Videocast ‘Cultura Inclusiva’: Psicologia positiva potencializando felicidade que pode transformar o ambiente de trabalho


À frente do videocast, Marcelo Ramos, antropólogo e gerente de Desenvolvimento Estratégico Sustentável do SENAI CETIQT. tem como convidada online e direto de Portugal, Helena Águeda Marujo, professora associada da Faculdade de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e coordenadora executiva da Cátedra UNESCO em Educação para a Paz Global Sustentável. Ela nos mostra a sua expertise na Psicologia Positiva e proporciona uma perspectiva sobre como a ciência da felicidade pode transformar as empresas. “Fazer coisas que não toquem todo o sistema organizacional e que não garantam que as bases de uma forma de trabalhar com qualidade e dignidade estão estabelecidas é a morte do sistema e das expectativas. Coerência e transversalidade devem assegurar, desde o topo até as pessoas que estão nas posições mais frágeis dentro do sistema, que todos sejam tocados por aquilo que é uma verdadeira cultura para a qual cada pessoa importa (e muito). E o coletivo dentro da organização se vê também contribuindo para o coletivo maior que é essa sociedade em que nos movemos”, pontua Helena Marujo

A felicidade organizacional está em conexão com a saúde, os aspectos sociais e a condução cada vez mais essencial de práticas para o bem-estar dos empregados das empresas e, consequentemente, um olhar atento de empatia, solidariedade ao se colocar no lugar do próximo e perceber que pode ser parte integrante de ações de incentivo. Intrinsecamente ligada à saúde mental depende do bem-estar físico e social. De acordo com a conceituação da Organização Pan-Americana da Saúde, diversos fatores ameaçam nossa saúde mental: rápidas mudanças sociais, condições de trabalho estressantes, discriminação de gênero, exclusão social, estilo de vida não saudável, violência e violação dos direitos humanos são alguns exemplos. Em resumo, saúde mental é um estado de bem-estar no qual um indivíduo realiza suas próprias habilidades, consegue lidar com as tensões normais da vida, pode trabalhar de forma produtiva e é capaz de fazer contribuições à sua comunidade. Um levantamento da Harvard Business Review revelou que colaboradores satisfeitos apresentam aumento de 31% na produtividade, 85% na eficiência e 300% na capacidade de inovação. Reiterando, existem benefícios comprovados quando a empresa implementa melhorias na qualidade de vida dos funcionários: sinônimo de maior produtividade e menos custos com saúde, rotatividade e absenteísmo. Já para os trabalhadores, maior conhecimento sobre sua saúde, produtividade, satisfação e motivação com o trabalho.

Recentemente, eu escrevi aqui no site que, dentro dessa concepção mais abrangente, o conceito de qualidade de vida tem muitos pontos em comum com a definição de saúde. Tornou-se fundamental analisar o corpo, a mente e até mesmo o contexto social no qual o indivíduo está inserido para conceituar melhor o estado de saúde. De acordo com a OMS, qualidade de vida é “a percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. O terceiro videocast da série Cultura Inclusiva, iniciativa do SENAI CETIQT, aborda o tema “Felicidade nas Organizações: Um Segredo para Empresas de Sucesso“. Marcelo Ramos, antropólogo e gerente de Desenvolvimento Estratégico do SENAI CETIQT, realizou uma videoconferência com Helena Águeda Marujo, professora associada da Faculdade de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e coordenadora executiva da Cátedra UNESCO em Educação para a Paz Global Sustentável. Direto de Portugal, Helena nos mostra a sua expertise na Psicologia Positiva e proporciona uma perspectiva sobre como a ciência da felicidade pode transformar as empresas.

Marcelo Ramos ressalta que Helena trabalha há muitos anos com a questão da felicidade dentro e fora das organizações: “Eu diria que é uma das principais intelectuais ativistas da cultura inclusiva em diferentes espaços da vida social, em diferentes países do mundo”. E ele dá o start ao bate-papo pontuando que uma cultura inclusiva no trabalho tem relação estreita e multidimensional com a felicidade nas organizações.

A construção de um ambiente de trabalho acolhedor e respeitoso, com práticas que garantam igualdade de direitos e oportunidades para todos, é fator crítico de sucesso para redução de conflitos, engajamento, motivação e saúde mental dos colaboradores. Tais condições de trabalho, segundo estudos realizados sobre o tema em diferentes países e no Brasil, resultam em mais criatividade, inovação, ganhos de valor e competitividade para as empresas – Marcelo Ramos

A professora Helena inicia sua fala explicando que a Psicologia Positiva é uma ciência voltada para o estudo do bem-estar e da felicidade, buscando identificar as condições necessárias para que possamos vivenciar momentos que realmente valham a pena, tanto no âmbito individual quanto no científico. “Cresceu e evoluiu com a preocupação de complementar aquilo que era investigação científica vigente dentro da área da Psicologia, centrada na resolução de problemas, no tratamento das patologias, ou dos conflitos entre os grupos, dos problemas humanos. E a Psicologia, tradicionalmente, tentou dar respostas a esses problemas, o que tem sido extraordinário porque isso nos tem ajudado a apoiar e a saber que instrumentos, que ferramentas, que recursos psicológicos e outros podemos ativar quando alguém não está no seu melhor do ponto de vista emocional, seja individualmente, seja do ponto de vista mais coletivo”, frisa.

Segundo a Coordenadora Executiva da Cátedra UNESCO de Educação para a Sustentabilidade da Paz Global, “havia muito pouco conhecimento sobre o que faz as pessoas estarem ‘no seu melhor’. O que é isso de vivermos mais felizes, mais completos, plenos, realizados, com significados, com propósitos, que nos leva a querer que cada ser humano viva com qualidade, em sua plenitude e harmonia e que se sinta feliz e satisfeito? A ciência da felicidade mostra que é possível contribuir, quer do ponto de vista da cidadania, quer do ponto de vista da tolerância, da aceitação, da solidariedade, da fraternidade, da vontade de estar no trabalho”.

Ela explica que a Psicologia Positiva, como movimento organizado, surgiu no final dos anos 1990 com o objetivo de estudar, potencializar o melhor das pessoas: suas forças, suas virtudes, a qualidade das suas relações e a sua forma de estar na vida, no mundo com alinhamento, com coerência, e de não viver apenas centrado em si mesmo e no seu olhar de atitudes perante a vida, mas aberto ao mundo e preocupado com o bem comum. “Uma das áreas em que o conhecimento da Psicologia Positiva tem se mostrado especialmente útil no contexto organizacional, e que se conecta diretamente com a questão da inclusão, é o fato de que, quando nos sentimos bem – no momento em que rimos com alguém, quando somos reconhecidos por um colega, quando sentimos amor ou esperança no futuro – nosso organismo reage de várias maneiras que promovem e facilitam a inclusão”.

Isso quer dizer que a desconfiança em relação aos outros diminui, tornando-nos menos propensos a conflitos, mais tolerantes, com maior disposição para interagir, além de mais sensíveis e solidários.

Nas empresas, temos estudos ligados à compaixão organizacional na Escola do Instituto Superior de Ciências Sociais e Públicas da Universidade de Lisboa. Percebemos que certas emoções (gratidão, compaixão, perdão, o humor usado como estratégia dignificadora, desconstrutora das situações, e nunca rebaixadora de outros seres humanos) têm uma função fundamental e criam condições para nos relacionarmos melhor uns com os outros e para estarmos abertos à diferença, com mais vontade de aprender em relação àquilo que é novo no nosso contexto, na nossa equipe, no nosso ambiente de trabalho ou de vizinhança – Helena Marujo

O ATIVAR OS HORMÔNIOS DO BEM-ESTAR

De acordo com a professora Helena, essa área é amplamente estudada pela Psicologia Positiva, que se concentra na felicidade e no hedonismo, conforme a filosofia grega. “Eu destaco a importância da construção de experiências emocionais positivas para se chegar à felicidade nas firmas. São também experiências fisiológicas, pois ativam neurotransmissores, ativam hormônios que estão associados ao bem-estar (ocitocina, dopamina, cerotonina, endorfinas), que nos posicionam num lugar de maior abertura, de melhor leveza, e que, por sua vez, têm impacto na qualidade das pessoas que somos e, em especial, quando alguém ou algo diferente pode ser percebido como uma ameaça se estou vivenciando emoções negativas”, afirma.

Marcelo Ramos, gerente de Desenvolvimento Estratégico do SENAI CETIQT, comenta um estudo que realizou há 15 anos sobre a cultura material da felicidade entre os brasileiros: “Eu pedia para as pessoas descreverem momentos diários de prazer, bem-estar ou felicidade. Para minha surpresa – ou não – raramente o momento do trabalho era mencionado como um desses momentos”. E ele pergunta o ponto de vista Helena Marujo sobre o assunto: “Você saberia explicar o motivo? Por que é tão difícil associar prazer, bem-estar e felicidade aos períodos de trabalho? Claro, existem exceções, tais como amizades, o horário do almoço, o cafezinho, uma promoção ou o reconhecimento por parte de um superior. No entanto, em geral, os relatos sobre felicidade no trabalho eram bastante raros. O que você acha que pode estar por trás disso?”

Na visão da professora da Universidade de Lisboa, essa é uma experiência observada em todo o mundo hoje: a percepção do trabalho como algo que não nos preenche e, frequentemente, é associada a um sentimento de peso e infelicidade: “Isso é trágico porque passamos grande parte da vida no trabalho. Algumas das razões que os estudos têm apontado têm a ver com o fato de estarmos vivendo um conjunto de valores que nos fazem competir, nos deixam centrados nos nossos sucessos pessoais. Isso começa na escola, onde esses valores são promovidos. Há pouco pensamento e ação que, desde cedo, nos levem a uma visão de comunidade, pertencimento, apoio mútuo, colaboração”.

Revela um estudo feito por ela e equipe: “Quando perguntamos aos participantes o que era para eles o bem-estar no trabalho, a resposta principal foi o sistema de recompensas, portanto o salário, os benefícios que a empresa oferece etc. Quando cruzaram as variáveis e estudamos as dimensões mais populacionais, que verdadeiramente parecem impactar, influenciar as experiências do bem-estar laboral, não era isso que vinha em primeiro lugar. O que vinha em primeiro lugar era “ser parte”. Ter pertencimento. Sentir que está em uma  comunidade que me acolhe, reconhece, valoriza, para quem eu sou importante. Muitas vezes hoje, nas empresas, infelizmente sabemos que muitas pessoas sentem que, para aquela organização, eu estar lá tanto faz. Não sou eu um valor, mas a função que estou desempenhando. Não sou eu na minha especificidade, na minha unicidade, que me sinto reconhecido e valorizado pela empresa, que me vê exatamente como eu sou e que me acolhe, abraça e me valoriza. Muitas das nossas práticas, incluindo as práticas remuneratórias, são competitivas, criam condições para, muitas vezes, estarmos uns contra os outros e não uns com os outros no caminho para atingir os objetivos estratégicos da organização”.

O sentimento de pertencimento e a qualidade das relações dentro da organização, especialmente com os líderes, são frequentemente áreas de grande insatisfação para as pessoas. No entanto, quando se tem amigos no trabalho, os níveis de satisfação tendem a aumentar, apesar de termos culturalmente estabelecido a ideia de que “não vou ao trabalho para fazer amigos”. Mas se eu tiver amigos, significa que trabalho num lugar onde eu gosto mais de estar. Quero estar com aquelas pessoas, porque elas me ajudam a realizar, me ajudam a me sentir reconhecido, valorizado, importante, amado”.

PERTENCIMENTO E PROPÓSITO

É muito importante que as empresas tenham confiança. “Cremos que pessoas felizes no contexto organizacional é a coisa mais vital para cuidar da qualidade das pressões. Quando nós temos contextos onde há estímulos, por exemplo, ao valor da interajuda, sobre ação conjunta dos sucessos, rotatividade nos processos de liderança, onde há esse reconhecimento do que cada um de nós tem em termos de forças, de virtuosidade para trazer para a organização e ela tenta nos encaixar num lugar onde o nosso melhor pode ser concretizado, nós entramos em estados motivacionais, como a motivação intrínseca que está associada ao fluir, ao flow, que nos mostra, de fato, o ideal. Assim, criamos condições para as pessoas sentirem intrinsecamente motivadas pelo que estão fazendo, de tal forma que se empenham e se envolvem no trabalho dando o seu melhor”, analisa Helena Marujo.

Pertencimento e propósito, duas dimensões fundamentais que permitem vivermos a experiência profissional da melhor forma possível e acordarmos de manhã e pensarmos “Que bom, vou trabalhar”. É um privilégio que devia ser dado a toda gente no mundo e, em particular, se eu sentir que sou incluído. Inclusão não é apenas de gênero, de raça, de etnia, de religião etc. Às vezes tem até a ver com valores que defendemos ou interesses que temos, mas que a organização pode rejeitar e fazer-nos sentir que não fazemos parte. E aí não há nem pertencimento e nem propósito – Helena Marujo

Marcelo Ramos ressalta que foi de extrema importância a análise de Helena sobre pertencimento e propósito “e é também o que a gente observa. Por isso essa relação que tentamos fazer entre cultura inclusiva e felicidade organizacional. No âmbito da discussão da gestão ambiental, social e de governança nas organizações, o pilar social trabalha com as questões dos direitos humanos e justiça, com a questão de diversidade, equidade e inclusão, e também com a questão de bem-estar nas organizações de forma geral: saúde mental, remuneração, saúde e segurança no trabalho, uma série de questões. E para instrumentalizar os gestores a trabalhar com esse tema, com esse pilar social, a gente vem atuando em processos de diagnóstico, de planejamento e também de capacitação, de letramento, de uma série de suportes para os gestores promoverem uma cultura inclusiva nas organizações”.

O que a gente verifica, e o meu trabalho específico como antropólogo já de muitos anos, trabalhando com pessoas do que a gente chama de grupos sub-representados ou de minorias sociais é que ser feliz no trabalho tem total relação com ter um ambiente que o inclua. E você está trazendo que os dados de pesquisa mostram que o pertencimento, não sofrer discriminação, não sofrer assédio, não sofrer comunicação violenta, estar em um ambiente onde você se sente pertencendo é onde você pode ser autêntico – Marcelo Ramos

Ele acrescentou ainda que se lembra muito bem de uma das aulas no curso de Happiness Manager com a professora e ela falou da importância da autenticidade nos ambientes para a promoção da felicidade. E pede para neste videocast, ela fale um pouco sobre como tem visto na vida profissional, e dentro dessa agenda da sustentabilidade, ESG, nas organizações, a questão da inclusão de pessoas pertencentes a esses grupos minoritários e os reflexos disso para a felicidade organizacional

Helena Maruja diz que se recorda de um bom exemplo de como promover a felicidade em uma empresa quando ela e seu falecido marido receberam a tarefa de uma empresa de telecomunicações para testar um modelo de felicidade organizacional numa loja de serviços de reclamações dos clientes. “É um lugar muito difícil para trabalhar, os clientes vão zangados, irritados. A pessoa vai buscar um aparelho que ficou para conserto, chega lá e não está pronto. Não por culpa de quem está atendendo, mas porque alguém na empresa terceirizada não aprontou no prazo. E o funcionário tem que assumir um erro que não foi seu e, muitas vezes, ouvir maus tratos. Quando perguntamos qual era a coisa mais simples que a empresa poderia fazer para aumentar a sua felicidade, a resposta foi ganhar uma “T-shirt”. Foi muito surpreendente, esperávamos um pedido tipo “aumento de salário”. Quando percebemos a razão das blusas, era por conta de discriminação. A empresa havia produzido T-shirts e distribuído para todas as filiais do país, mas não entregou naquela loja. A experiência emocional imediata foi: ‘não temos valor para esta organização'”.

O fato é que, quando discutimos uma visão sistêmica do que ocorre nas organizações, especialmente em relação às ações de inclusão e à promoção de felicidade, cuidado e bem-estar no ambiente de trabalho, percebemos uma conexão crescente com os temas globais que impactam nossas vidas coletivas. Essa conexão com os temas globais, porém, ainda é muito pouco debatida, mesmo nas comunidades acadêmica e científica. “A dimensão múltipla, abrangente, extraordinariamente exigente e que tem que tocar os temas globais deve estar na mesa dos decisores, dos líderes, dentro das empresas, pequenas, médias empresas”, afirma.

Algumas culturas orientais têm uma expressão de que eu gosto muito quando as pessoas se encontram dizem algo como “O melhor de mim saúda o melhor de ti”. Nós podemos estar em sistemas humanos em que o melhor de mim é convidado a ir para cima. E por causa disso eu também elevo os outros. E ao ver o melhor dos outros também me elevo. Há estudos na área da Psicologia Positiva sobre as emoções de elevação, quando vemos os seres humanos estarem no seu máximo potencial de humanidade, de ética. Temos reações fisiológicas. Nosso organismo reage, ficamos com os pelos em pé. Estamos preparados para essa sensibilidade do espanto, do deslumbramento com a beleza humana e, felizmente, também com a beleza natural e com a beleza artística – Helena Marujo

As empresas que conseguem criar culturas em que essas coisas acontecem aumentam também a probabilidade de terem gente mais intrinsecamente motivada, de ver maior espontaneidade na contribuição, de querer mesmo dar de volta o que eu sinto que a empresa está me dando. “E, por causa disso, eu me sinto mais realizado e viver uma vida com mais significado. Esse entrosamento de todas essas dimensões e deve ser muito bem cuidado por todos aqueles que têm a responsabilidade formal ou informal dentro das organizações”, diz Helena.

A pesquisadora e ativista pela de uma cultura inclusiva no trabalho, da felicidade no trabalho em diferentes esferas da vida social, Helena Águeda Marujo, encerra sua participação no videocast da série “Cultura Inclusiva” mandando um recado: “Fazer coisas que não toquem todo o sistema organizacional e que não garantam que as bases de uma forma de trabalhar com qualidade e dignidade estão estabelecidas é a morte do sistema e das expectativas. Coerência e transversalidade devem assegurar, desde o topo até as pessoas que estão nas posições mais frágeis dentro do sistema, que todos sejam tocados por aquilo que é uma verdadeira cultura para a qual cada pessoa importa (e muito). E o coletivo dentro da organização se vê também contribuindo para o coletivo maior que é essa sociedade em que nos movemos”.