Um ano após ser agredido em barracão de escola de samba, Zilkson Reis, ex-carnavalesco da Gaviões da Fiel, vive drama


O artista plástico, em março de 2022, foi encontrado desacordado no barracão da escola de samba Gaviões da Fiel, Zilkson Reis fala pela primeira vez sobre o assunto. Ainda que não tenha abordado a motivação para o evento, o profissional descreve o drama particular que vive: impedido de trabalhar, depende do auxílio da mãe e de pessoas próximas, não apenas para sua própria subsistência, mas para a dos seus três filhos. Após o ocorrido, ele afirma que apresenta problemas de visão, de memória e motores e depende de atendimento do SUS, não apenas em sua cidade, Parintins (AM), como na capital amazonense. O ex-carnavalesco da agremiação da Fiel Torcida sonha em recuperar-se plenamente para voltar à faculdade de Arquitetura. Procurada, a Gaviões da Fiel afirmou que só se posicionará sobre o assunto na esfera jurídica

Zilkson Reis era o carnavalesco da Gaviões da Fiel para o Carnaval de 2022. Às vésperas do desfile da escola de samba da torcida homônima, o artista foi internado em razão de haver sido agredido nas dependências da agremiação. Em estado grave na UTI da Santa Casa de São Paulo, o artista possuía uma lesão nas costelas que resultou em uma perfuração do pulmão, além de estar precisando de auxílio de aparelhos para respirar e, com grande inchaço na cabeça. Supunha-se, na ocasião, que isso pudesse gerar sequelas. Um ano depois do ocorrido, ainda recuperando-se, Zilkson Reis falou com exclusividade direto de Parintins (AM), sua cidade natal, como está a sua vida. Pai de três filhos, vem sendo tutelado pela sua mãe e por amigos. “Um deles, me apoiou muito. Foi ele quem pagou minhas passagens para que eu voltasse a Parintins. Afora isso, houve quem me ajudasse financeiramente, ou fizesse feijoadas e eventos para custear o dia adia. Agradeço a eles e às pessoas que oraram por mim”, disse, emocionado. E a advogada que o representa, Ana Cláudia Vieiralves, afirmou que o profissional está inapto para trabalhos artísticos, pois perdeu a plenitude motora e desenvolveu problemas neurológicos decorrentes da agressão. “Thiago Dionísio, suspeito das agressões, foi preso em maio de 2022, porém, responde em liberdade”, lembra a advogada. A defesa de Dionísio não foi localizada. Procurada, a assessoria da Gaviões da Fiel afirmou que “sobre essa situação só respondemos judicialmente”. Caso a agremiação torne a se posicionar esta reportagem será atualizada.

O que você precisa saber:

  • Em 2022, Zilkson Reis era o carnavalesco da Gaviões da Fiel. Foi encontrado desacordado no dia 28/03/2022, após sofrer uma agressão dentro do quarto que utilizava como escritório, no barracão da escola de samba paulistana. Segundo informações do jornal “A Crítica”, de Manaus, publicado à época, o Boletim Médico de Zilkson atestava que ele apresentava um coágulo na cabeça e o pulmão perfurado.
  • O suspeito da agressão é Thiago Dionísio, diretor de carnaval da agremiação, que foi preso no dia 11/05/2022, ao entregar-se ao órgão policial. Ele tinha um mandado de prisão temporária expedido por tentativa de homicídio.
  • Em razão das agressões, o artista plástico não acompanhou a conclusão dos trabalhos do desfile da escola de samba. O porta-voz do enredo da agremiação passou a ser o enredista, Julio Poloni. Na ocasião, a Gaviões emitiu duas notas oficiais. Numa delas relatava “suspeita de abuso [sexual], que o até então carnavalesco, Zilkson, cometeu”. Na outra, que estava “apurando os fatos e colaborando com as investigações sobre o caso do carnavalesco Zilkson Reis”. Já a representante de Reis declarou ao Jornal Parintins Press, que a motivação para as agressões foi a cobrança por pagamentos.
  • Segundo relatou-nos a advogada do carnavalesco, Zilkson não está mais apto para trabalhos artísticos em razão das sequelas da agressão. Encontra-se com problemas de memória e com dificuldades motoras.

Zilkson Reis: Artista plástico parintinense foi agredido no barracão de escola de samba paulistana e, com sequelas, não pode mais trabalhar (Foto: Reprodução/Facebook)

ZILKSON REIS VOLTOU À CIDADE NATAL, PARINTINS (AM) 

Um ano depois do ocorrido, Zilkson Reis evita dar entrevistas ou fazer aparições públicas. “Eu converso apenas com algumas pessoas. Quero estar bem para poder me comunicar. Atualmente, eu não estou bem, estou magro, minha cabeça não está plena”, diz. O artista mora em Parintins (AM), localizada no extremo leste daquele estado e distante em 372 km de Manaus, capital do Amazonas. “Na minha memória parece que isso não aconteceu. Ficou um espaço, não lembro de nada”, frisa. Após haver ficado no UTI em decorrência de um traumatismo craniano, o artista tem perda de memória recente ou de palavras de uso cotidiano. Relata, por exemplo, que por vezes pensa num suco e pede um café, ou precisa de um talher e pede outro. “Estou me recuperando ainda. Estava mais deitado, não conseguia caminhar. Faço fisioterapia e isso me fez voltar a andar, mas mas não tenho controle. Eu já caí do nada, sem perceber. A minha memória ainda está muito fragilizada para lembrar coisas do dia a dia, assim como tem gente que eu não reconheço, ou lembro da imagem e não recordo o nome. Como eu tive traumatismo craniano, isso é forte e pesa. Meu médico recomenda que eu saia mais vezes para que possa relembrar das coisas”, relata.

Zilkson Reis reporta que até o momento está afastado das funções laborais. “Preciso ajudar minha família e não consigo. Minha vida está assim. Sempre foi agitada e hoje está mais parada. Eu tinha problema em assistir TV, me dava dor de cabeça. A minha vista ficou muito ruim. Eu tentei fazer meus trabalhos de desenho, que é uma coisa que eu gosto, e não consegui”. Dado este que a advogada do artista reitera, já que, segundo ela as agressões afetaram sua córnea. E é ainda mais contundente:

Infelizmente ele ficou com uma sequela definitiva e irreversível. A profissão que ele exercia antes, de artista plástico, ele não poderá mais trabalhar. As agressões afetaram sobremaneira o seu estado neurológico, de modo que ele encontra-se inapto para o trabalho. Zilkson não anda nem fala direito e depende da ajuda familiares. Isso acabou com a carreira dele.  – Ana Paula Vieiralves, advogada de Zilkson

O ex-carnavalesco prossegue dizendo que seu acompanhamento médico está sendo feito pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Já a advogada Ana Paula Vieiralves relata que o artista plástico “espera seis, oito meses para conseguir atendimento. Anda e faz tudo com dificuldade”. Quando possível, os atendimentos são feitos na cidade onde o carnavalesco habita. Caso contrário, apenas na capital, Manaus. O transporte para o município sede do estado do Amazonas, é feito por barcos ou de avião. E são viagens longas e/ou custosas. Nas lanchas a jato, tanto na ida como na volta o tempo varia entre 9 e 10 horas e chegam a custar R$ 300,00.

De avião, a distância entre as duas cidades é de 1 hora, sendo assim, mais duradoura que a ponte aérea Rio-SP, e custa cerca de R$ 800. Considerando a forma mais barata de traslado, o custo da passagem varia entre R$ 75 e R$ 130. O tempo de viagem num barco tradicional no trajeto Manaus-Parintins pode levar até 18 horas. Já o trecho Parintins-Manaus, até 30h. “Tudo é custeado pela minha mãe e os meus amigos de Manaus, que me ajudam quando podem”, afirma o artista.

Ainda que esteja sob cuidados, relata o artista que “Recentemente, tive uma recaída, convulsionei e cheguei a ficar dois dias desacordado”. Como se não bastassem as condições atuais de Reis, ele e sua mãe sofreram, no último mês, um acidente de moto. “Ela colidiu contra um triciclo. Minha mãe estava conduzindo o veículo. Caímos, e não houve nada tão grave”, aponta, já que não pode deslocar-se a pé. “Não posso me esforçar porque não pode acontecer nada comigo. Eu evito ver o que produzi tanto do carnaval como no Boi de Parintins”, lamenta.

Eu estou batalhando para voltar à vida. Meus familiares me contam que os médicos disseram-me que se eu sobrevivesse era coisa de Deus. E eu estou vivo. Deus é maravilhoso. Ele me deu uma nova vida – Zilkson Reis, carnavalesco

Quanto ao procedimento jurídico, Ana Claudia afirma que ele ainda não aconteceu “no que tange a ressarcimento ou indenização”, mas apenas na esfera criminal. “Até por que precisamos juntar documentos médicos. A cidade de Parintins não tem a capacidade que uma capital tem. Aqui não há profissionais especializados, não tem como ajuizar uma ação que não vá ter validade para ele, que precisa de fonoaudiólogo, fisioterapeuta, oftalmologista”.

Segundo reportagem do G1 de 12/05/2022, Thiago Dionísio entregou-se às autoridades policiais no dia anterior ao da publicação daquela matéria. Vieiralves relata que “Dionísio já foi liberado, vive normalmente enquanto Reis segue no interior do Amazonas vivendo às custas da mãe, como um bebê”. Caso a defesa de Thiago Dionísio se pronuncie, o conteúdo será atualizado.

Ainda restabelecendo-se, Reis fala qual o seu maior sonho: “Concluir minha faculdade de Arquitetura, que comecei, mas tive de parar por conta de questões financeiras e não consegui voltar”.

Carnaval 2022 da Gaviões da Fiel. O projeto plástico da escola foi tocado por Zilkson Reis: “O que eu gostava mais de produzir eram  as partes alegórica e cenográfica”. (Foto: Reprodução/Globoplay)

O CASO 

A agressão aconteceu nas vésperas do desfile da Gaviões, no Sambódromo do Anhembi. Ao G1, o advogado da escola de samba, Ricardo Cabral, afirmou que Reis havia violentado sexualmente uma mulher, razão que motivou a agressão de Dionísio dentro do barracão da escola, na Fábrica do Samba. “A moça contou para o Thiago o que havia acontecido, e ele agindo, sem dúvida nenhuma, mediante violenta emoção  – ele confessou essa situação – acabou desferindo socos e chutes, porque tinha acabado de ser notificado de um estupro”, declarou o advogado ao site do Grupo Globo. Ainda na época, a representante de Reis, em entrevista ao Jornal Parintins Press, frisa que a motivação para as agressões eram originárias de um atraso no pagamento a ele. Através de áudios cedidos por ela àquele veículo e dos quais tivemos acesso, em conversa com João Barbosa, diretor da agremiação paulistana, um funcionário da escola relata a possível violência sexual e sugere, nominalmente, que a mulher que foi alvo do abuso foi a esposa de Thiago Dionísio.

Em 2022, a Gaviões publicou duas notas oficiais retratando-se sobre o caso. Numa, dizia estar “apurando, como entidade, uma suspeita de abuso, que o até então carnavalesco, Zilkson, cometeu. Ouvimos a vítima, uma mulher, em estado de vulnerabilidade, que nos relatou os momentos de constrangimento que passou. A fim de protegê-la fisicamente, psicologicamente e evitar um maior desgaste emocional, estamos prestando todo o apoio a ela, desde o momento da realização do boletim de ocorrência até agora. (…). Zilkson foi agredido quando ela gritou por socorro. (…) O suspeito [do estupro], não prestará serviços para a entidade. Essa decisão se dá por que nos Gaviões da Fiel Torcida, não há espaço para situações como esta e qualquer outra forma de desrespeito com a mulher”.

Depois, a agremiação publicou outra nota, onde dizia estar “apurando os fatos e colaborando com as investigações sobre o caso do carnavalesco Zilkson Reis. (…) E esclarece ainda, que não aprova nem compactua com qualquer tipo de violência por parte de seus associados, cabendo à Autoridade Policial apurar com imparcialidade as versões apresentadas pelas partes envolvidas de modo que injustiças ou medidas judiciais prematuras sejam adotadas no curso do inquérito policial. Vale lembrar que não havia expediente de trabalho no dia em questão em nosso barracão, portanto não havia motivos para nenhuma pessoa estar no local à serviço da entidade”.

As informações acima citadas são negadas por Ana Cláudia. Segundo apontado àquele momento, haveria uma reunião entre ele e a agremiação. “Soubemos que ele estava sozinho. As pessoas que o encontrariam para (uma) reunião o encontraram lesionado”, declarou Vieiralves ao jornal A Crítica, de Manaus. Noticiou-se na ocasião, algo que é relatado no mesmo áudio no qual João Barbosa e Ana Cláudia Vieiralves conversam, de que havia lesões nas costelas do carnavalesco, formação de coágulos nos pulmões, e múltiplas fraturas de face. Em 11/05/2022, Thiago entregou-se à polícia e no dia seguinte passou por uma audiência de custódia. Ele tinha um mandado de prisão temporária expedida por tentativa de homicídio, informou a polícia ao G1.

Na transmissão do Carnaval de 2022, na cartela de créditos, constam os nomes de Zilkson Reis e Thiago Dionísio, personagens do entrevero (Foto: Reprodução/TV Globo)

O ARTISTA E A ESCOLA DE SAMBA

O artista plástico Zilkson Reis assinou o carnaval da Gaviões, entre 2009 e 2017 – com exceção de 2012 e 2013 – e estava de volta à agremiação da Fiel Torcida para o desfile de 2022. À época, quando foi anunciado pela agremiação, declarou que era “Uma alegria imensa estar de volta à casa alvinegra, e me juntar novamente ao bando de loucos para fazer mais este carnaval. Agradeço ao presidente, Padinho, e ao vice-presidente, Jarrão, pelo convite e à toda Diretoria dos Gaviões pela confiança que me deram neste retorno para conduzir o trabalho (…). Agora vamos à luta com motivação e ânimo em busca de um desfile histórico. O “Basta!” vai ecoar forte na Avenida”. Naquele ano, a escola ficou com a oitava colocação no carnaval paulistano. Além da agremiação paulistana, Zilkson foi o responsável pelo desfile da escola de samba Reino Unido da Liberdade, de Manaus, no ano de 2013 e entre 2019 e 2021.