Um dos ‘coaches’ mais importantes do mundo, Robert Castle está no Rio e fala sobre seu sistema para treinar atores


‘À primeira vista, parece um processo longo, mas, depois de um tempo, torna-se um hábito trabalhar dessa forma’, afirma

O americano Robert Castle que já treinou atores como Sean Penn e Jane Fonda (Foto: Divulgação)

*Por Jeff Lessa

O americano Robert Castle é considerado um dos coaches de atores mais importantes do mundo. Professor do celebrado Actor’s Studio, em Nova York, ele é um entusiasta do Method Acting, ou simplesmente O Método, em que os atores são treinados para usar a imaginação e os sentidos para criar personagens e atuações realistas, baseados em suas vivências e experiências de vida. Castle, porém, foi além: junto com sua partner, Alejandra Orozco, ele aperfeiçoou o Método e acrescentou ao treinamento a necessidade de se buscar a alma do personagem. Não à toa já trabalhou com celebridades do porte de Sean Penn, Jane Fonda e Michelle Pfeiffer, entre muitos outros. Ele está no Rio de Janeiro para ministrar um workshop que começou na segunda (15) e termina na sexta-feira (19). (Na verdade, trata-se de uma oficina extra.) A vinda de Robert Castle ao Brasil é uma iniciativa da Turbilhão de Ideias, de Gustavo Nunes, responsável por espetáculos como “Cássia Eller, o Musical” e “A História de Nós 2” entre outros.

Site Heloisa Tolipan: O senhor acredita que o Método (conjunto de técnicas para se obter uma atuação realista criado pelo russo Konstantin Stanislavski no começo do século XX) ainda é a principal técnica de treinamento de atores nos Estados Unidos. Por que é considerado tão eficiente?

Robert Castle: Nem todos os atores americanos seguem o Método. Ainda assim, muitos são afetados, de alguma forma, por essa técnica. Os atores americanos querem ser verdadeiros, “viver a experiência”. O Método é eficaz porque, entre muitos pontos, permite que o ator se sinta espontâneo e verdadeiro take após take num filme, ou noite após noite numa peça de teatro.

HT: Quando o ator sente que realmente incorporou experiências pessoais para criar uma realidade nova? Deve ser um processo muito longo, não?

RC: O ator pode usar experiências e imagens de sua própria vida como aproximações daquilo que o personagem vivencia. Chama-se “substituição”. Geralmente, ele atinge esse estágio usando a “memória sensorial”. Em vez de apenas pensar em algum acontecimento triste ou feliz da sua vida para sentir-se triste ou feliz, o ator experimenta a memória dos sentidos, um cheiro, um gosto, o toque ou a visão dos objetos, ou uma sensação do corpo que pode estar associada com um acontecimento em sua vida. À primeira vista, parece um processo longo, mas, depois de um tempo, torna-se um hábito trabalhar dessa forma. Precisa de treinamento e prática.

HT: Quando o senhor e (sua partner) Alejandra Orozco descobriram que faltava algo ao treinamento de atores – e que isso era a experiência do personagem? Como o ator constrói uma alma para o personagem?

RC: Quando eu era um jovem ator em Hollywood, estava sempre interpretando criminosos na TV e em filmes. Eu brigava, matava, era morto e outras coisas horríveis – o típico começo de carreira de um ator de Hollywood! Meus amigos e eu estávamos interpretando a violência de uma maneira que parecia bonita, o jeito como segurávamos a arma, como levávamos um soco de outro ator, girando acrobaticamente, todo tipo de movimentos elegantes. Tudo besteira, completamente artificial. Aí eu vi Michael Caine interpretando a violência de uma maneira mais verdadeira e morrendo com um realismo impressionante. Isso me transformou. Percebi que as experiências da minha vida não bastavam. Eu precisava criar dentro de mim as vivências do personagem, não apenas uma ideia mental delas. Para entrar na mente do personagem, é preciso primeiro construir aquela mente, a alma e o corpo do personagem. Fazemos isso com várias ferramentas, mas essencialmente com Experiência Imaginada e Trabalho de Imagem.

Castle aperfeiçoou o Método Stanilavski ao propor que os atores deveriam buscar as vivências dos personagens além das suas

HT: Por favor, explique o que são Experiência Imaginada e Trabalho de Imagem.

RC: Experiência Imaginada é um processo através do qual o ator cria dentro de si experiências da vida do personagem, desde o nascimento até pouco antes dos acontecimentos que estão no roteiro. Começa com uma pesquisa sobre o mundo do personagem e continua com exercícios que criam, na imaginação e no corpo, as experiências dele. Uma alma nova nasce no ator, e, se o processo for bem feito, ela se torna parte do inconsciente. Eventualmente, o ator sente impulsos que vêm da vivência do personagem, não da sua própria experiência. Essas experiências não são imaginadas, elas são vividas da maneira mais real possível. O Trabalho com Imagem é uma variação na qual o ator cria uma série de pequenas experiências imaginadas da vida do personagem baseadas nas palavras-imagens encontradas no roteiro. Isso faz com que toda a experiência do personagem ganhe vida de uma maneira que une a vidas sensorial e emocional do personagem e sua atitude de uma forma muito mais orgânica.

HT: O senhor já esteve em muitos países treinando atores. Vê diferenças significativas entre atores das diferentes partes do mundo?

RC: Sim. Há diferenças. Os brasileiros são muito bons fisicamente. A vida emocional deles tende a ser clichê, eles decidem o que a emoção deve ser geralmente com base nas tradições teatrais. As emoções não devem ser planejadas antes, devem florescer espontaneamente no momento, frequentemente surpreendendo o ator e a plateia. É o que eu chamo de “verdade inesperada”. Os britânicos tendem a ser muito bem treinados tecnicamente em voz e corpo, mas com frequência não são orgânicos. Seus melhores atores, porém, são orgânicos, pois foram expostos a alguma técnica baseada em Stanislavski. Os noruegueses e os australianos são corajosos e fazem praticamente qualquer coisa, muitas vezes criando personagens únicos e interessantes. Cate Blanchett é um exemplo. Deve ser porque têm menos tradição teatral que outros países e, por isso, menos ideias baseadas em clichês. Os franceses são ótimos atores quando param de ser intelectuais. Eles têm estilo natural e graça, faz parte da cultura. Os italianos podem ser verdadeiros gênios ou péssimos atores no estilo over da grande ópera. Não resta muito entre os dois extremos! Mas com um bom treinamento, a expressividade e a natureza apaixonada e sensual deles lhes é muito útil.

HT: O senhor já treinou atores famosos. É difícil trabalhar com celebridades?

RC: Depende da pessoa. Alguns atores célebres são uma alegria de se trabalhar, alguns são muito inseguros. Os inseguros acham que tudo que fazem tem de ser grande, porque muita gente está vendo e julgando. Isso os leva a querer controlar tudo demais em vez de correr riscos e descobrir coisas. Um ator deveria ser como uma criança curiosa, sempre explorando, imaginando, se arriscando. Eu insisto numa coisa quando trabalho com celebridades: que desliguem seus celulares e computadores. Sempre tem alguém precisando da atenção e do tempo deles e as interrupções atrapalham muito o trabalho. Mas a maioria das celebridades com quem trabalhei foi profundamente profissional.

HT: O que espera dos atores brasileiros que vão treinar com o senhor? Já viu um filme brasileiro ou uma produção para a TV?

RC: Espero apenas que os atores trabalhem duro e estejam abertos à direção. Espero que tenham lido muito o roteiro e tenham pesquisado o universo da peça ou do filme. Vi muitos filmes brasileiros, incluindo “Pixote”, “Cidade de Deus”, “Ensaio sobre a Cegueira”, “Dona Flor e seus Dois Maridos” e vários outros dos quais não me lembro os nomes. E vi novelas da Globo. Também vi pequenos filmes independentes brasileiros em festivais de cinema. Gostei bastante da maioria deles.

HT: O senhor tem uma carreira no cinema. Pretende fazer mais filmes?

RC: Escrevi dois roteiros de longas que serão produzidos na Europa. Gostaria muito de dirigi-los também. Estou à frente de produções teatrais por toda a Europa. Dirigi uma no Brasil, há muitos anos. Adoraria voltar e fazer isso de novo aqui.

Castle já trabalhou com celebridades como Michelle Pfeiffer, entre outros