*Por Brunna Condini
A segunda temporada da série Homens?, criada e protagonizada por Fábio Porchat, encerrou recentemente sua exibição pelo canal Comedy Central, mas continua disponível no Amazon Prime Video, e através do humor, a produção segue falando do machismo, mostrando o que muitos homens ainda precisam desconstruir. Mas além disso, nesta temporada, a potência feminina se destacou para enriquecer os pontos de vista, já que a proposta da série nunca foi ter as mulheres como pano de fundo.
Encabeçando esse time, está Giselle Batista, que chamou à atenção com sua empoderada Natasha. A personagem cheia de personalidade, inteligente e livre, se relaciona com os amigos vividos por Porchat (Alexandre), Gabriel Godoy (Gustavo), Raphael Logam (Pedrinho) e Gabriel Louchard (Pedro), e chega grávida à segunda temporada, de um dos quatro. Na pele de Natasha, o machismo é abordado, sem perder o humor, mas dando seu recado, abrindo o caminho para discussão de temas que ainda são tabus como sexo, aborto, e liberdade sexual.
Por que uma mulher que é dona do seu querer ainda é censurada? “Já caminhou muito, mas ainda existe julgamento com as mulheres que entendem que são donas da sua vida e podem fazer o que desejarem. Como se a nossa liberdade sexual tivesse a ver com caráter. Uma liberdade que os homens têm e não é contestada. Claro que tudo isso é fruto do machismo enraizado em nossa sociedade. Acho também, que ainda se fala muito pouco sobre sexualidade, apesar da minha geração já vivê-la com mais liberdade, mas existe repressão e tabus. Ninguém deve dizer à uma mulher qual é o seu lugar, nós escolhemos, devemos estar onde quisermos”, analisa Giselle.
Para a atriz de 34 anos, a liberdade sexual feminina deve ser tão natural como a dos homens. “Me identifico com a Natasha. Ela faz o que deseja. O machismo é limitador, castrador. E também é ruim para os homens, que se colocam neste papel de provedor, protetor, de não poder ter sensibilidade, fraquezas. Por que um menino não ganha panelinha, boneca? Ele pode ser pai, então também pode aprender a cuidar desde cedo. Pode gostar de cozinhar, virar um chef, por exemplo. Não curto essa história de brinquedo de menina e de menino. Por que brinquedo ter gênero? Tem que perguntar do que a criança gosta, é melhor”, reflete. “Tenho muita fé nas novas gerações. Vejo amigas minhas que são mães, lidando de maneira diferente”.
Irmã gêmea da também atriz Michelle Batista, Giselle conta que em casa o tema sempre foi conversado com naturalidade. “E meus pais são de outra geração, mas sempre falamos sobre sexualidade. Minha mãe, Maria das Graças, e meu pai, Genival, são casados há 40 anos. Minha mãe casou virgem, porque era assim na época. Mas ela nunca nos estimulou a reproduzir isso”, diz a atriz, que também é irmã de Bruno. “Nessa sociedade patriarcal acredito que todo mundo já experimentou o machismo até mesmo na família, sou muito agradecida por ter um irmão mais velho que sempre foi muito nosso parceiro. E sei que a realidade de muitas mulheres ainda hoje, é a opressão. Precisamos continuar falando sobre isso para que tenhamos outra realidade”.
Giselle acredita que o preconceito de gênero também precisa ser observado além “bolha”. “Existem lugares, universos, menos machistas, mas temos muitas realidades no país, é preciso um trabalho constante de conscientização. Ainda escutamos a frase: “essa é pra casar!”. Ainda ganhamos menos em muitas funções”, aponta. “Os homens que desejam desconstruir o machismo, precisam ouvir as mulheres ao redor. Acho que na verdade, o aprendizado é válido para homens e mulheres”.
E dá um exemplo do machismo estrutural, que estimula a rivalidade feminina: “Quando eu nem sabia o que era feminismo, sororidade, fui muito comparada com minha irmã, a Michelle. Muita gente para elogiar, dizia que eu era melhor atriz que ela. Porque não diziam apenas: você é boa atriz. Nem sabia o que era feminismo, e já não deixava nos compararem, colocarem a gente nesta posição. A sociedade rivaliza as mulheres desde sempre. A vida fica mais fácil se engolimos todos os sapos. Mas se não falarmos, fica difícil a mudança. Cada um pode contaminar em volta com ideias mais legais, mais positivas. Eu acredito nisso, cuidar do entorno. Mas maturidade é: hoje escolho minhas batalhas”.
Aborto
Na série, Natasha vive o dilema de seguir com a gravidez ou não. Você já passou por algo parecido? “Nunca, mas toda mulher da minha idade conhece alguma mulher que já abortou. Sabemos que o aborto no Brasil é feito. A diferença é que meninas pobres fazem em lugares insalubres e morrem muitas vezes”, aponta. “Você pode abordar o tema de uma questão religiosa ou não. É é muito pessoal. Ninguém estimula o aborto e acho que deve ser uma das decisões mais difíceis que uma mulher toma. Esse é um dos temas mais sérios que a série aborda. A questão é descriminalizar. Nos países que isso aconteceu, não se cresceu o aborto. As mulheres apenas tiveram mais amparo, estrutura, tanto psicológica para tomar essa decisão, como médica”. E finaliza, sobre o tema: “Tenho total empatia pelas mulheres que passaram por isso e precisaram fazer o procedimento, e gostaria que elas tivessem feito com amparo. No Instagram, as pessoas vêm falar comigo, mulheres contando deste tipo de experiência”.
Ironias do amor
Namorando há sete anos o artista plástico Otávio Pandolfo, da dupla OSGEMEOS (ao lado do irmão Gustavo), ela conta que está isolada ao lado dele, em seu apartamento em São Paulo. “É um privilégio estar em quarentena neste momento, precisamos reconhecer, apesar de toda a situação externa. Então, nós dois estamos bem juntos neste período, até porque antes, nossa rotina era mais intensa”, divide a atriz, que mora no Rio de Janeiro.
Como é namorar alguém que também é gêmeo? “Foi ironia da vida, achava até estranho no início”, recorda. “Nos conhecemos em uma festa no Rio, de um trabalho que eu tinha feito. Ele nem sabia que eu era gêmea.E nestes sete anos, já saímos muito juntos, eu e minha irmã, o Ota e o Gustavo. Somos todos muito amigos, mas era estranho o olhar das pessoas para nós, quatro gêmeos. Pintava até boato que minha irmã estava namorando o irmão dele”.
Giselle revela que ser mãe é um projeto na vida. “Tenho 34 anos e já penso nisso. Quero deixar rolar, mas desejo ser mãe. Vim de uma família grande, minha mãe tem 16 irmãos e meu pai nove. Os filhos vão chegar, não sei se da barriga, adotados, mas com certeza não serão 16”, diverte-se. “E também não planejo procriar gêmeos (risos). Até porque, não tem comprovação genética disso”.
Ela conta ainda, o tem feito em sua rotina de recolhimento. “Faço crochê, macramê, adoro plantas. Tenho feito vídeos cantando e tocando violão também, tentado não me julgar. A gente cresce e se leva a sério demais, fica mais exigente, com medo de errar. Acho que todo mundo tem o direito de experimentar as coisas. Estou fazendo isso”, diz. “Além disso, com a pandemia, uma continuação da série ficou em suspenso. Então, tenho feito vídeos para o canal que tenho com a minha irmã, o GiMi, em que falamos sobre feminismo, botânica, viagens, culinária e outros assuntos atuais. Nesta terça-feira, inclusive, vai ao ar um vídeo novo, com Cátia Damasceno, especialista em sexualidade feminina. Vamos falar, entre outras coisas, sobre uma matéria que saiu estes dias, dizendo que na quarentena aconteceu um aumento da compra de brinquedos eróticos”.
Liberdade
Ainda falando sobre fantasias e apetrechos eróticos, Giselle, uma mulher bem resolvida, comenta sobre prazer e a própria sexualidade, também sem tabus. “Tenho brinquedos eróticos, explorar a sexualidade é algo natural. Ou deveria ser. Até entendo a mulher que no início sente alguma vergonha de comprar, mas é algo natural. E depois, você passa a ir e sair com a sacola cheia”, brinca. “É um universo bem interessante e lúdico também”.
E completa: “Ainda tem muito homem que se constrange, se sente ameaçado, achando, por exemplo, que a mulher vai gostar mais do vibrador do que dele. Tanto, que geralmente em um casal heteronormativo, é a mulher que sai em busca das fantasias. A ideia não é que o parceiro se sinta diminuído com os brinquedos eróticos, mas que tudo venha para completar, somar. Eu não tenho medo de viver coisas novas , experimentar”.
Artigos relacionados