*Por Brunna Condini
No começo dos planos de ano novo, a Covid no meio do caminho. Samara Felippo testou positivo para o vírus. Com isso, precisou adiar a reestreia de ‘Mulheres que Nascem com os Filhos‘, que escreveu e atua ao lado da amiga Carolinie Figueiredo. Samara falou ao site direto da sua quarentena, que conclui no Rio de Janeiro. “Estou isolada em um apartamento, mas na reta final para retomar os ensaios da peça. Ganhamos tempo também para ver como vai ficar o desenrolar dessa nova onda. A princípio a peça passou para o dia 21, no Teatro XP Investimentos, no Jockey Club”, anuncia sobre o espetáculo dirigido por Rita Elmôr. A atriz acrescenta: “Estou bem, mas mexeu comigo emocionalmente, fiquei bem sensível e estou longe das minhas filhas, que passam férias com o pai, na Califórnia”.
Recentemente Samara comemorou a vacinação da sua vida filha mais nova, Lara, de 8 anos, nos Estados Unidos. Alicia, de 12 anos, já estava vacinada. E aproveita para reforçar a importância da vacina chegar aos menores também por aqui: “Isso me deixou muito esperançosa. Fiquei emocionada de ver a Lara se vacinando. Chorei também porque queria estar perto, segurando a mãozinha dela, mas ao mesmo tempo foi uma felicidade grande. Espero que cheguem as vacinas para as crianças no Brasil logo”.
Amadurecimento
Aos 43 anos, Samara acredita que envelhecer pode ser bom. “Tenho mesmo muito orgulho de quem me tornei. Além da maternidade real, ainda tenho outra militância, que é o envelhecer feminino, tão depreciado, julgado na sociedade. Reparam em tudo que fazemos. Meus cabelos brancos são militância para mim. Tive que pintá-los para um trabalho, mas eles já estão de volta aqui e estou indo com eles fazer a peça. Faço as pazes com essa Samara de 43, que enfrenta uma sociedade machista e repressora em relação ao passar dos anos para a mulher, que nos faz nos odiar: não pode engordar, ter rugas, varizes, ficar magra demais. Estou sempre trazendo à tona esses temas, questionamentos, fazendo mulheres refletirem, se conhecerem. Sem querer ditar regras, mas estimulando o pensamento sobre isso tudo”, divide.
“Parei para pensar por que eu odiava tanto meus cabelos brancos, por que com eles me chamavam de velha, relaxada, e com os caras não faziam isso. Comecei a entender e veio essa desconstrução toda. Envelhecer é bom, é preciso ir encontrando novos e atuais prazeres”.
Renascimento
Em 2019, Samara e Carolinie uniram o desejo de se redescobrirem após a maternidade. Em ‘Mulheres que Nascem com os Filhos‘ elas fazem essa jornada, do renascimento de cada uma após a maternidade, até aqui. Sem idealizações, sem culpas, as atrizes falam sobre a gravidez, o puerpério, a aceitação do corpo pós-filhos e o encontro de suas novas identidades como mulheres, tudo pensado para além dos tabus. “Sou a mãe que eu posso ser. Que não se cobra mais ser perfeita, a mãe que se vulnerabiliza, que chora na frente das minhas filhas, que precisa da troca com elas. E também com outras mulheres, outras mães. Milito em relação a desromantização dessa maternidade que pregaram para nós a vida inteira, à sobrecarga física e mental e à tripla jornada da mulher”, esclarece.
“Mulheres são caladas a vida inteira, porque se você fala de uma forma diferente do que a sociedade aprova, você é uma mãe de merda, cruel. Do pai ninguém fala isso. Se hoje existem cinco milhões de crianças sem registro no Brasil, ninguém fala sobre o pai que ‘aborta’ e vai embora. Já a mulher é massacrada. Essa é minha luta. Não sou contra os homens, quero eles ao nosso lado, de mãos dadas com a gente. Quero que caiam em si para entender que a paternidade ativa é muito importante. Criar junto e não ‘ajudar’, não é favor. Essa é minha militância. Falo da criação de crianças em todos os âmbitos e narrativas, não só as heteronormativas”.
A carioca admite que sua vida nunca mais foi a mesma após se tornar mãe, com as alegrias e as reais dificuldades. “Minha experiência não foi fácil. Criei uma expectativa desde criança, vinda dessa romantização que a gente faz, de que eu só seria feliz se tivesse uma família, tendo filhos. E quando o ‘castelo da princesa’ cai na sua cabeça, desnorteia, frustra, dá depressão. As frustrações em relação à maternidade vêm em muitos sentidos, desde a expectativa que você cria em relação a um parto, de uma gravidez, da amamentação que não sai da forma que você quer. De um casamento que não deu certo, da criação dos filhos”, avalia.
“Foi aos trancos e barrancos mesmo. Me vi com duas filhas e separada. Ele mora longe (o ex-jogador de basquete Leandrinho), então sou mãe solo, minha carga física e mental são grandes. Tenho uma rede de apoio que é fundamental, de amigos e mães, que me ajudam em São Paulo. E claro, tenho meus privilégios, mas minha experiência não foi fácil, porque nunca pensei em me separar, criar duas crianças sozinha. Mas posso dizer que sou uma mulher muito forte. Sem deixar de transparecer para as minhas filhas minhas fragilidades. É importante chorar, dizer que tem medo, enfrentar esse medo. Fui aprendendo na marra”.
E fala do momento mais difícil nesta trajetória toda: “Foi quando me separei. Tinha Alicia com 4 anos, e a Lara, recém-nascida, amamentando, eu no puerpério. Tive essa queda de expectativa na amamentação da minha segunda filha, não consegui amamentá-la mais de um mês, tive uma leve depressão pós-parto, mas foi bem ruim. E fui levantando lá daquele fundinho de poço, em que nos achamos um lixo, e que nunca mais teremos vida, conseguiremos trabalhar. Fui me reinventando e hoje estou muito forte, muito feliz com a mulher que me tornei”.
Para a atriz, muitos tabus que tentam ‘encaixotar’ as mulheres ainda rondam a maternidade e precisam ser debatidos. “Lembro que quando disse que não gostava de ser mãe – e quando falo disso, é sobre esse trampo, essa jornada tripla -, mas amava minhas filhas, incondicionalmente, foi um baque grande a repercussão. Ao mesmo tempo me vi libertando muitas mulheres que me agradeceram por tirarem um peso das costas. Porque a mulher desde sempre foi ensinada a isso, tem que ser mãe, em uma cultura feita para nós e não por nós. E esse ‘para nós’, é ficar em casa, se limitar a cuidar dos filhos e ficar feliz com isso. E ser agradecida por tudo isso. Acho que a benção que são os filhos, o amor por eles, é nítido, está lá, não precisamos falar o tempo todo. Agora o lado B ninguém conta, e falar cura. Ainda é muito difícil para muitas mulheres falarem que a sobrecarga é demais, que não gostam da função de serem mães. Eu não gosto de muitas coisas, mas amo as minhas filhas e elas sabem disso. Tanto que para elas eu quero que a maternidade seja uma escolha consciente, e não ceder à uma pressão da sociedade”.
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