*Com Bell Magalhães
Conhecida sempre por manter laços afetivos com os entrevistados de uma maneira sensível, a apresentadora Sarah Oliveira estreou um projeto de tirar o fôlego. Em dobradinha com a amiga e comunicadora Roberta Martinelli, elas lançaram o podcast ‘Nós’, no Spotify Brasil, sobre histórias reais de pessoas e suas relações em tempos de pandemia. “O programa está sendo um dos processos mais bonitos. É pura entrega”, pontua. Com trilha sonora da cantora Mahmundi, a partir da música ‘O Seu Olhar‘, de Arnaldo Antunes e Paulo Tatit, a apresentadora conta que a proposta do programa é apresentar duas histórias sobre o mesmo tema contadas por pessoas diferentes e ouvinte é instigado a fazer uma análise.
“Toda essa conversa estava caminhando desde o ano passado, pois queríamos criar um projeto que saísse do comum. Criamos esse formato no qual a Roberta escuta um lado do diálogo e, eu, o outro. Nos encontramos no estúdio e propomos que o ouvinte faça uma reflexão sobre as histórias. As duas visões mostram como cada uma de nós pode compreender uma história e ouvir os dois lados com duas escutas diferentes é muito bom. E como música não pode faltar, Nós tem uma playlist exclusiva para cada história”, reflete Sarah.
O primeiro episódio, que teve como tema paternidade e adoção, gerou debate e feedback intensos dos ouvintes. “Pessoas que tiveram relações complicadas ou curtas com os pais, ou quem passou pelo processo de adoção estão nos escrevendo muito para comentar sobre esse primeiro episódio”, diz. O programa levantou a questão sobre abandono parental, algo pertinente no Brasil, uma vez que 80 mil crianças foram registradas sem o nome do pai e 5,5 milhões de adultos nunca tiveram o reconhecimento do progenitor, de acordo com os dados de 2019 da Central Nacional de Informações do Registro Civil (CRC).
Para Sarah, mostrar um lado positivo diante da triste realidade não é uma forma de mascarar o problema, mas de trazer um pouco de fé para quem vive em uma situação semelhante à abordada no episódio: “Reiteramos que vivemos em um Brasil no qual muitas crianças não conhecem os seus pais e onde muitas mulheres são chefes de lares. Não tem restrição de classe social, porque é um reflexo do patriarcado, mas existe esse outro lado também e é bonito mostrá-lo. É uma ponta de esperança que dá um sopro de vida na gente”.
‘Calada Noite’, ‘Viva Voz’, ‘Na Trilha da Canção’ e, agora, ‘Nós’, têm mais em comum do que pensamos. Em todos os programas que Sarah apresentou, a escuta era a ferramenta principal para conduzir o espetáculo. Há 20 anos no audiovisual, a artista conta que o mais satisfatório na carreira é ter a oportunidade de conhecer o outro: “Sempre mergulhei no universo do outro, seja do artista ou do anônimo para falar de memória afetiva. Gosto de trabalhar com isso. Quando eu vou dar Aula Magna sobre Rádio e TV, pergunto para os meus alunos: ‘por que vocês fazem Comunicação?’, tal qual a música ‘Por que Você Faz Cinema?’, de Adriana Calcanhotto. Eu escolhi ser comunicadora para poder me conectar ao meu interlocutor. No podcast não julgamos, não temos uma ‘moral da história’, nem somos psicanalistas, mas estamos lá aprendendo com as histórias que chegam”.
O julgamento, contudo, é algo que está presente em todas as redes sociais e parece ser um dos males do século. Sarah despreza qualquer tipo de atitude acusatória de pré-julgamento e acredita que qualquer um está passível de sofrer mudanças. “Não está nem na minha linha editorial de vida. Eu não sou essa pessoa. O ‘pronto, falei. Essa é a verdade absoluta’ é algo que sempre achei muito brega. Sempre tive essa postura. Eu prezo as relações humanas e o enriquecedor é mudarmos de ideia. É entendermos as tantas verdades que existem sobre amor, religiões, relações e sexualidade. Esse é o mistério da vida”, afirma.
Aprendizados e desafios
Os aprendizados das histórias que reverberam em estúdio refletem na própria vida. “Saio exaurida da gravação, porque rimos, choramos, e podemos mudar de opinião no mesmo dia. Às vezes, você escuta uma história e pensa: ‘nossa, eu jamais faria algo do tipo’, mas, depois, indaga: ‘será?’. O poeta Waly Salomão (1943-2003) dizia que a nossa memória é uma ilha de edição, pois à medida com que se edita a memória, vamos lembrando de histórias que despertam como um filme ou novela. Estou aprendendo muito e, como comunicadora, tenho que exercer essa escuta. Temos que ouvir mais do que falar, pois é nesse processo que nos transformamos”, e acrescenta: “As histórias transformam a gente e se ouvi-las de coração aberto, você permite que haja uma transformação dentro de si mesmo. E estamos aqui para isso. Ser o mesmo sempre? Estamos aqui para transmutar mesmo!”.
Um dos desafios de Sarah foi trabalhar em dupla pela primeira vez. Apesar de vir da grande família MTV Brasil, a apresentadora sempre conduziu os seus programas sozinha. “Todos têm uma ideia de que eu trabalhei em grupos por conta da MTV. Lá era muito forte essa ideia de coletividade, mas todos os programas que eu apresentei eram individuais. O que eu tive de coletivo era mais com as amizades que eu tinha, como com a Marina Person, a Didi Wagner, Cazé Peçanha, Edgard Piccoli e João Gordo. Tínhamos essa ideia muito forte do coletivo”, conta. Com a nova parceira de microfone, Sarah diz que as interações são orgânicas e que fazem uma boa dupla: “Uma levanta e a outra corta. É tão orgânico que nós mesmas nos surpreendemos com essa intimidade tão bonita de saber no olhar, mesmo com o vidro do estúdio nos separando, como vamos conduzir o programa”.
Representatividade feminina
Sarah, Didi e Marina sempre foram exemplos de mulheres fortes no audiovisual. Com ideia da sororidade ainda pouco difundida, o trio foi de uma representatividade enorme para as mulheres que cresciam no início dos anos 2000. “Eu a Didi e a Marina sempre nos defendemos muito. Hoje em dia tem rótulos para tudo, mas mesmo sem entender o que era a prática real do feminismo, nós cantávamos essa bola lá atrás. Aprendi muito com elas”, conta. Sarah faz um balanço sobre o quanto avançamos no debate de equidade de gênero, mas lembra da importância de agregar outras pautas na luta feminista. “Vejo que estamos sabendo cada vez mais usar as nossas vozes, mas tem muito a melhorar, porque a mulher negra, por exemplo, está começando a ter os espaços só agora. Fico feliz porque existem muitas influenciadoras negras, meninas que participam dos programas, realities e redes sociais”.
“Estamos no caminho, mas ainda falta muito para conseguir. Fico feliz porque o feminismo negro está avançando, mas precisamos entender as pautas, escutar e dar espaço para outras vozes, como as mulheres trans. Elas têm falas muito importantes para nos fazer refletir e entender o nosso lugar de privilégio. Estamos no caminho, mas devemos escutar a realidade da outra, pois ainda tem muita coisa para melhorar”, conclui.
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