra fazer aquele selfie básico. Aliás, motivo para selfie não faltou: havia cenários desde a sala de TV de “Os Simpsons” (com direito à companhia de Homer) até o hospital do novo seriado da Fox, “Wayward Pines”, nova série estrelada por Matt Dillon e dirigida por M. Night Shyamalan (“O sexto sentido”, 1999), ambientes apocalípticos ambientes apocalípticos do novo “Mad Max – A estrada da fúria” (2014), o furgão do Scooby Doo, o bat-móvel, dinossauros de “Jurassic World”, estátuas de criaturas super poderosos para todos os gostos, Transformers colossais na Hasbro, a cabine telefônica de “Dr. Who”, e até o quarteto de pinguins espiões de “Madagascar” dando pinta pelos corredores. A Disney apresentou a exposição “A evolução de um vilão”, revelando detalhes sobre Darth Vader, com presença do próprio e de dois guardas imperiais posando junto do fãs.
Fotos: Gabriel Barrera
E até um divertido corner que reproduzia o habitat pós-apocalipse de “The Walking Dead” fazia as vezes de jogo interativo, com o público se esbaldando com uma versão hard daquele brinquedo de parque de diversão no qual os concorrentes precisam acertar a bola na boca do palhaço. Ao lado, o ilustrador Gabriel Marques, 30 anos, fazia ilustrações com a tipologia usada na programação visual da série e ainda fazia ao vivo retratos dos personagens.
Empresas de RGP se encarregaram de mostrar os últimos lançamentos, como a Go4Gold, que se encarregou de contratar a voluptuosa bailarina Marissol Dias, 31 anos, para incorporar Neth, personagem de um dos videogames lançados. Mas quem disse que os aficionados prestavam atenção nas curvas sinuosas da moça? Eles queriam mesmo fazer aquilo que fazem todo dia em casa: jogar! Sim, como em um cassino, o jogo rolou fácil.
Fotos: Gabriel Barrera
Famílias inteiras, casais de namorados, pais nerds com filhos adolescentes e lone rangers urbanos, gente dos quatro cantos do país (muitos cariocas, aliás!), deram show de cosmopolitismo, convivendo com todas as diferenças. E, nesse caso, que diferenças! Que venho logo a edição 2015!
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