Serra Pelada: première do longa de Heitor Dhalia encerra Festival do Rio com alusão à busca do ouro no cinema nacional


Um punhado de famosos prestigiou a sessão do filme estrelado por Juliano Cazarré, Wagner Moura e Sophie Charlotte

A concorrida première de Serra Pelada, ontem à noite no Cinépolis Lagoon, Rio de Janeiro, movimentou a classe artística, que compareceu em peso para prestigiar a nova produção do diretor Heitor Dhalia. O longa, estrelado por uma penca de famosos como Juliano Cazarré, Júlio Andrade, Wagner Moura, Matheus Nachtergaele e Sophie Charlotte, procura trazer à tona os dramas humanos passados no Pará dos anos 1980 por conta da corrida do ouro. O filme parece ter estimulado a curiosidade do público presente não só pela qualidade de produção, mas pela complexidade do seu tema. Um pouco mais cedo, na coletiva promovida pelos organizadores do Festival do Rio, Dhalia havia afirmado que este foi o seu projeto mais difícil e que não entendia o porquê dessa história não ter sido contada até hoje pelo cinema nacional.

Na história, dois amigos, vividos por Júlio Andrade e Juliano Cazarré, migram para Serra Pelada na tentativa de amealhar uns milhões com o garimpo. Mas, óbvio, a realidade não é tão mole como parecia e a promessa de riqueza fácil acaba se mostrando quase impossível. E ambos acabam descobrindo que é preciso mais do que força de vontade para conseguir dançar a música daquele ambiente hostil, controlado por mineiros que tratam os garimpeiros como formigas.

A produção revela os bastidores da vida em Serra Pelada, com destaque para as prostitutas e até as Marias, nome dado aos homossexuais naquela sociedade. Muito pintosas, elas desempenhavam um importante papel naquela sociedade, colaborando na manutenção da hierarquia nos morros de extração de ouro. Elas tiveram papel ativo até a explosão da epidemia da AIDS, quando foram expulsas daquela região. Sophie Charlotte interpreta uma prostituta e contou que, para entrar no ambiente do garimpo, era necessária muita determinação, uma vez que aquele universo era um dos mais rudes possíveis. Ela disse: “encarei o desafio de trocar de pele com essa mulher batalhadora, e o Heitor nos brindou com uma direção muito especial, nos dando liberdade para improvisar.” E, sobre o fato de ter contracenado com um elenco essencialmente masculino em um ambiente tão áspero para a condição feminina, a atriz afirmou que ficou totalmente à vontade: “havia muito entrosamento no set e me senti muito bem convivendo com atores tão queridos e profissionais”.

Deslumbrante e vestindo um Burberry branco na première, Sophie nada se parecia com a personagem, responsável por alguns dos momentos mais comoventes do filme. Perguntamos à lindinha como fez para manter sua beleza em um set tão inóspito, em locação amazônica. Sophie foi precisa: “Levei um kit de sobrevivência na selva que incluiu um esfoliante facial e um creme noturno para as madeixas”.

Wagner Moura, cogitado inicialmente para um dos protagonistas, acabou fazendo um vilão cômico, Lindo Rico. Ele se mostrou otimista quanto ao sucesso da produção, afirmando que “o filme é uma trama de ação sensacional que ensina muito sobre a cultura do país”. Ela ainda reiterou que considera uma honra ter participado de um filme que encerra esta edição do Festival do Rio. E completa: “isto é uma prova da qualidade cinematográfica desta produção.” E ainda brincou com o visual do seu personagem: “Este é o máximo que vou chegar de calvície”!

Juliano Cazarré, por sua vez, fez questão de enfatizar que o ambiente de Serra Pelada podia ser considerado uma prisão. Literalmente. “A rotina da vida nesse mundo era estranguladora, um cárcere. Garimpeiros morriam todos os dias, por acidentes, briga por poder, disputa por dinheiro ou assassinatos. A lei era volátil e as condições de existência eram sub-humanas”, disse. Ele ainda comentou sobre o fato desse contexto bruto ter posto a relação dos protagonistas em xeque, dizendo-se sensibilizado com o sofrimento das pessoas que viveram aquela realidade.

Heitor Dhalia enfatiza a fotografia através doo colorido daquele habitat, ao mesmo tempo inóspito e exuberante, contrastando as cenas ao ar livre, repletas dos marrons e avermelhados da lama e terra, com a ambientação depauperada e kitsch dos bordéis, usados para representar no enredo os (poucos) momentos de lazer daquela comunidade. Ele acredita que os brasileiros receberão os filme “com bons olhos, pois a ideia não foi só mostrar um pouco da história recente do país, mas fazer uma aventura. Quando o ser humano é colocado em uma situação limite, ele reage de maneira primitiva, sendo capaz de fazer qualquer coisa para sobreviver e alcançar aquilo que deseja”. E, em se tratando de um enredo onde a ação transcorre nesse cenário primitivo, no meio da selva amazônica, é visível a preocupação do diretor de equiparar a condição humana à dos animais selvagens. Nada sutil, mas quase literal.

No mais, é emblemático o fato de o longa-metragem ter sido escolhido para encerrar o Festival do Rio justo quando há, mais do que nunca, uma corrida do ouro no cinema brasileiro, com os produtores e diretores cada vez mais preocupados com o sucesso comercial das produções nacionais. Em época de extensas discussões e da corrida desenfreada por alternativas para a captação de patrocínios que não dependam exclusivamente das subvenções do governo, talvez o malfadado frenesi da busca do ouro em Serra Pelada, que terminou de forma estéril, possa servir de exemplo para o cinema atual, quando é preciso, mais do que nunca, promover entendimento através de associações prolíficas e harmonização de egos.

Na prestigiada noite de estreia, compareceram estrelas do calibre de Mariana Ximenes, Maria Flor, Paulo Vilhena e a mulher, Thayla Aiala, Paula Burlamaqui, Miriam Freeland, Roberto Bomtempo, Antonio Pitanga e o diretor de televisão Ricardo Waddington, além do elenco do filme. Após duas semanas de evento, a 13ª edição do Festival do Rio encerra hoje à noite com a cerimônia de premiação em que 19 categorias serão laureadas com o Troféu Redentor, no Armazém da Utopia, Cais do Porto. Serra Pelada estreia nos cinemas de todo o Brasil no dia 18 deste mês.

Fotos de Marcela Fernandiss e Marcos Lobo

Por Alexandre Schnabl