O viodeocast “Substantivo Feminino” ganhou segunda temporada, a partir de hoje, lançando luz sobre as experiências das mulheres na sociedade, conquistas e desafios e é fruto da colaboração entre o YouTube Brasil, a Rede Mulher Empreendedora, Gênero e Número, InternetLab e Casé Fala – tendo à frente Patricia Casé e Fabiana Oliva –, com a produção da Dia Estúdio. Esta iniciativa de suma importância tem diversos desdobramentos, buscando esculpir na sociedade o espaço que é, por direito, também das mulheres, especialmente na política. Em um ano marcado pelas eleições, o videocast se debruça com afinco sobre o engajamento feminino nos cargos e nas decisões públicas, iluminando caminhos e descortinando desafios. A segunda temporada nos proporciona análises a partir dos cenários das mulheres negras no poder, juventude feminina na política, a desinformação e sobre a Lei de Combate à Violência Política de Gênero.
Ana Fontes, empreendedora social e fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME), criada há 13 anos a partir da necessidade de compartilhar conhecimento entre as mulheres e fomentar o protagonismo feminino no empreendedorismo – que muda não só a realidade de suas famílias, mas também de todo o ecossistema ao redor -, assume mais uma vez a mediação e apresentação de cada episódio a partir do tema central “Mulheres na Política“. Sob sua condução, o videocast explora uma verdade incontestável: as mulheres são a maioria do eleitorado no Brasil (52,6%), detendo votos decisivos, embora ainda não representem esse percentual nas candidaturas e espaços de poder político. “É fundamental ter um videocast com temas tão sensíveis com profundidade e essenciais para que tenhamos uma sociedade mais inclusiva e mais justa para as mulheres e todas as pessoas. Esta temporada é ainda mais especial em um ano de eleições municipais, importantíssimo para a representatividade feminina, com abordagens multidisciplinares sobre os mais diversos aspectos da política para elas”, frisa a fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME).
O primeiro episódio, “Mulheres Negras no Poder – Desafios e Conquistas”, pode ser conferido no YouTube, no canal da RME, no qual temos a chance de mergulhar nas conversas e que estarão sempre à disposição para serem apreciadas e revisitadas, perpetuando a força e a importância do feminino na arena pública. Ele é dividido em duas partes: na primeira, são convidadas a criadora de conteúdo Bielo Pereira e a CEO do ID_BR, escritora e conselheira Luana Génot. Já na segunda parte, a entrevista é com a deputada federal Talíria Petrone.
A responsabilidade está no centro do que fazemos e temos o compromisso de construir uma plataforma mais segura para as mulheres. O lançamento da segunda temporada do Substantivo Feminino reforça a responsabilidade do YouTube no incentivo e contribuição com a criação e divulgação de conteúdo de qualidade, apoiando a conscientização e o combate ao discurso de ódio e violência de gênero na plataforma, tão importantes em um ano eleitoral – Alana Rizzo, Head de Políticas Públicas do YouTube
Recorde o sucesso da Temporada #1: ‘Substantivo Feminino’, projeto de videocast lançado pelo Youtube Brasil, colhe os louros da primeira temporada
LANÇAMENTO EM BRASÍLIA
O lançamento da segunda temporada do videocast “Substantivo Feminino” foi realizado na Casa JOTA, em Brasília. Abriram o evento, Bárbara Baião, diretora institucional do JOTA, Alana Rizzo, Líder de Políticas Públicas do YouTube, e Ana Fontes, empreendedora social e fundadora da RME. Na programação, o primeiro painel teve como tema “Mulheres no poder, igualdade e eleições” com as participações de Lilian Cintra (Ministério da Justiça e Segurança Pública), Tauá Lourenço (Instituto Alziras), Clarice Calixto (AGU) e Ana Fontes como mediadora.
Em seguida, o tema “Combate à violência política de gênero” foi analisado por Daniella Ribeiro (senadora), Fernanda Santiago (assessora especial do Ministério da Fazenda), Raquel Branquinho (procuradora regional da República e diretora-geral da Escola Superior do Ministério Público da União) e Roberta Eugênio (secretária-executiva do Ministério da Igualdade Racial) com mediação de Mariana Ribas, repórter do JOTA.
“MULHERES NEGRAS NO PODER” – PARTE 1/TEMPORADA 2
No episódio inaugural da Temporada 2 de “Substantivo Feminino”, são apresentados dados do IBGE indicando que 55% da população brasileira é composta por pessoas pretas ou pardas, e as mulheres negras, que formam o maior grupo populacional do país, representando 28,5%, ocupam apenas 3% das prefeituras, 2% do Senado e menos de 1% das cadeiras na Câmara dos Deputados. Esses números revelam uma realidade de exclusão.
Para tratar deste tema premente, Luana Génot, CEO do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), destaca a imperiosa necessidade de se atender à pluralidade e à diversidade de mulheres no mercado de trabalho e na política, sublinhando que esse é um passo crucial para o desenvolvimento do país e o crescimento das empresas. Segundo ela, “é importante que os governos entendam que isso é um passo fundamental. Não é um favor [incluir mulheres]. Não existe uma sociedade justa que não esteja representada em todos os espaços por todas as pessoas”. Esta fala ressalta que a inclusão não deve ser vista como uma concessão, mas como uma obrigação ética e social.
Já Bielo, criadora de conteúdo e mega engajada no movimento negro e na causa LGBTQIAP+, por sua vez, reforça a ideia de que as mulheres enfrentam barreiras desde a infância, sendo constantemente limitadas em suas possibilidades e trajetórias: “Principalmente para nós, mulheres, o que a gente mais tem desde criança são barreiras: até aqui você pode ir, desse jeito, não pode, você deve ser tal coisa”. Sua fala denuncia uma realidade de imposições que condicionam e restringem as experiências das mulheres.
A convidada Luana Génot invoca o conceito africano de Ubuntu – “Eu sou porque nós somos” – para enfatizar a importância de manter um legado e honrar as mulheres que vieram antes. Em suas palavras, ela diz achar “que uma das formas de se honrar esse legado é fazer valer o fato de que estamos sobre o ombro de tantas e tantos gigantes que abriram portas para gente. Eu acho que a forma de a gente honrar legados é prezando por esse senso da coletividade.” Génot resgata a ancestralidade e a coletividade como pilares para a construção de um futuro mais justo e inclusivo.
Na sequência, ela aborda a crônica sub-representação de mulheres, especialmente negras, em ambientes políticos e elitizados, e a necessidade de escancarar a porta da inclusão: “Às vezes, a gente consegue entrar em alguns espaços e é usado como cota. Muitas vezes isso vai ser inevitável, quando a gente é o único a estar ali, mas precisamos ter consciência de que esse é apenas um passo para coletividade. A gente não pode se limitar a sermos únicas nos espaços, e eu acho que a gente também tem que fazer sempre um exercício de olhar para o lado e ver se não é a única pessoa negra do ambiente”. Génot sublinha a necessidade de transformar a inclusão individual em uma inclusão coletiva, evitando que a diversidade se limite a iniciativas simbólicas.
No que tange à política, a mediadora Ana Fontes traz um dado relevante sobre as dificuldades enfrentadas pelas candidatas à Prefeitura, destacando a falta de recursos financeiros como um dos principais obstáculos: “De acordo com o estudo do Instituto Alziras sobre as prefeitas brasileiras, os três principais obstáculos para as mulheres na política são dinheiro, tempo livre e rede de contatos”. Esta observação aponta para as desigualdades estruturais que dificultam a participação feminina na política.
Nós somos aquelas que cuidam de toda a família, gerindo a economia do cuidado: família, filho, idosos, tudo… Tudo gira em torno da mulher. Que tempo livre vai ser destinado para networking, para conexões, para você fazer uma pós, para você sair e se conectar com outras pessoas que podem apoiar a sua jornada de carreira? Não temos. Então é necessário que toda uma rede de cuidados, inclusive dentro da gestão pública, seja oferecida para as mulheres, para que haja mais tempo livre – Luana Génot, CEO do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), escritora e ativista
Sobre este assunto, Bielo Pereira complementa, destacando a necessidade da colaboração e da ajuda mútua entre as mulheres: “A gente já tem uma estrutura social que repele a nossa presença em todos esses lugares. Porque quando falamos sobre a gente não ter tempo, da gente ter muitas outras coisas para fazer e ter que lidar dentro e fora do trabalho, quando chegamos nesse momento de um lazer, a gente consegue se entender mais. Hoje em dia, há algumas confrarias formadas por mulheres, nas quais uma puxa pela outra, uma ajuda a outra”. Para Bielo, a criação de redes de apoio entre mulheres é essencial para superar as barreiras impostas pela sociedade.
Uma postura mais proativa por parte das mulheres na política e na realização de projetos de inclusão é a proposta de Luana Génot: “Cabe a nós também virar uma chave e se autoconvidar mais. Se não nos convidarem, a gente precisa abrir a porta. Acho que falar desse papel é importante justamente para trazer para as pessoas a consciência de que não precisamos necessariamente esperar por um patrocinador para tocar nossos projetos, por exemplo”.
Tal fala se coaduna à lógica de Bielo, que reforça essa visão ao discutir as dificuldades de se promover uma mudança estrutural dentro das empresas. “Não é uma tarefa fácil. Há de se mudar estruturalmente, você tem que mudar na base, na cultura da companhia, para que se entenda a importância. Então, falando especificamente de mulheres pretas e pessoas pretas, eu já fiz projetos com empresas muito grandes que, para a gente poder dobrar a porcentagem de pessoas pretas dentro da companhia, foi necessário fazer um trabalho de dois anos, porque a gente precisa entender também que isso não vai ser dentro de um time só. Você não pode escolher aquele time: ‘Então esse vai ser o time da diversidade, nesse daqui a gente vai ter o time 90% preto e o resto da empresa?’ Como é que você se comunica com o restante da empresa? Você tem que entender como vai fazer a inserção de todos esses grupos em todas as áreas”.
A criadora de conteúdo voltado para pautas sobre racismo, diversidade e inclusão, Bielo, ressalta ainda que a transformação deve ocorrer tanto internamente nas empresas quanto externamente, mudando a mentalidade da sociedade: “A gente tem que mudar a cultura que fica na empresa e a cultura fora, a nossa forma de pensar. Porque, às vezes, a gente toma algumas ações no automático sem reparar que aquilo não faz nem sentido”.
Diversidade não é uma ação, não é uma campanha, não é uma propaganda, não é uma palestra, não é um evento, é uma jornada, e por isso, um exercício diário de mudança de cultura, eu trabalhei muitos anos em ambiente corporativo e mudança de cultura não se faz de baixo para cima, é triste, mas ela se faz de cima para baixo – Ana Fontes, empreendedora social e fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME)
Finalmente, Luana Génot reitera a importância de romper com estereótipos que limitam as visões de futuro e impedem a realização plena das potencialidades das mulheres: “Precisamos conseguir passar desse processo de uma mudança de cultura pensando no ecossistema da empresa. É por isso que atuamos em três pilares. Dentro do pilar de empregabilidade, levamos essa educação antirracista com todo um desenvolvimento de ações afirmativas que a gente faz dentro das empresas para mais de 700 mil colaboradores. E aí, dentro do pilar de educação, a gente leva essa educação antirracista inclusive para escolas, para gestores e professores. Porque a gente também consegue falar sobre esses vieses dentro de sala de aula, que é onde muitas vezes começa ali o estereótipo de quem pode ser de uma profissão, de quem pode ser de outra, e muitas vezes esses estereótipos são introjetados desde a primeira infância”.
A gente já foi em escolas que o professor falou assim: ‘Ah, essa rapaziada aqui tem cara de gari.’ Então isso já é construído desde a primeira infância e a gente precisa trabalhar sobre esses estereótipos até mesmo do que os professores e gestores reproduzem – Luana Génot, CEO do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), escritora e ativista
MUDANÇA NA LEITURA E NA CONSTRUÇÃO DE SOCIEDADE
No viodecast “Substantivo Feminino“, Ana Fontes aborda uma questão crucial ao trazer à tona o cenário da representatividade preta na mídia, particularmente no jornalismo e na publicidade. Ela destaca que na publicidade, 31% das campanhas com pessoas negras são protagonizadas por celebridades, refletindo uma superficialidade no tratamento da diversidade. Ademais, a pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa, divulgada pela Gênero e Número, revela que 60% dos jornalistas no Brasil são homens, e impressionantes 85% são brancos. Esse panorama evidencia uma lacuna significativa na representatividade, sugerindo que a ausência de diversidade na mídia é um obstáculo para a ascensão de mais mulheres negras e suas diversas interseccionalidades em posições de poder. Ao conectar essas disparidades com a pesquisa do Instituto Ethos de 2016, que previu que seriam necessários 150 anos para alcançar a igualdade racial no Brasil, Ana Fontes enfatiza a urgência de ações concretas e imediatas para reverter esse quadro.
Ao refletir sobre a transformação trazida pelo mundo digital e seu impacto na mídia tradicional, Bielo sublinha a importância do olhar para a diversidade de corpos, especialmente sendo uma mulher preta, gorda e trans. Ela reconhece que, sem o advento do digital, a pluralidade dentro do recorte de mulheres pretas dificilmente teria emergido. Ela ressalta que, embora hoje haja uma maior visibilidade dessa diversidade, o digital ainda é o principal meio para se reconhecer e valorizar essas diferenças. Critica o passado recente, onde a ausência de representatividade obrigava pessoas negras a se espelharem em modelos que não refletiam suas realidades, destacando que, mesmo com avanços, ainda há um longo caminho a ser percorrido na mídia, especialmente no jornalismo. Ao falar sobre sua posição como apresentadora, Bielo revela um desejo profundo de ver mais apresentadoras pretas nos meios de comunicação, apontando que sua própria presença como uma mulher preta, gorda e trans em uma televisão online LGBT é um marco de representatividade que ela gostaria de ter visto na infância.
Destaca ainda a importância da representatividade em um nível pessoal e comunitário. Para ela, ser um “corpo político” significa que sua mera existência, como uma pessoa trans, preta e gorda, já é um ato de resistência. Ela chama a atenção para o fato alarmante de que cerca de 90% da população trans ainda se vê forçada a trabalhar na prostituição, seja online ou nas ruas, para sobreviver. Sua trajetória e presença na mídia são, portanto, não apenas uma vitória pessoal, mas um símbolo de resistência para outras pessoas com experiências semelhantes.
Luana Génot, por sua vez, amplia a discussão ao lamentar a subrepresentação das criadoras de conteúdo negras e indígenas, que ainda enfrentam grandes dificuldades para viver apenas de sua influência. Ela critica a distribuição desigual dos orçamentos das agências de publicidade, que frequentemente subfinanciam canais de nicho pertencentes a minorias raciais, e aponta para a necessidade urgente de uma distribuição mais equânime desses recursos. Na mídia tradicional, Luana lembra que ainda há uma escassez de apresentadores negros e indígenas com autonomia para assinar e conduzir seus próprios programas. Ela reforça a importância de que essas representações não sejam limitadas a figuras simbólicas, mas que envolvam uma real participação e liderança nos espaços de poder, mencionando que, apesar dos avanços, a desigualdade ainda prevalece, especialmente em contextos de poder decisório.
Ana Fontes traz ao debate, também, um importante questionamento: “Uma mulher negra presidente do nosso país seria uma utopia?”. Trata-se de algo que encapsula o profundo desafio da representatividade e da igualdade racial e de gênero no Brasil. Em uma sociedade onde as desigualdades estruturais ainda prevalecem, a ideia de uma mulher negra alcançando a presidência é vista, para muitos, como um ideal distante e quase inalcançável. Essa percepção de “utopia” reflete não apenas as barreiras históricas e sociais que mulheres negras enfrentam para acessar posições de poder, mas também a persistente falta de oportunidades e o racismo sistêmico que limita a ascensão dessas mulheres em diversas esferas, especialmente na política. No Brasil, onde a maioria da população é composta por pessoas negras, a ausência de mulheres negras em cargos de liderança expõe a distância entre a realidade atual e o ideal de igualdade que se almeja.
Luana Génot aborda um ponto essencial sobre a representatividade política ao expressar seu desejo de ver mulheres negras e indígenas não apenas na presidência da República, mas ocupando também uma diversidade de cargos públicos. Ela destaca a importância de se pensar em negras e indígenas também como prefeitas, vereadoras, membros de associações e conselhos. Para Luana, é fundamental entender que a governabilidade exige uma base sólida e ampla, o que inclui líderes em diferentes esferas do governo e da sociedade.
A CEO do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR) faz ainda um apelo ao voto consciente, ressaltando que a responsabilidade de eleger líderes comprometidos com pautas inclusivas e progressistas é de todos. Ela defende que projetos políticos que promovam igualdade e justiça devem ser apoiados em todas as esferas — municipal, estadual e federal. A construção de um futuro onde presidentas negras e indígenas estejam à frente do país depende da mobilização coletiva e de um olhar intencional para as escolhas políticas que fazemos hoje. Para Luana, a representatividade plena só será alcançada quando essas lideranças estiverem presentes em todas as esferas de poder, com a capacidade e o suporte necessários para governar de forma eficaz e segura.
Quanto aos orçamentos destinados aos Ministérios da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas, ela evidencia que tais recursos são fundamentais para ampliar a participação de negros e indígenas em cargos de poder. Alerta para a necessidade de um compromisso contínuo e sustentável com a pauta antirracista e inclusiva, e critica a abordagem pendular do governo, que só foca nesses temas durante crises ou momentos de grande visibilidade midiática, como a morte de George Floyd. Para Luana, a inclusão deve ser uma prioridade constante, integrada em todos os níveis de governo e sociedade.
Luana também destaca a inovação ao mencionar a criação de uma inteligência artificial inclusiva, chamada Deb, dedicada a questões étnico-raciais, de Diversidade, Equidade e Inclusão destinada a promover a educação antirracista e inclusiva em diversas organizações. Ela defende que essa ferramenta é parte de um esforço maior para garantir que a pauta da inclusão seja constantemente abordada e financiada, mesmo em um cenário de múltiplas emergências sociais no Brasil.
Por fim, tanto Bielo quanto Luana enfatizam a importância das eleições municipais e o papel crucial que elas desempenham na construção de um cenário político mais justo e representativo. Bielo ressalta a proximidade que os eleitores têm com os candidatos municipais, destacando a necessidade de escolhas conscientes que possam impactar diretamente o cotidiano das comunidades. Luana, por sua vez, defende que, para mulheres negras e indígenas ocupando cargos públicos em todas as esferas, é necessário um projeto político abrangente, que envolva educação, governabilidade e a participação ativa da sociedade em todos os níveis de governo. A representatividade, para ambas, vai além de uma presença simbólica; é uma questão de governabilidade e de construção de um país verdadeiramente inclusivo.
“MULHERES NEGRAS NO PODER” – PARTE 2/TEMPORADA 2
Na parte 2 do primeiro episódio da segunda temporada, Ana Fontes conversa com Talíria Petrone, deputada federal – PSOL/RJ, professora de História e mestre em Serviço Social e Desenvolvimento Social, escritora, mãe da Moana Mayalú e do Kaluanã Sol. Talíria foi a primeira parlamentar a tomar posse durante licença maternidade com um bebê de 22 dias no colo. Exerceu o seu direito de forma legítima conciliando a maternidade e os cuidados familiares domésticos com o ofício profissional.
O Brasil é sustentado pelas mulheres negras. E não há roda no mundo que gire sem o trabalho das mães, sem essa engrenagem que faz tudo acontecer. Eu olho às vezes para aqueles parlamentares com seus ternos e tenho a certeza que aquela mão cuidadosa é de alguma mulher. A que lhes prepara a comida e cuida dos filhos, é uma mão de mulher e uma mão invisível – Talíria Petrone, deputada federal, professora de História e mestre em Serviço Social e Desenvolvimento Social
O debate sobre a participação feminina na política brasileira frequentemente esbarra na realidade dura das desigualdades estruturais que marcam a trajetória das mulheres, especialmente das negras e das mães solo. Recentemente, Talíria Petrone, figura proeminente na luta por mais igualdade, abordou essas questões em um discurso que ressoou com uma clareza inabalável. Ela destacou a sobrecarga única que as mulheres enfrentam, um fardo que não possui equivalência masculina. “A própria discussão do debate do cuidado é que nos sobrecarrega tanto e que agora a gente tem ainda bem avançado na implicação do estado e na políticas de cuidados,” afirma. Segundo a deputada, a recente introdução da Política Nacional de Cuidados na Câmara dos Deputados é um avanço importante que evidencia a necessidade de políticas públicas que são frequentemente esquecidas na ausência de mulheres nos espaços de poder.
Eu sinto minha função como uma força. Uma força que me traz uma responsabilidade que eu acho que compete à minha geração em abrir caminho para outras mulheres – Talíria Petrone, deputada estadual PSOL-RJ
A jornada de mulheres na política não é apenas uma questão de presença, mas de conciliação entre a vida pública e privada. Petrone mencionou figuras históricas como Benedita da Silva e Manuela d’Ávila, que ajudaram a pavimentar o caminho para uma nova geração de mulheres políticas: “Essas mulheres abriram o caminho para outras, e nossa missão é garantir que essa democracia não fique torta”.
Outro aspecto fundamental abordado por Petrone é a situação das mães solo no Brasil, um grupo que enfrenta uma carga desproporcional de responsabilidade e falta de suporte. “São 11 milhões de mães solo no Brasil, a maioria delas mulheres negras, que sustentam seus lares e muitas vezes não têm quem olhe por elas,” observa. Enfatiza ainda que, embora essa responsabilidade seja pesada, ela é encarada com honra e um forte senso de missão.
Ana Fontes questionou se é possível inverter a baixa representação de mulheres negras na política garantindo condições adequadas para suas candidaturas. Talíria Petrone concorda que o cenário é dramático. “Apesar de sermos a maioria da população brasileira, as mulheres ocupam apenas 18% do Congresso Nacional e comandam 12% das prefeituras,” afirmou. Petrone destacou como a sobrecarga do cuidado e entraves partidários contribuem para a sub-representação das mulheres negras na política. “Mas não é utopia revertermos esta situação. Está na hora de as mulheres comandarem este país”, frisa.
Presidente da Associação Gênero e Número, Vitória Régia da Silva trouxe ao “Substantivo Feminino” dados preocupantes sobre a representação das mulheres negras na política municipal. De acordo com a pesquisa, dos 5.570 municípios brasileiros, apenas seis têm mulheres negras como maioria entre os vereadores. Além disso, muitas candidaturas de mulheres e pessoas negras são vistas como meramente simbólicas, lançadas apenas para cumprir a cota mínima de 30% sem intenção real de vencer. A PEC 9 de 2023, conhecida como PEC da Anistia, isenta partidos de sanções por não destinarem verbas às candidaturas de mulheres e pessoas negras, revertendo conquistas significativas às políticas de ação afirmativa. A medida pode representar a quarta anistia concedida pelo Congresso aos partidos que não cumprem com as políticas de ações afirmativas de gênero e raça. O cenário atual destaca necessidades urgentes de estratégias efetivas para aumentar a representatividade de mulheres negras nas eleições.
Petrone reforçou a importância das políticas afirmativas, comparando-as a uma “corrida de cavalo”, na qual alguns competidores têm vantagens desiguais: “As políticas afirmativas servem para corrigir uma desigualdade estrutural,” explica, acrescentando: “O país tem uma dívida histórica com as mulheres negras, e é fundamental potencializar as suas contribuições e combater o racismo estrutural”.
A luta pela cota feminina nas eleições também foi um ponto crucial. Petrone lembra o esforço para garantir que a cota de 30% de candidaturas femininas fosse acompanhada de financiamento adequado. No entanto, o cumprimento dessa cota ainda é limitado, e anistias constantes aprovadas no Congresso Nacional perpetuam a falta de punições para partidos que não cumprem com as exigências.
A política afirmativa ela tem que ser de verdade. Ela não pode ser cosmética – Ana Fontes
Ana Fontes destaca que as desigualdades no Brasil são marcadas pela combinação de raça e gênero. “Nós somos a maioria, mas estamos sub-representadas nos ambientes de poder,” afirma. A presença de mulheres como Petrone é um passo importante, mas ainda há muito a ser feito. Por fim, a deputada recordou um momento pessoal significativo quando, no segundo ano do primeiro mandato e estava assumindo a liderança do PSOL, durante uma entrevista dos deputados do partido, ela não teve chance de falar e se retirou com os olhos marejados. Foi amparada por Benedita da Silva. “Benedita me disse: ‘Levante o seu rosto e enxugue as suas lágrimas. Quantas vezes você acha que eu já não chorei sozinha nesse lugar? Agora, eu não estou mais sozinha e tenho uma bancada. Então, você venha, volte e assuma o seu lugar'”. Essa passagem ilustra a importância de solidariedade e apoio mútuo na luta por igualdade e representação. Para as mulheres pretas que aspiram a entrar na política, Talíria Petrone oferece um conselho: “Se juntem como já fazem na sua comunidade. O aquilombamento de mulheres negras é o que nos fortalece para ocupar o espaço do poder e ter a caneta na mão.”
O caminho para uma representação política verdadeiramente equitativa ainda é longo, mas a mobilização contínua e o apoio mútuo são essenciais para garantir que as vozes das mulheres, especialmente negras, sejam ouvidas e respeitadas em todos os níveis de poder. Cada episódio do “Substantivo Feminino“, reverbera a força de lutas e sonhos. É palco onde as mulheres, em toda a sua diversidade, reescrevem os contornos da política e da sociedade. À medida que os episódios são exibidos, revelam-se desafios, mas também possibilidades. E, sobretudo, um chamado para que a presença feminina na política não seja apenas uma estatística, mas uma força vital, pulsante e transformadora de uma pluralidade que floresça e que a inclusão não seja apenas uma meta, mas uma realidade.
O QUE VEM POR AÍ
Os demais episódios da segunda temporada irão ao ar no canal do Substantivo Feminino, às quintas-feiras, 18h. E os próximos contam com as participações das convidadas: Nath Braga (criadora e jornalista), Jady Verissimo (ativista pela educação), Leticia Bahia (Girls Up Brasil), Aline Osório (Secretária-Geral do Supremo Tribunal Federal), Basília Rodrigues (jornalista e analista política), Mary del Priore (historiadora e escritora), Raquel Branquinho (Procuradora Regional da República na 1ª Região e coordenadora o Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate da Violência Política de Gênero da Vice-Procuradoria Geral Eleitoral), Carla Akotirene (doutora em Estudos Feministas, pesquisadora de gênero e raça e escritora), Ilana Trombka (Diretora-Geral do Senado Federal), Benedita da Silva (Deputada Federal) e Sônia Guajajara (Ministra dos Povos Indígenas do Brasil).
INICIATIVAS DO YOUTUBE PARA O COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
Em julho, foi lançada a edição 2024 da “Cartilha para o enfrentamento da violência política de gênero e raça”, guia desenvolvido pelo InternetLab e pelo Redes Cordiais com apoio do YouTube. O material tem como foco as eleições municipais de outubro e aborda violência política de gênero e raça como fenômeno social que precisa ser encarado mais amplamente, o que inclui a identificação e apoio das principais vítimas, disseminação dos canais de denúncia e fortalecimento dos marcos normativos.
Com o início do período de propaganda eleitoral, uma série de dúvidas, questionamentos e discussões passam a surgir a respeito da comunicação política digital e é fundamental que os criadores estejam cientes de seu papel e responsabilidades, comprometendo-se a criar um ambiente em que o debate político seja livre, democrático, transparente e plural.
Assim, também em parceria com Internet Lab e Redes Cordiais, foi lançado o “Guia para Influenciadores digitais nas eleições”. O material apresenta princípios que os influenciadores digitais devem seguir, além de uma caixa de ferramentas com possíveis perguntas e respostas que podem surgir durante o período eleitoral, e informações atualizadas sobre temas como desinformação, censura, violência política e proteção de dados.
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