* Por Carlos Lima Costa
Com um trabalho incrível nas redes sociais (ela tem 2,5 milhões de seguidores) propondo a quebra de preconceitos e padrões estéticos, reforçando sua militância gorda, que vai além do body positivity, como a luta pela conquista de direitos básicos no transporte público e na saúde, por exemplo, a militante gorda e digital influencer Thaís Carla – que integrou o grupo de balé da cantora Anitta –, a partir da eterna experiência difícil ao procurar peças de roupas íntimas e sensuais as quais pudesse usar também na hora de dar vazão a seus fetiches, decidiu lançar a Alitasex, marca de lingeries e fantasias sensuais, que inicia na numeração G até o tamanho que a cliente quiser.
“Já existia em mim a vontade de começar a empreender. Por constantemente me frustrar ao perceber a falta de olhar e cuidado para as gordas maiores, vi a oportunidade perfeita para entrar no mundo dos negócios indo de acordo com minha luta e exercendo o papel da inclusão quando se trata de produtos sensuais para gordas maiores. A intenção da marca é proporcionar amor próprio, aumento de autoestima e liberdade sexual para as mulheres gordas, que por anos foram invisibilizadas e excluídas deste segmento de mercado”, pontua ela que é casada e mãe de duas meninas.
O resultado foi o esperado, conforme Thaís confirma pelas inúmeras mensagens que vem recebendo: “As mulheres dizem que estão muito felizes e representadas ao poder, enfim, comprar uma lingerie mais sexy ou fantasias e se sentirem pertencentes, bonitas e desejáveis nos corpos que tem”, acrescenta sobre a linha, cujos produtos podem ser adquiridos pelo site alitasex.com.br.
Sobre o tema, Thaís prossegue afirmando que o mercado sempre seguiu a ditadura dos padrões impostos pela sociedade. “Podemos observar, por meio da publicidade, como apenas os corpos magros ocupam o espaço da sensualidade no mercado. As gordas sempre tiveram dificuldades para encontrar peças que lhe cabem. Vivi essa experiência durante anos, essa falta de opções no mercado, como se nós não pudéssemos ser sensuais ou como se não existíssemos”, desabafa, acrescentando: “Para além disso, existe a massificação de um discurso de que mulheres gordas seriam feias e improdutivas e, por isso, jamais alcançariam uma posição mais sensual ou desejável. É um trabalho de desconstrução e reconstrução ao mesmo tempo”, enfatiza.
Independentemente de qualquer fato, Thaís sempre teve seus fetiches e gostou de usar fantasias. “Como tinha dificuldade em encontrar as peças que gostaria, sempre tive que customizar, me reinventar para praticar meus fetiches. É curioso pensar que as pessoas acham ‘exótico’ uma gorda maior ter fetiches e gostar de fantasias, quase como se fosse proibido aos nossos corpos desejar, ter prazer”, avalia.
Em sua trajetória profissional, Thaís ganhou muito destaque ao trabalhar como integrante do grupo de balé da cantora Anitta, quebrando tabus impostos pela sociedade e se tornando inspiração para várias mulheres. “Desde pequena sempre fui minha própria referência. Justamente por não encontrar pessoas que me representassem ou que eu pudesse ter como inspiração. Assim, me sinto feliz por hoje ser uma referência. É muito legal ver que garotas, adolescentes, como fui há algum tempo, têm em quem se inspirar, em quem se enxergar de alguma forma. Ainda não consigo avaliar o impacto disso, mas sei que é extremamente importante e curativo”, observa ela, aos 29 anos.
Mas aponta que, apesar de seguirmos em um caminho de mais inclusão de pessoas gordas hoje em dia, ainda falta muita representatividade. “Sinto a falta de espaço para gordas maiores. Não vemos com tanta frequência em grupos de dança, ações publicitárias, em um reality show, dentre outros programas, corpos diferentes do ‘padrão’ magro. Sem falar no acesso ao básico, como saúde, emprego, etc. Falta despatologizar o corpo gordo e humanizá-lo. Ainda existe um longo caminho a percorrer, mas já iniciamos o percurso”, comenta ela, que nacionalmente chamou atenção do público pela primeira vez ao participar do Se Vira nos 30, quadro do extinto programa Domingão do Faustão.
Em sua trajetória como influencer digital, ela promove reflexões sobre a quebra de preconceitos e padrões estéticos. Não considera uma luta fácil. “É difícil, porque até os algoritmos das redes sociais são gordofóbicos. Já tive diversas fotos apagadas por serem consideradas conteúdo impróprio, mas fotos parecidas postadas por influencers magras, continuavam sem problemas. Mas acredito que é uma luta que vale a pena. Ver que consigo influenciar e motivar outras pessoas, me faz feliz e satisfeita com meu trabalho das redes sociais”, observa.
É com carinho que se expressa sobre essas mulheres. “Recebo muitos comentários de pessoas que me têm como inspiração para cultivar o autoamor e a autoaceitação. A força destas pessoas me faz produzir mais conteúdos e continuar com minha militância gorda e com a luta contra a gordofobia”, assegura.
E avalia o outro lado da moeda, influencers magras que muitas vezes podem provocar um desserviço à sua causa. “Existem muitos perfis que abordam sobre dietas, padrões de beleza inalcançáveis, além da romantização dos corpos magros. O problema é que muitas pessoas que acompanham esse tipo de conteúdo, podem sofrer consequências como queda na autoestima, distorção de imagem e uma busca incansável por um padrão tóxico. Um dos meus papéis nas redes sociais é a educação dos olhos, mostrando meu corpo real para que mais pessoas entendam que o importante é sermos quem realmente somos, independente de peso, aparência ou estilo de vida”, afirma.
Thaís conta que sempre esteve acima do peso considerado “padrão” pela sociedade. “Sempre fui gorda e foi na infância que comecei a dançar. Sofria preconceitos com meu corpo, mas como meu foco ali era a dança, não me importava com os comentários. Nunca tive problemas com a minha autoestima por causa das conversas constantes que tive com a minha família. Isso fez com que eu sempre me sentisse bonita e não ligasse para as opiniões alheias”, conta.
Mas, claro, sua trajetória é de superações. Sempre precisou provar sua capacidade devido ao preconceito. “Até hoje minha luta principal é pela conquista de direitos básicos, como assentos adequados nos transportes públicos e restaurantes, além do atendimento adequado para pessoas gordas com macas e equipamentos apropriados para corpos maiores nos atendimentos de saúde. Mas acredito que seja uma longa batalha, justamente por não existir políticas de inclusão para as pessoas gordas. Atualmente, possuo condições melhores para ter meu carro e não passar por humilhações diárias, mas já enfrentei diversas dificuldades, como não conseguir subir no transporte público e precisar me preocupar com o tamanho da porta dos estabelecimentos. Mas precisamos ter essa inclusão disponível para todas as condições sociais, queremos apenas nossos direitos básicos”, analisa. “Não me peso e não tenho preocupações em relação a isso. Foco em cuidar da minha saúde e em fazer com que outras pessoas passem a se amar mais como são”, reforça. E garante que a saúde vai muito bem. “Está tudo ótimo. Tenho alimentação saudável e pratico exercícios regularmente, nada fora do normal”, diz.
E não foi o fato de ter sido bailarina da cantora Anitta que fez dela uma mulher empoderada. “Na verdade, quando participei do quadro de bailarinas da Anitta consegui visibilidade para mostrar quem sempre fui. Sou empoderada desde minha infância. Por sempre ser minha própria referência, isso fez com que eu conquistasse esse empoderamento”, se posiciona.
“Nunca tive problemas para arranjar namorado, sempre fui bastante soltinha, tive autoconfiança, talvez por causa da dança. Sempre fui eu mesma e não tive muitos problemas em relação a isso”, explica ela que há seis anos compartilha a vida com Israel Reis. “Nos amamos muito e celebramos diariamente o nosso amor, o nosso encontro, a família que construímos juntos e que é a minha maior conquista. Temos duas filhas (Maria Clara e Eva) lindas, saudáveis, inteligentes e amorosas. Trabalhamos muito para criá-las em um ambiente acolhedor, amoroso e que elas cresçam sabendo que são muito queridas e que podem ser tudo que quiserem ser, sem que a sociedade e os padrões as limitem”, ressalta.
Thaís lembra que durante as duas gestações sofreu muito com a gordofobia médica. “Qualquer sintoma atípico que eu tivesse, a causa era sempre pelo fato de eu estar gorda. Não tive opção de escolha no parto, precisei fazer cesárea nas duas vezes por causa do meu peso”, recorda ela, que se tornou mais guerreira com o nascimento das meninas. “Com a chegada das minhas filhas adquiri maturidade e mais força. Quero construir um mundo melhor para elas”, se emociona.
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