Spartakus Santiago: “A onda conservadora é uma resposta aos avanços da comunidade negra, LGBT e feminista”, afirmou o youtuber


Há dois anos, o jovem produz vídeos no seu canal de forma didática a fim de combater a reprodução de discursos racistas e homofóbicos na sociedade

São muitas as bandeiras para serem hasteadas e Spartakus Santiago sendo negro, nordestino e LGBT faz questão de colocar cada uma delas a alto mastro utilizando da voz para elucidar da maneira mais didática possível sobre questões envolvendo racismo e homofobia. Contra o conservadorismo e os preconceitos estruturais, o youtuber se arma do seu canal e é prova do poder dado às minorias através da internet e a importância da cadeia do empoderamento. “O YouTube é uma visão do futuro, um espaço para qualquer narrativa e debate. É a democratização da mídia em que qualquer pessoa pode ser ouvida. É revolucionário”, destacou Spartakus, que através dessa mesma ferramenta mobilizou centenas de pessoas para o ato, ocorrido no último domingo, em boicote ao supermercado Extra, onde um jovem foi morto pelo agente de segurança do local. “Ser negro é ter medo de sair na rua, de ir às compras e ter medo de morrer”, disse no vídeo postado no sábado e continuou: “Todo mundo sangra a mesma cor, mas é só uma cor que sangra. Não vem dizer que ninguém solta a mão de ninguém, porque pegar na nossa mão é pegar na mão de bandido”, concluiu.

Spartakus junto com coletivos negros se reuniram no supermercado Extra, na Barra da Tijuca, para o ato contra a morte do jovem Pedro Gonzaga (Foto: Instagram/Divulgação)

O youtuber ganhou visibilidade ao falar sobre apropriação cultural e atingir quatro milhões de pessoas em dois dias. “A partir disso, eu resolvi continuar falando dessa forma, pois vi que era uma ferramenta para educar as pessoas através das redes sociais”, contou Spartakus, que é formado em publicidade, mas, desde julho do ano passado, se dedica unicamente ao canal. “Eu vejo a representatividade através do meu canal de várias formas, principalmente, pela desigualdade racial no veículo, em que a maior parte dos youtubers são brancos e é preciso que ocupemos um lugar. É um espaço muito importante por permitir o debate”, afirmou Spartakus que acrescentou: “Muitas vezes, as pessoas reproduzem preconceitos que aprenderam na escola, dentro da família e é preciso entender um pouco mais daquilo que elas estão falando para compreender que estão erradas. É um trabalho didático mesmo”.

Formado em publicidade, Spartakus Santiago usa há dois anos o seu canal no YouTube para falar sobre temas importantes na sociedade (Foto: Divulgação)

Spartakus admitiu que apesar da plataforma dar oportunidade às minorias, ela também pode prejudicar outras pessoas. “A internet é como o fogo, Pode ser usado para aquecer ou para destruir. A mesma internet que deu voz aos pequenos é a mesma internet que espalha fake news, e que foi um lugar de vitória nessas eleições. Pode ser usada para ajudar a sociedade ou para trazer pessoas ao poder”, ressaltou Spartakus, que foi alvo de mentiras nas redes sociais por, segundo ele, ter se posicionado contra o candidato da direita. “É horrível, mas é o Brasil que estamos vivendo. O medo sempre vai existir, porque antes disso teve a morte da Marielle. Mas eu sei que só incomodei, porque o meu trabalho é relevante. Eles querem calar as vozes que vão contra e não têm limites para isso. Inventam mentiras e destorcem. É uma máquina de ódio, mas eu vou continuar resistindo”, analisou.

E a incessante resistência levou o apresentador a ter o seu trabalho no acervo permanente de uma das mais importantes instituições culturais do Brasil, o Museu de Arte de São Paulo; “Foi a maior vitória da minha carreira. O vídeo que eu fiz com mais dois amigos sobre dicas de segurança durante as eleições e pegamos o texto do Rodrigo França. Não só viralizou como chegou na mídia nacional e internacional e ao Masp, que colocou o vídeo no acervo permanente. O trabalho de youtubers entrou para o maior museu da América Latina junto com obras de dois mil anos de criação. Isso para mim não tem preço”, relembrou.

E o empoderamento facilitado por perfis de debates como o de Spartakus pode ser visto na rua. É só olhar para o lado e notar os cabelos black powers por aí. “O empoderamento estético foi o primeiro passo. O Brasil é negro e as pessoas negras também tm que ter cabelo de negro e isso estava desconfigurado e, agora, as pessoas estão entendendo que podem amar o cabelo natural sem precisar mudar a forma dele”, disse o youtuber que passou por essa aceitação aos 22 anos. ”Desde pequeno, a minha família sempre dizia que o meu cabelo era ruim, que eu tinha que cortar para ficar arrumado. E só adulto eu me questionei porque eu cortava tão baixo. E é incrível perceber que dá para ser bonito sem seguir um padrão”, afirmou.

Assuntos que envolvam racismo e homofobia são didaticamente explicados por Spartakus (Foto: Divulgação)

Nos últimos anos surgiram novos perfis na plataforma deixando claro a diversidade brasileira e a oportunidade de dar lugar a diferentes discursos. Entretanto, uma onda conservadora parece ter crescido na mesma proporção. “Estava tudo caminhando para um contexto positivo, mas, agora, estamos convivendo com ideias de negação da história, como aquelas pessoas que dizem com firmeza que a escravidão nunca existiu e que o racismo já foi estudado e comprovado e, portanto, é vitimismo. Está tendo uma luta de narrativas. Mesmo com essa onda contrária quero acreditar que o mundo está melhorando e as questões estão sendo debatidas”, destacou Spartakus, acrescentando: “A onda conservadora é uma resposta aos avanços da comunidade negra, LGBT, feminista. São pessoas que não querem abrir mão dos seus privilégios e que aproveitaram do machismo, racismo e homofobia da sociedade para usar isso politicamente e alcançar o poder. Há retrocessos, mas eu acho que não estamos em 1964. Hoje existe a internet”.

A internet e o YouTube permitiram que as minorias pudessem ter voz, como é o caso do youtuber Spartakus Santiago (Foto: Divulgação)

Santiago falou sobre outro tema constantemente citado no seu canal do YouTube. “As pessoas usam o argumento da meritocracia para invalidar qualquer discussão sobre desigualdade social no Brasil. É como se toda pessoa pobre pudesse ficar rica apenas se esforçando, se fosse assim todo pedreiro seria milionário. E, ao mesmo tempo, há outros que nasceram em famílias ricas e nunca precisaram trabalhar. As pessoas ignoram os privilégios que elas ganham dos seus pais. Elas usam desse discurso de mérito para não discutirem sobre uma desigualdade que precisa ser combatida”, concluiu o youtuber.