O aviso já havia sido dado aos convidados desde o começo da última semana, quando Alexandre Herchcovitch mandou distribuir os convites para o desfile de apresentação de coleção Inverno 2016: “vá de transporte público”. E a mensagem não podia ter sido mais clara. No lugar do tradicional convite em papel, o estilista enviou um Bilhete Único (passaporte usado para recarregar créditos usados em metrôs e ônibus) com R$ 7 depositados, isso é, a ida e a volta para o Edifício Matarazzo, sede da Prefeitura de São Paulo, no Centro da cidade, garantidas. E, como não poderia ser diferente, no começo da tarde de domingo (dia 18), Herchcovitch deu o exemplo e entrou em um dos trens do metrô da capital para dar start na 20ª edição da São Paulo Fashion Week, onde contou uma história de boudoir sobre amor, perda, perversão, sexo e poder.
O motivo desse convite inusitado para a turma fashionista, amante do glamour? “É uma maneira de as pessoas conhecerem a cidade em um dia em que ela não está tão cheia, como hoje, um domingo. Muitas delas, como eu, usaram (o transporte público)”, explicou o estilista ao HT, após o desfile, ainda na correria e cansado. E Alexandre Herchcovitch não esteve só nessa. O consultor de estilo Jackson Araújo optou por ir de ônibus ao evento. Para ele, é o melhor jeito de se andar em São Paulo.
“Utilizar o transporte público é essencial em qualquer situação de convivência saudável entre cidadãos e as cidades. Não existe mais nenhum projeto político, social e econômico que tenha a mobilidade como pauta”, disse, reforçando que Prefeitura de São Paulo vai na contramão, realizando um bom trabalho no que tange o transporte com ônibus e metrôs. Para Jackson, além de ganhar com o incentivo de se deixar os carros nas garagens, São Paulo só tem a crescer com um novo olhar sobre o Centro, onde foi realizado o desfile. “A cidade trouxe de volta a importância do Centro, que é o coração criativo. O fato de os locais abandonados serem tomados pelas pessoas faz parte de uma reflexão em que, se o lugar está decadente, você tem de revitalizar. E temos que ocupar de todas as formas. Encontrar o Centro é muito importante, porque o paulistano passa a fazer parte da própria história dele”, opinou o fashionista, que entendeu o convite de Alexandre Herchcovitch como “irônico e questionador”.
Colega de opção pelo transporte público, o estilista Reinaldo Lourenço, que apresenta sua coleção para o Inverno 2016 na quarta-feira (dia 21,) no Espaço Niemeyer da Bienal do Parque do Ibirapuera, embarcou no Terminal Intermodal Pinheiros para prestigiar o amigo Alexandre na fila A. E, para Reinaldo, nada dessa história de fazer muito barulho por uma simples andada de metrô. “Vim de transporte público em um ato normal como qualquer cidadão. Menos, gente. Não precisa disso tudo. Eu pego metrô, minha costureira, qualquer pessoa. Minha fábrica é aqui pertinho do Centro e não tem melhor forma de transporte para se chegar aqui”, tratou logo de não fomentar o debate. Numa sequência de cadeiras à esquerda de onde estava sentado o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, o estilista acha que “a região ainda é marginalizada e que precisa ter atenção dos dirigentes. Poderia ser bem mais explorada”, frisou.
O que leva HT, obviamente, a dirigir a palavra a Fernando Haddad, que também foi prestigiar o desfile ao lado da primeira-dama, Ana Estela. “Quando o Alexandre veste as pessoas, ele está tentando também fazê-las olharem de outra maneira para uma simples roupa. E a cidade é assim também. Temos que usar o que ela tem de bom, o que está estruturado. Não deixa de ser moda, se você faz diferente”, opinou. O prefeito, que garantiu ter usado o transporte público, e que durou só “cinco minutinhos” e “foi tranquilo”, comentou como um bom político às vias de um novo pleito municipal. “Segundo as últimas pesquisas, cada vez mais gente opta por mobilidade alternativa, como as ciclovias. Vim de ônibus, pela faixa exclusiva, sem trânsito e tudo de bom”, relatou.
Fazendo coro ao discurso de Haddad, Paulo Borges, idealizador e diretor criativo da São Paulo Fashion Week, acha “maravilhoso” o incentivo da Prefeitura às ciclovias. “A cidade é das pessoas, e não é somente dos prédios e carros. No momento no qual você começa a usar a cidade de uma maneira verdadeira também vai cuidar dela. O Alexandre quis ser objetivo em mostrar para as pessoas como é fácil chegar de transporte público ao Centro, por exemplo”, opinou ele que descarta essa ideia do fashionista perder a aura glamourosa por deixar de andar a bordo de um carro com motorista. “Não é questão de perder o glamour e sim de ser contemporâneo. Todo mundo quando viaja para o exterior anda de metrô e de ônibus. Em Paris, Londres ou Nova York. E tem que andar aqui também, porque a gente tem mobilidade sim”, defendeu.
O diretor criativo Giovanni Bianco (parceiro profissional de Madonna e responsável pela estética de “Bang”, último clipe de Anitta) afirmou: “É super importante todo mundo ter alternativas, a partir do momento em que a cidade está virando um caos e você não consegue mais andar nem de um lado, nem do outro. Toda opção é válida e o Alexandre, como é muito inteligente, deu essa grande mensagem”. Ele ainda acrescentou: “As pessoas têm que aprenderem a andar em transporte coletivo. Mas, a partir do momento em que a cidade não oferece bons transportes, você fica com menos alternativas. Tem transporte, mas é precário”, criticou.
Com um visual andrógino e bigodinho mustache pintado no buço, a escritora Fernanda Young, grande amiga de Herchcovitch, conseguiu um tempo em suas produções (ela vai assinar a série “Advogada do Diabo” na TV Globo, está às vias de estrear “Odeio segundas”, no GNT, e ainda lançará o livro “A mão esquerda de Vênus”), para prestigiá-lo. E foi autêntica: “Eu não vim (de metrô), e, sinceramente, a minha vida com quatro filhos e trabalhando não dá. Eu deveria ter uns 20 anos a menos para conseguir ter um ritmo para andar de metrô aqui”, compartilhou. Ok, Fernanda, a gente compreende, mas e essa história de um novo olhar para o Centro?”Está mudando sim. Como em todas as grandes cidades que têm centros históricos, bonitos e estéticos, como São Paulo, é inevitável que esse Centro seja trazido para a população, e não jogado às baratas e à miséria”.
Também ali no burburinho da abertura da maior semana de moda da América Latina, Costanza Pascolato interpretou o convite de Herchcovitch como um link direto com sua moda. “Ele, quando começou, trouxe uma linguagem mais acessível, que era a da noite, para a passarela. Alexandre nunca quer esquecer que a gente vive nesse mundo (normal). Ele pretende que tenhamos a possibilidade de estar no mundo de hoje, e não completamente afastados, mesmo tendo que fazer o exercício de estilo”, explicou Costanza que reitera a ideia do convite-Bilhete Único como uma espécie de aviso para a turma do glamour: pé no chão. Aliás, de metrô, ônibus, carro ou a pé, é melhor preparar a panturrilha, porque a 20ª SPFW só está no começo. Haja Bilhete Único, andadas pelo Centro e disputa pela fila A.
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