Videocast ‘Cultura Inclusiva’ lança luz sobre cenário no Brasil a respeito da inclusão de pessoas 50+ nas organizações


“As pessoas estão envelhecendo de forma mais saudável e muitas vezes se sentem (e estão) produtivas para o mercado de trabalho por mais tempo. A terceira idade, como costumávamos chamar, deixou de ser vista como fim de carreira e pode representar o início de uma nova jornada. Além disso, muitas pessoas estão criando novos projetos de vida a partir do encerramento de outros. É preciso combater estereótipos que não permitem que as pessoas, em diferentes idades e da forma que são vivam plenamente o seu potencial”, pontua Marcelo Ramos, antropólogo e gerente de Desenvolvimento Estratégico e Sustentável do SENAI CETIQT, que recebe Jefferson Yan, líder de RH do Grupo Cataratas, e Filipe Ubaldo Barbosa, integrante da secretaria municipal do Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida da Prefeitura do Rio de Janeiro para debater o tema

No filme “Um Senhor Estagiário“, lançado em 2015 e estrelado por Robert De Niro, o ator interpreta Ben Whittaker, viúvo, aposentado, que decide voltar ao mercado de trabalho. Aceita, inclusive, se torna estagiário em um site de moda. Com sua experiência de uma vida profissional e sabedoria, Ben apoia seus colegas mais jovens, ajudando-os a resolver desafios na organização e conquistando a admiração de todos no ambiente de trabalho, desenvolvendo uma amizade especial com sua chefe e fundadora da firma Jules Ostin, vivida por Anne Hathaway. O filme é leve e bem-humorado, mas o assunto de que trata é importantíssimo: a inclusão de pessoas 50+ nas organizações. No Brasil, onde, segundo dados do IBGE de 2022, a expectativa de vida da população subiu para 77 anos. Falar sobre etarismo, que ainda permeia a sociedade, também é fundamental e urgente. O quinto videocast da série Cultura Inclusiva, iniciativa do SENAI CETIQT, joga luz sobre “A inclusão de pessoas 50+ nas organizações”. Neste episódio, Marcelo Ramos, antropólogo e gerente de Desenvolvimento Estratégico e Sustentável do SENAI CETIQT, recebe Jefferson Yan, líder de RH do Grupo Cataratas, e Filipe Ubaldo Barbosa, integrante da secretaria municipal do Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Robert De Niro e Anne Hathaway no filme 'Um senhor estagiário' (Foto: Divulgação)

Robert De Niro e Anne Hathaway no filme ‘Um senhor estagiário’ (Foto: Divulgação)

O conflito entre gerações, embora relevante, não é o único desafio que enfrentamos atualmente: é preciso ressaltar que vivemos um momento histórico em que ser 50+ é muito diferente do que era há algumas décadas. Com o aumento da expectativa de vida e os avanços da medicina, pessoas de 50, 60 anos ou mais frequentemente não não estão nas mesmas condições que indivíduos dessa faixa etária estavam no passado.

As pessoas estão envelhecendo de forma mais saudável e muitas vezes se sentem (e estão) produtivas para o mercado de trabalho por mais tempo. A terceira idade, como costumávamos chamar, deixou de ser vista como fim de carreira e pode representar o início de uma nova jornada. Além disso, muitas pessoas estão criando novos projetos de vida a partir do encerramento de outros. As políticas públicas desempenham um papel fundamental no envelhecimento saudável da população, não faz mais sentido pensar em indivíduos de 50+ ou 60+ como velhos e debilitados, incapazes de enfrentar os desafios do mercado de trabalho – Marcelo Ramos

O termo etarismo (ageism, em inglês), foi definido em 1969 por Robert Butler, gerontólogo estadunidense, para se referir aos estereótipos (como pensamos), preconceitos (como sentimos) e discriminação (como agimos) em relação à idade. Filipe Ubaldo Barbosa, integrante da secretaria municipal do Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida da Prefeitura do Rio de Janeiro, ressalta justamente que “no dicionário, etarismo é o preconceito contra pessoas idosas, acima de 60 anos. Eu gosto de ressaltar também a lógica do idadismo, porque a gente tem que ampliar essa discussão no sentido de qualquer preconceito que se traga em relação à idade. Eu vejo essa questão do idadismo, do etarismo como um problema cultural. Antes de a gente adentrar na lógica da política pública, dos serviços, dos programas, das denúncias, da parte de proteção, a gente também tem que botar o dedo na sociedade em relação àquilo que é cultural”.

Filipe lembra ainda um estudo no qual foi perguntado às pessoas o que lhes dava mais medo de envelhecer. “Para a minha surpresa, não foi a Previdência, não foi a solidão nem a saúde: foi parecer velho. Isso traz uma reflexão sobre como viver numa sociedade na qual o culto à juventude eterna é tão valorizado que o maior medo é parecer velho”.

Falar sobre o etarismo, o idadismo cria uma perspectiva de discutir, também, a cultura da nossa sociedade ocidental, que o tempo todo cultua uma juventude eterna, inexistente, inalcançável. Existe um preconceito cultural e quebrar esse paradigma é desafiador – Filipe Ubaldo Barbosa

O líder de RH do Grupo Cataratas destaca que, há poucas décadas, a gestão de pessoas era marcada por um cenário em que a liderança era composta por profissionais mais experientes e maduros, enquanto os liderados eram, em sua maioria, jovens que precisavam ser desenvolvidos: “Hoje, vivemos um contexto diferente, influenciado pelas transformações sociais e culturais que estamos atravessando”.

Agora temos até quatro gerações compartilhando o mesmo ambiente de trabalho, o que traz novos tipos de desafios. Atualmente, acredito que o principal desafio da gestão de pessoas é promover a integração entre as gerações. Trata-se de criar espaços que favoreçam a inclusão de todos e de articular estratégias para estabelecer um diálogo entre elas – Jefferson Yan

De acordo com Filipe Ubaldo Barbosa, representante da secretaria municipal do Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida, alguns fatores sociais devem ser observados: “Por exemplo: ser 50+ é bem visto em determinados contextos. No meio acadêmico, com um professor mais velho e muito respeitado. No meio científico também. Todos sabem que Darwin iniciou sua revolução científica aos 20 anos, mas o retrato dele que conhecemos é o de um homem idoso. Einstein descobriu a relatividade entre os 20 e 30 anos, mas sua imagem icônica é com cabelos brancos. Dependendo do meio e da formação, envelhecer é legal quando se ocupam alguns extratos sociais que dão possibilidade de envelhecer com privilégios, com acesso. Nos países desenvolvidos, que enfrentam o processo de inversão da pirâmide etária, os desafios são típicos de nações ricas. No nosso país, a projeção é que até 2050 a população 50+ seja maior que a população com menos de 20 anos. Teremos população mais velha do que mais nova. A pirâmide já está começando a se inverter. No entanto, vivemos em um país que envelheceu antes de enriquecer e temos uma população que envelhece muitas vezes como arrimo de família”.

Dependendo do lugar que você ocupa, da sua realidade, do seu extrato, envelhecer é bem duro e cruel. A gente tem que repensar isso enquanto Política Pública com P maiúsculo, voltada para uma população que vai ficar cada vez mais velha e que vai demandar cada vez mais do Estado dentro das suas políticas públicas. Os desafios são gigantes e a gente não pode romantizar esse lugar da inversão da pirâmide, precisamos olhar para isso de forma muito criteriosa, muito técnica, com muita sabedoria e na integração da política pública com a Parceria Público-Privada e nesse processo de escuta – Filipe Ubaldo Barbosa

Nas empresas, porém, esse processo costuma funcionar de maneira distinta. Quando olhamos para cima, geralmente vemos mais homens do que mulheres, mais brancos do que negros, mais pessoas sem deficiência do que com deficiência e mais indivíduos heteronormativos do que LGBTQIAPN+. Contudo, é comum vermos homens mais velhos ocupando altos cargos em vez de homens mais jovens. “Isso reflete privilégio. Esse grupo desfruta de diversas vantagens, ao contrário dos outros citados, que enfrentam desvantagens ao longo da vida. Embora o recorte de classe social seja relevante, precisamos considerar a população como um todo. Entre as camadas sociais mais baixas, há pessoas que continuam no mercado de trabalho, mas não envelheceram bem porque não tiveram acesso a recursos para cuidar da saúde. Esses indivíduos enfrentam o etarismo no ambiente profissional de forma mais injusta em comparação a outros grupos”, pontua Marcelo Ramos.

Jefferson Yan explica que, no Grupo Cataratas, o cenário tem mudado: “Nossa liderança é majoritariamente composta por jovens, e a diretoria é formada, em sua maioria, por mulheres. Isso é bem pouco habitual no mercado. Então surge um desafio específico: como ajudar a liderança jovem a reconhecer o valor da experiência dos profissionais mais maduros? O grupo tem unidades espalhadas pelo Brasil, com realidades distintas. Em algumas, mais de 80% dos trabalhadores têm 50 anos ou mais, enquanto em outras, predominantemente nos centros urbanos, a maioria está na faixa de 18 a 30 anos. Hoje, conseguimos promover essa diversidade etária em diferentes setores, alguns em estágio de desenvolvimento e outros mais consolidados. Os resultados são claros: ao unir perspectivas diversas, conseguimos alcançar soluções mais inovadoras e resultados mais sólidos”.

Diversidade costuma ser associada a pessoas mais jovens. No entanto, já avançamos para um novo momento, quando é necessário desconstruir esse estigma. Diversidade não se restringe à juventude; ela também deve representar uma população mais ampla e diversa, que reflita de forma genuína a sociedade – Jefferson Yan

O Ocidente que se oriente! O mundo oriental tem uma visão de respeito à ancestralidade, de entender que a gente precisa abssorver a cultura daquelas pessoas que vieram antes muito mais respeitosa do que o mundo ocidental. O mundo ocidental tem uma cultura de descarte, de liquidez – Filipe Ubaldo Barbosa

Uma parceria da secretaria do Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida com o SENAI CETIQT promoveu o evento “Pano pra Manga”. A iniciativa contou com um desfile de moda sustentável produzido pelos alunos da instituição. “Tivemos modelos idosos, pessoas trans etc, corpos de diferentes tipos dialogando entre si, celebrando a diversidade”, relata o representante da secretaria. “O evento também incluiu uma oficina sobre proteção de dados pessoais, destacando a vulnerabilidade do público idoso a golpes, especialmente online. A secretaria tem como foco o amparo a pessoas 60+, atuando em diversas áreas, desde a prevenção e o enfrentamento de violências físicas e psicológicas até o encaminhamento para programas de proteção social especial, garantindo acesso a direitos e transferências de renda. Contamos com o programa 60+ Carioca, que abrange cinco frentes de transferência de renda destinadas a proporcionar segurança a idosos em situação de alta vulnerabilidade”, comenta Filipe Ubaldo.

Ele também menciona o serviço Casas de Convivência: “São espaços espalhados pelo Rio que oferecem uma ampla variedade de serviços, oficinas e atividades para o público 60+ ao longo do dia. Cada casa tem sua própria grade de atividades, como ioga, aulas de inglês etc. Já promovemos uma parceria com o SENAI CETIQT em que levamos idosos para aulas de macramê. As Casas de Convivência não têm recorte social, mas etário. Qualquer pessoa pode participar, desde que atenda ao critério de idade. Temos unidades em bairros de classe média alta e também em áreas mais afastadas dos centros”.

Segundo Filipe, estamos enfrentando um momento de grandes desafios. A sociedade está envelhecendo e as pessoas estão vivendo mais, no entanto muitas estruturas não foram planejadas para uma população com expectativa de vida tão longa. “Você me pergunta sobre o cenário. Pois eu acho que é um cenário de sinal amarelo. A gente precisa ter muita inteligência nas nossas escolhas agora para podermos ter uma sociedade que, a partir de 2050, será mais velha do que jovem. Já vemos hoje pessoas que se aposentam e ainda querem fazer faculdade, querem ter outros empregos — por satisfação pessoal, por necessidade ou por se sentirem altamente produtivas. E essa realidade vai se estender. Precisamos de planejamento previdenciário e do sistema de saúde, políticas públicas não só no papel, mas que sejam implementadas com racionalidade, Parceria Público-Privada”, destaca.

Com foco exatamente no futuro, o Grupo Cataratas implementou um programa de estágio voltado para pessoas 50+. “Alguém com mais de 50 em transição de carreira necessita de oportunidade de estágio. Como não oferecer essa chance de inserção no mercado? Para a organização, essa é uma estratégia importante. O profissional com experiência acumulada, que combina habilidades técnicas e comportamentais adquiridas ao longo da carreira, também está em constante processo de aprendizado. Após essa etapa inicial, entra-se, de fato, em um processo de desenvolvimento. Vale lembrar que esse ciclo é contínuo. Atualmente, temos mais de 50 iniciativas voltadas ao desenvolvimento e à promoção da diversidade”, revela o líder de RH da organização.

A importância de um olhar mais expandido da empresa para além dos seus muros, vendo que a sociedade é diversa e que esses movimentos em busca de igualdade de oportunidades e de equidade são movimentos que favorecem a todos. Aqueles que estiverem engajados nisso estarão muito melhor vistos e trabalhando muito mais alinhados com o futuro – Marcelo Ramos

Abordando aspectos mais comportamentais, sabemos que pessoas em processo de envelhecimento enfrentam diversas questões diretamente influenciadas por uma sociedade ocidental e capitalista. Essa cultura tende a valorizar atributos como beleza, juventude, energia, desempenho e individualidade, extraindo o máximo da experiência de ser jovem e produtivo. “Precisamos também refletir sobre a questão da imagem e os preconceitos que essas pessoas enfrentam, especialmente no ambiente de trabalho”, propõe Marcelo Ramos. “Que tipo de estigmatizações elas sofrem? Existe, por exemplo, o chamado etarismo recreativo, em que o idoso se torna alvo de piadas. É essencial considerar como as pessoas vivenciam a experiência de envelhecer, especialmente no que diz respeito aos preconceitos que enfrentam nessa cultura. Devemos ampliar o debate sobre os valores culturais que reforçam ou desvalorizam o envelhecimento e entender como isso afeta os indivíduos dentro e fora das organizações”.

No Grupo Cataratas, busca-se criar um contraponto entre a cultura organizacional e as vivências da sociedade em geral. Trata-se de uma empresa privada que se compromete a construir continuamente um ambiente pautado pela diversidade e pela sustentabilidade, uma postura ainda pouco comum no contexto atual. “Essa abordagem traz desafios, mas nos impulsiona a adotar uma cultura de maior abertura, especialmente em inovação”, explica Jefferson Yan. “Apesar da estrutura e da hierarquia, promovemos um relacionamento bastante horizontal. É comum, por exemplo, um estagiário ou jovem aprendiz sentir-se confortável para apresentar sugestões diretamente a um diretor, o que é extremamente positivo. Por outro lado, ao receber novos profissionais, percebemos um choque cultural. Como promovemos a inserção? Nosso processo de integração dura uma semana, durante a qual o novo colaborador vivencia a organização junto com o time do GeCuCa (Gente, Cultura e Carreira), o popular RH”.

Nos últimos anos, a gente tem tido mais liberdade para poder expor questões que precisam ser colocadas, mas também surge um antagonismo. A gente tem hoje redes sociais onde todo mundo se acha no direito de falar tudo que quer, e às vezes, também, tudo vira um local de ofensa gratuita. A questão cultural é algo que não vai mudar do dia para a noite. Talvez leve décadas para a gente quebrar o idadismo, o etarismo. É um assunto sério que não deve ser visto como brincadeira. Os estereótipos carregam perversidade, inclusive anulando as pessoas para projetos e sonhos – Filipe Ubaldo Barbosa

E Marcelo Ramos fecha o videocast com a seguinte conclusão: “Se tem algo que pode gerar reflexão nas pessoas é que velhos todos nós somos ou seremos. Isso faz parte da realidade. É importante ter essa reflexão numa sociedade que está envelhecendo, ainda mais para corrigir, para combater estereótipos que não permitem que as pessoas, em diferentes idades e da forma que são vivam plenamente o seu potencial”.