#SaiaDaCaixa de Helen Pomposelli, o último do ano, com Daniel Massa, um professor que se divide entre as aulas em Gramacho e a Escola Nova da Gávea


“O professor deve despertar interesse. Se o professor não compreender a educação como troca, ninguém ensinará nada. Acho insuportável aula pré-moldada. Cada turma é uma turma. O professor deve saber ouvir, é uma profissão de escuta”, disse Daniel em papo com nossa colunista Helen Pomposelli

*Por Helen Pomposelli

(Foto: Miguel Moraes)

O “Saia da Caixa” de hoje é especial, não só porque é o último do ano, mas também por ser uma lição de propósito. Hoje, a gente fala em como pensar diferente dentro de uma situação comum e que muitos não se dão conta, fala de uma história que ainda vai ter muito enredo para desenrolar. Entrevistei Daniel Massa, professor de 31 anos, que se diz sempre aluno, um ariano determinado com um enorme coração sempre cheio de novos projetos. Daniel atualmente divide a sua rotina de professor ministrando aulas na rede pública de Gramacho em Duque de Caxias e na Escola Nova da Gávea, é voluntário do pré-vestibular social na Lapa e estudante de psicologia na UFRJ.

“Do maior ao menor: de um lado, o lixão de Gramacho e do outro a zona sul carioca. São vidas de adolescentes com realidades opostas, uma das vantagens do magistério que você pode permear por duas realidades da educação. Eu não entendo da realidade da violência e da pobreza, mas também não sou da Gávea, fui criado numa cidade de interior, em Saquarema, onde a forma de pensar a vida é bem mais simples”, diz Daniel que veio morar no Rio em 20015, com 19 anos, para estudar Letras na Uerj e mais tarde fez uma especialização na UFF em Literatura Infantil, seguindo de um mestrado na UFRJ para estudar a literatura brasileira com a dissertação: A morte de como se mata a morte, um diálogo sobre literatura brasileira.

(Foto: Miguel Moraes)

“Quando terminei o mestrado, comecei a estudar antropologia na UFF, mas interrompi quando fui morar por nove meses na França, pois precisava realizar uma nova experiência de vida”, conta. No meio dos livros desde pequeno, Daniel sempre foi encantado por poesias e sonetos. “Li de Shakespeare a Machado de Assis, de Sidney Sheldon a Fernando Sabino e Gabriel Garcia Marques, e ouvi muito durante a minha infância Vinícius de Moraes e Chico Buarque. Lembro de passar tardes escutando as músicas e anotando as letras num caderno . Eu lia poemas e escrevia, mas me arrependo de não ter aprendido a surfar com meus amigos e nem a pescar com meus tios”.

Daniel é um verdadeiro “ fora da caixa” e está sempre disposto a se envolver em novos projetos. Esse mês, lançou dois livros de poesias com alunos da Escola Nova da Gávea , cuja idéia surgiu dentro do seu coletivo de literatura, projeto abraçado pela escola. “O saber literário é produzir literatura como arte. Uma forma de expor e de entender o outro. Geralmente as escolas não dão esse espaço, ela se vê como mão única, ou seja, de transmitir o saber para um aluno pré-moldado. Poucas vezes escuta o aluno e a literatura é dizer o que se tem de mais íntimo. Por isso criei o coletivo de literatura, para colocar o aluno como autor.A idéia é deixar fluir na cabeça e fazer com que ele se reconheça como indivíduo através de poesias, sonetos, contos e crônicas”.

(Foto: Miguel Moraes)

Segundo o professor, o maior desafio é mostrar para um aluno adolescente o que eles são capazes de fazer. “Eles estão acostumados a estar numa posição onde não tem voz. Eu tentei realizar esse projeto pela primeira vez numa escola pública, depois em Laranjeiras e por fim só encontrei espaço na Escola Nova e esse é o segundo ano de Coletivo com três livros. Deu tudo tão certo que a escola se animou e fundou uma editora, a ENOVA, para que os livros possam circular também fora da escola”, conta o professor que já lançou o livro “ O décimo terceiro signo” sobre adolescência como um “não “ lugar em 2016 e em 2017, “ Corpo Carvão” livro que fala sobre feminismo através do olhar de 12 meninas de 13 anos e o livro “ Meio cheio” que fala sobre a psicanálise e o inconsciente, todos escritos e ilustrados por alunos.

Mas Daniel não pára por ai, esse ano criou o Festival de Cinema reunindo os adolescentes da Escola Nova que foi finalizado com premiação no Cine Odeon.  “Quero dar voz através da arte”, diz Daniel que também se formou na escola Darcy Ribeiro de Cinema. Da arte literária a antropologia, Daniel também mantém contato com as questões indígenas, pois tem uma relação de amizade e carinho com o povo Xingu desde que foi pela primeira vez convidado para participar do Kuarup em 2014. “Sou e serei sempre aluno. Estar em contato e trazer para a sala de aula ajuda a perceber as questões do mundo, Preciso dialogar em áreas diferentes”.

(Foto: Miguel Moraes)

E sobre a educação? “O professor deve despertar interesse. Se o professor não compreender a educação como troca, ninguém ensinará nada. Acho insuportável aula pré-moldada. Cada turma é uma turma. O professor deve saber ouvir, é uma profissão de escuta. Sou pago pra dar minha aula comum, mas me arrisco. O que vale é a realização de fazer algo diferente e sair do lugar comum. Eu devo tudo à educação pública, porque me formei nas melhores universidades públicas do Estado e sei que isso foi fundamental  como profissional. Trabalhei por sete anos no pré-vestibular social do Governo do Estado e na Secretaria estadual de educação e hoje no Município de Duque de Caxias. A realidade é assistir ao sucateamento da escola pública com salário atrasado, falta de alimentação e material para trabalhar com o aluno. Ser professor hoje é um desafio! “

Saia da Caixa:  “SEJA! Apesar de toda a dificuldade, a sala de aula, o contato com o aluno supera e vale a pena.  Tento construir um mundo melhor através do afeto e da escuta”.

(Foto: Miguel Moraes)

FELIZ 2018!