Tico Santa Cruz fala sobre Rock in Rio e o apoio ao CVV: “Depressão não é falta de Deus. É caso de saúde pública”


Conhecido pela sua forte opinião e pela coragem de falar dela sempre, Tico Santa Cruz confessa que cansou da discussão em redes sociais: “Minha energia em relação a isso se esgotou e entendi que talvez com a música eu possa atuar mais nesse sentido do que em redes sociais. Me afastei desse debate na internet e entendi que o Brasil precisa passar por esse momento, faz parte do amadurecimento da democracia”

Tico Santa Cruz (Foto: Divulgação/Rock in Rio)

*Por Karina Kuperman

Meses antes da apresentação do Detonautas Roque Clube no Rock in Rio, o músico Tico Santa Cruz fez um detox de álcool e perdeu peso a fim de se prepara para uma apresentação histórica no Palco Sunset nesse sábado, dia 28. Conhecido por ser um dos principais nomes do mundo artístico a falar abertamente sobre política na internet, Tico confessa que essa foi outra desintoxicação em sua vida: a do mundo virtual. “Existe um limite e temos que saber qual é. Eu entendi que o meu já tinha chegado, fiz o que podia no sentido de alertar, divulgar, debater… não como dono da verdade, mas sim conversas a respeito da opinião que cada um possa ter diante do cenário político brasileiro. Minha energia em relação a isso se esgotou e entendi que, talvez com a música, eu possa atuar mais nesse sentido do que em redes sociais”, nos explica, com exclusividade. “Me afastei desse debate na internet e entendi que o Brasil precisa passar por esse momento. Faz parte do amadurecimento da democracia”.

Tico em plena forma e confessou que uma das desintoxicações que fez em sua vida foi a do mundo virtual (Foto: Divulgação/Rock in Rio)

Claro que isso não foi motivo para não tocar no tema. Durante a apresentação, Tico disse que “é preciso fazer uma corrente positiva pelo momento difícil que o Brasil está vivendo”. E pediu que a platéia não evocasse nenhuma energia negativa durante a apresentação e destacou, ainda, que o país deve lembrar o exemplo de Jesus e “deixar o ódio de lado e amar ao próximo”.

Um momento emocionante do show foi a apresentação da música “Ilumina o mundo”, criada em parceria com o Centro de Valorização a Vida, para prevenção ao suicídio. Caiu como uma luva para finalizar com poesia o setembro amarelo. Em nossa conversa, Tico explicou como a causa das doenças de ordem mental tocaram seu coração: “Um fã me procurou no momento que pensava em tirar a própria vida. Foi o que deu toda ênfase na abordagem do videoclipe. Fiquei muito emocionado e abalado e entendi que talvez fosse um sinal para falar sobre esse tema. Hoje, ele faz tratamento, já está reabilitado em relação a isso. Nossa ideia é essa: mostrar que dores e problemas são transitórios. Com um pouco de calma e a orientação de um profissional você consegue enxergar outros caminhos para resolver o problema”.

No palco, Tico pediu que as pessoas se lembrassem do exemplo de Jesus: “Deixar o ódio de lado e amar ao próximo”

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

Site HT: Tico, como foi a sua preparação para mais uma apresentação no Rock in Rio? Eu li que você fez um detox de álcool, perdeu peso… sentiu essa necessidade?

Tico Santa Cruz: Já participei de duas edições do Rock in Rio e esta é a tericeira. Na verdade, sempre na véspera eu me preparei tanto fisicamente quanto psicologicamente. No Rock in Rio de 2011 fiz, durante uns seis meses, um preparo físico para o festival. É importante estar bem fisicamente, porque me movimento muito no palco e preciso de muito fôlego para cantar. Sempre tive esse cuidado de interromper o uso de álcool e fazer uma desintoxicação até energética mesmo. Porque tem que estar preparado para receber essa energia. E a responsabilidade é muito grande. Eu tive um problema de coluna no final do ano passado e estou fazendo um tratamento para trabalhar bem o ano todo, claro, mas quando fomos convocados para o RIR isso me deu um estímulo a mais para conquistar os objetivos que eu precisava pela minha saúde.

Site HT: Como analisa sua apresentação?

Tico Santa Cruz: Temos uma hora de apresentação, entendemos que dentro de um festival o público quer ouvir os hits da banda, então nosso repertório é repleto de hits do Detonautas. O Pavilhão 9 se apresentou junto com a gente, com três músicas. E também fizemos questão de levar “Ilumina o mundo”, que transmite a mensagem do Centro de Valorização a Vida, aproveitar a visibilidade do festival e lembrar que o número 188 não só para quem está ali, mas para quem está assistindo pela televisão, também. É uma oportunidade de levar essa mensagem.

Site HT: Estamos no setembro amarelo e não tem como não pensar em pessoas que lutam para dar voz à causa da depressão e a prevenção ao suicídio. Queria que você me falasse dessa causa na sua vida. Como começou seu interesse pelo assunto?

Tico Santa Cruz: O Setembro Amarelo é um mês importante, mas acho que essa questão é de saúde pública e não é tratada dessa forma. Quando não estamos bem emocionalmente a gente não rende em lugar nenhum. Deveriam existir mais políticas públicas e conscientização desse tema para além da prevenção ao suicídio a gente cuidasse das pessoas, da saúde emocional e mental, para que o país se tornasse mais produtivo. Talvez com um pouco mais de cuidado as pessoas pudessem lidar melhor com problemas do dia a dia, crises políticas, questões inseridas dentro do contexto da vida de todo mundo Quando você não tem ajuda, abordagem profissional, as coisas ficam mais nebulosas. O Detonautas sempre usa seu espaço para falar de causas importantes, já fizemos isso no clipe de “O dia que o mundo terminou“, que deu uma repercussão muito grande sobre a questão de beber e dirigir. Participamos ativamente na implementação da Lei Seca no Rio de Janeiro. Usar o espaço do artista como fonte de informação e conhecimento é uma questão que é uma das prioridades da arte. Através de “Iluminar o mundo” trazemos uma pauta que deve ser debatida sempre, para privilegiar esse assunto além do mês, mas do ano todo.

Site HT: Vocês, Detonautas, lançaram um lindo clipe em parceria com o Centro de Valorização a Vida. Acha que ainda falta conhecimento da população a respeito de doenças de ordem psicológica?

Tico Santa Cruz: Para você ter uma ideia, o número 188 que já teve bastante divulgação, é um centro que não tem ligação com o governo, ainda que já tenham chegado a milhares de pessoas, tem muita gente que não conhecia. Queríamos tratar o assunto de forma adequada, tem que ter muito cuidado em relação a esse tema para não criar nenhum tipo de gatilho. O clipe passa na TV, youtube, tem que ter cuidado com a linguagem. O CVV ajudou muito com o roteiro. No ano passado, o CVV atendeu mais de três milhões de pessoas, isso porque não é todo mundo que tem acesso. Quanto mais as pessoas souberem mais estarão instruídas a procurar tratamento adequado. Não é questão de religião, muita gente leva para esse lado de ‘falta de Deus’, mas não é. É saúde pública e deve ser tratado dessa maneira.

Site HT: Você já ajudou um fã que pensava em cometer suicídio. Como foi essa história? Como essa pessoa chegou até você?

Tico Santa Cruz: A história com o Junior, um fã que procurou no momento que pensava em tirar a própria vida, foi a que deu toda ênfase na abordagem do videoclipe. No dia tava tendo uma campanha do CVV e eu recebi uma ligação de número desconhecido no telefone, depois de muita insistência atendi e era o Junior, que estava em Miami, nos Estados Unidos, passando por um momento de muita dificuldade por causa de um entrave financeiro que ele teve e não estava enxergando solução além de tirar a própria vida. Fiquei conversando com ele por duas horas, ouvindo, porque, às vezes, é mais produtivo ouvir do que dar um conselho, e na hora de abordar a questão orientei ele a procurar a minha terapeuta, pessoa indicada a falar sobre e conduzir uma pessoa nesse momento. Foi um momento delicado, difícil, um dia complicado, fiquei muito emocionado e abalado e entendi que talvez fosse um sinal para falar sobre esse tema. Hoje, ele faz tratamento, já está reabilitado em relação a isso, e quis mostrar, com sua experiência, que é possível se recuperar. Nossa ideia é essa: mostrar que dores e problemas são transitórios. Com um pouco de calma e a orientação de um profissional você consegue enxergar outros caminhos para resolver o problema.

Site HT: Me fala um pouco do Rock In Rio: o que você acha desse evento tão múltiplo? Hoje o RIR tem de Elza Soares a DJs, passando por Drake, vocês…

Tico Santa Cruz: O Rock in Rio é um festival que desde o início, em 1985, se propõe a mostrar a diversidade. A gente vive em um país de diversidade musical, cultural. Naquela época, em 1985, que entraram no line up Zé Ramalho e outros que não eram do gênero do rock, demonstrando o apreço que o festival tem por outros gêneros. E olha que naquela época o rock era muito mais forte, aglomerava mais pessoas. A cada edição, o Rock in Rio se transforma em plataforma muito maior para diversidade, com espaços que envolvem funk, hip hop… é positiva a diversidade. A experiência do RIR não está ligada só ao palco Mundo ou Sunset, mas é oportunidade de o público ter contato com outras manifestações. Me assusta, em pleno 2019, as pessoas dizerem que o Rock in Rio precisa mudar de nome ou não aceitar outros gêneros. Se fosse só de rock com certeza não faríamos em sete dias, talvez em 3, e não reuniríamos a quantidade de pessoas que temos, porque o Rock in Rio se transformou em mais do que música. É um festival de experiências, muito positivo para o país. Já participei tocando e também como expectador e conheci muita coisa, não só ligada aos palcos principais. Essa pluralidade é uma virtude indiscutível do festival.

Site HT: O rock ontem e hoje. O que mudou no ritmo?

Tico Santa Cruz: O rock hoje não é o estilo mais ouvido do mundo como já foi em outras épocas, principalmente nos Estados Unidos, referência do estilo. Hoje o hip hop tomou conta, os primeiros lugares nas paradas de sucesso já não têm mais o rock como protagonista, mas é uma fase cíclica. Em outros momentos, o rock ditou o ritmo do jogo e hoje o hip hop faz isso. A forma de consumir música também mudou muito. Hoje em dia as pessoas têm acesso a músicas pelo streaming, o que acabou colocando o rock dentro de nichos, as pessoas ouvem de tudo. É difícil alguém, um jovem principalmente, escutar um disco inteiro de um artista. É sempre uma playlist, um single. Isso é outra forma de se relacionar com música do que como eu ouvia, por exemplo. Eu tinha o hábito de colocar o CD para tocar, ler o encarte, as informações, as letras das músicas… leva um tempo para fazer isso. Hoje em dia muita gente nem tem mais CD player, nada, é tudo celular, o que facilita o acesso a outros estilos e diversidade. No Brasil, o rock perde protagonismo talvez por desorganização. Tivemos oportunidade nos anos 80 e 90 de criar estrutura profissional, mas não nos organizamos e quem conseguiu fazer isso de forma muito bem feita no sentido de estar no mainstream foi o sertanejo, que se organizou e conseguiu tomar todos os espaços. Claro que nada é eterno, mas em termos de estrutura o rock desfruta de 3% de mercado. Espero que consigamos nos organizar, tomar espaço, e que os rádios, televisões, entendam que o rock também é arte da música brasileira, que abram espaço pra apresentações, para novos artistas. Isso oxigena o ritmo.

Site HT: Recentemente a Levi’s fez um evento com várias novas vozes. Aliás, muitas vozes tem surgido da periferia do estado atualmente. O que você acha?
Tico Santa Cruz: Já participei como curador de um projeto muito legal da Levi’s, na época voltado para o rock. Essas iniciativas que buscam dar visibilidade para novos artistas são incríveis, porque muitos estão buscando espaço para mostrar sua arte. A garotada mais nova, de 12, 13, 15, 17 anos, é que está mais aberta a ouvir coisas novas. Os jovens estão mais conectados com a diversidade de estilos e novidade. Existem pesquisas que mostram que depois dos 27, 28 anos, as pessoas têm certa resistência ao novo. Isso acaba engessando de abrir o ouvido e escutar o que está vindo. É um exercício que podemos fazer com nossos filhos – quem tem – de parar um pouco e ouvir o que eles estão ouvindo. É estar aberto para coisas novas. Isso é legal. E iniciativas como a da Levi’s são ótimas.

Site HT: Tico, você é um dos caras mais engajados politicamente na classe artística. Como tal, claro, acaba tendo muito hate nas redes sociais. Como lida? Vi que você fez um detox de redes sociais, também.

Tico Santa Cruz: Eu considero que meu engajamento político existe desde o começo da minha vida adulta e, como artista, ele se expandiu e acabou se atrelando a minha música e ações através dos ocorridos no Brasil nos últimos anos. Mas existe um limite e temos que saber qual é. Eu entendi que o meu já tinha chegado, fiz o que podia no sentido de alertar, divulgar, debater… não como dono da verdade, mas a respeito da opinião que cada um possa ter diante do cenário politico brasileiro. Minha energia em relação a isso se esgotou e entendi que talvez com a música eu possa atuar mais nesse sentido do que em redes sociais. Me afastei desse debate na internet e entendi que o Brasil precisa passar por esse momento, faz parte do amadurecimento da democracia. Eu prezo muito pela democracia. Independente de governo, direita ou esquerda, a liberdade de pensamento tem que ser preservada. Minha luta sempre foi e sempre será pela democracia e direito de liberdade de expressão, claro, de forma respeitosa, sem ferir a existência de ninguém, mas combatendo qualquer tentativa de interromper o fluxo cultural, artístico, científico, que precisamos produzir pra nos tornar uma nação que cresce.

Site HT: Qual a importância de celebridades e pessoas conhecidas falaram sobre política, nossas florestas, o meio ambiente? E qual sua opinião sobre o atual momento do país?

Tico Santa Cruz: Pessoas públicas falando a respeito de um tema fazem com que ele atinja muita gente. Mas é importante que essas pessoas busquem conhecimento. Não adianta ser uma pessoa influente e dar opinião sobre o que não domina. Tem coisas que são fato: questão ambiental, ecológica, precisa de embasamento e conhecimento para falarmos. Questões científicas não são opinião, como se tem discutido assuntos tipo terra plana, etc. Isso é um retrocesso em termos de pensamento. Estamos falando de ciência, não de opinião. É importante saber a linha que vai adotar e estudar a respeito disso para trazer luz, não trevas.

Site HT: Quais os planos para o futuro?

Tico Santa Cruz: Detonautas pretende lançar mais um ou dois singles e pensar em 2020. Nosso horizonte está aberto para muitos planos.

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