“Somos mulheres fortes, guerreiras e capazes de ter as vozes respeitadas”, diz Quitéria Chagas


A rainha de bateria da Império Serrano se despede hoje do trono à frente a escola de samba e afirma que uma mulher não vale mais pela ditadura de um corpo considerado “perfeito” pelos padrões x,y ou z. “Com as lutas feministas, deixamos de ser um corpo objeto há muito tempo. Quando conquistamos nosso poder de fala, a nossa voz, o corpo passou a ser algo que mudamos e nos transformamos de acordo com as nossas vontades e desejos. Somos livres”, pontua

*Por Domênica Soares

Para fechar com chave de ouro a trajetória de 20 anos na Marquês de Sapucaí, Quitéria Chagas risca hoje pela última vez a Avenida como rainha da Império Serrano. E divando como sempre! “As pessoas estão elogiando muito minha performance. Fico feliz. Me sinto com auto-estima e sempre com muita feminilidade”, comenta. No entanto, Quitéria afirma que uma mulher não vale mais pela ditadura de um corpo considerado “perfeito” pelos padrões x,y ou z. “Somos fortes, guerreiras e capazes de tudo. Com as lutas feministas, deixamos de ser um corpo objetificado há muito tempo. Quando conquistamos nosso poder de fala, a nossa voz, o corpo passou a ser o lugar onde nos ornamentamos! Onde mudamos e nos transformamos de acordo com as nossas vontades e desejos. Somos livres. E ser livre nos faz ser ainda mais potentes”, afirma.

Sobre sua decisão em expor a cirurgia no seio, ela frisa que no seu caso quis falar da questão da perda de sensibilidade após a maternidade, porque ainda sente que o tema é um tabu para muitas mulheres e que assumiu que colocou silicone após engordar e emagrecer. Destacou que se olhava no espelho e não se sentia bem. “Fiz a operação para me sentir mais feliz, sem ligar para a opinião dos outros. Por isso, acho importante falar como estou realizada com a minha decisão. Para incentivar outras mulheres que têm desejo, mas sentem algum tipo de receio”, pontua.

Musa desfila pela última vez na sua escola do coração Império Serrano (Foto: Eliane Diotti)

Em entrevista exclusiva ao site Heloisa Tolipan, Quitéria frisa que está extremamente emocionada com a despedida como rainha de bateria. “Passa um filme de toda a minha história no carnaval, que também é a história da minha vida”. Amor, êxtase e gratidão são os sentimentos que descrevem melhor o momento pelo qual a musa está passando, tudo isso devido à sua história com a Império Serrano e também com a comunidade e mundo do samba. Para ela, o templo do carnaval, da arte e da cultura brasileira representam de forma concreta as inúmeras características do Brasil. Quitéria explica que o carnaval brasileiro é único, o maior movimento artístico da Terra. Não é um ritual religioso, e, sim, onde todas as religiões, raças, gêneros, culturas entram em sinergia em prol da arte – a maior liberdade e poder de criação que existe em um mega evento. 

MOrando em Milão, a rainha que já tem 20 anos de trajetória no samba fala sobre novos rumos na carreira (Foto: Yuri Graneiro)

Fazendo parte da festa há mais de 20 anos, Quitéria divide que o carnaval cresceu muito e que essa celebração se profissionaliza cada vez mais e as redes sociais aumentaram ainda mais a visibilidade dos bastidores da festa. Aponta, no entanto, para a maneira como muitos homens veem as mulheres no carnaval. “Elas ainda não são tratadas como profissionais – mesmo sendo as personagens com maior visibilidade e divulgação pela mídia. Não somos quesito e nem temos contrato. Acredito que, aos poucos, nas próximas gerações, isso possa mudar, principalmente com o incentivo da iniciativa privada, apoiando essas grandes profissionais e obtendo retorno pela imagem delas”, acredita.

Quitéria explica que a Império Serrano, que está há quase 20 anos, sempre investiu a presenteando com fantasia. “Mesmo a duras penas, a escola me manteve no cargo sem que eu precisasse pagar. Por isso, desde o ano passado, resolvi fazer a minha própria fantasia para ajudar a escola. A Império faz parte da história do carnaval nesse processo de resistência – conseguiram muito, com muita luta. E sou muito grata a isso tudo”.

Quitéria Chagas se despede da sapucaí (Foto: Thiago de Lucena)

A eterna rainha fala sobre sua despedida e afirma que as pessoas lamentaram, disseram que deveria ficar mais tempo, continuando com seu posto. Contudo, frisa que morar no exterior, em Milão, deixa essa logística complicada, como por exemplo em relação a ida aos ensaios visto que o custo desse percurso seria alto demais. “Estou feliz com a minha história de 20 anos de carnaval, e quero que ela abra espaço para a nova geração e para mudanças na nossa profissão. Infelizmente, a rainha não tem patrocínio e nem salário”. 

Quitéria fez uma cirurgia de silicone para recuperar a autoestima e fala sobre tabu enfrentando pelas mulheres (Foto: Yuri Graneiro)

Sobre o carnaval do Rio de Janeiro que vem passando por mudanças, Quitéria afirma que a cidade está órfã, um caos sem controle e que é triste ver essa situação toda acontecendo. “O carnaval de 2020 só está existindo por conta das escolas e da união dos sambistas que lutam pelos direitos da nossa cultura continuar. Espero que, nos próximos carnavais, a iniciativa pública e privada se unam com as escolas para que a nossa festa movimente mais dinheiro ainda. Para solucionar essa questão, podemos pensar maneiras em utilizar melhor as redes sociais, o apoio internacional, os projetos sociais em cada escola que estão geograficamente em áreas de grandes comunidades do Rio. Realizar shows em outros países com nosso espetáculo…”, pontua.