Saga campeã de vendas, “Deuses dos Dois Mundos” ganha último volume, e o autor PJ Pereira avalia: “não valorizamos os autores nacionais”


Os lançamentos acontecerão nas próximas semanas no Caxias Shopping (RJ), Shopping Leblon (RJ) Livraria Cultura (SP) e no Shopping Iguatemi, de Salvador (BA)

 

Capa Livro Morte“Marmelada de banana, bananada de goiaba, goiabada de marmelo…”. A música de Gilberto Gil, que serviu para abrir durante anos a versão contemporânea do “Sítio do Pica Pau Amarelo”, vem a cabeça do escritor PJ Pereira quando questionado por seu fascínio pela mitologia. Foi lá que ele conheceu Minotauro e Ícaro, por exemplo.  O assunto ajuda muito a dar corpo a sua saga “Deuses de Dois Mundos”, que acabara de ganhar terceiro volume, “O Livro da Morte”. Para explicar melhor a história, que mistura deuses, destino e mundo real, ninguém melhor que o próprio autor.

“No primeiro, ‘O Livro do Silêncio’, homens e orixás se juntam para recuperar o poder do destino, roubado pelas perigosas feiticeiras Iá Mi Oxorongá. O livro inteiro é o processo de montagem dessa ‘força tarefa’ com guerreiros ancestrais e gente de outros tempos, como o jovem e ambicioso jornalista Newton Fernandes, que tenta o quanto pode resistir ao chamado para ajudar os orixás. No segundo livro, eles completam a missão. É só no terceiro livro que vamos conhecer o ponto de vista das feiticeiras, o porquê delas terem tentado roubar o destino. E as consequências de tudo que cada um dos personagens fez até ali”, explica.

O livro, inicialmente, teria 900 páginas, um número inviável editorialmente falando. Foi aí que a obra foi picotada em três partes. “Só que não dava para quebrar a história dessa forma. Acabei deixando o que seriam o segundo e o terceiro livros como um só e adicionei um pedaço novo à história, que virou o terceiro. A verdade é que entre começar e terminar o que foi o manuscrito original eu percebi que as vilãs da história não eram tão más como eu havia entendido”, contou.

Finalmente, a conclusão da saga chega às mãos dos leitores, após um ritual católico de escrita pausada dividindo tempo entre expediente em sua agência de publicidade nos EUA e o livro. “A pesquisa demorou dois anos. Quando comecei a escrever as primeiras páginas já era 2001, e eu havia acabado de abrir minha primeira agência. Trabalhava durante o dia até tarde e escrevia entre duas e três horas quando chegava. Essa mesma rotina se repetiu agora no terceiro volume. Eu tocava minha segunda agência, agora nos EUA, e voltava a noite para escrever, todos os dias”, relembrou.

(Foto: Divulgação)

(Foto: Reprodução)

Enquanto rolava o lançamento em várias capitais brasileiras, conseguimos conversar com PJ Pereira sobre o candomblé, mercado editorial e fidelização de leitores, que para ele “ainda preferem autores estrangeiros”. Vem!

HT: O que nasceu primeiro em você: o publicitário ou o escritor?

PJ: O escritor. Eu sempre escrevi, desde moleque. Desviei para a propaganda porque achei que era uma boa maneira de ganhar a vida escrevendo. E a propaganda foi muito boa comigo. Tenho muito orgulho do que fiz como publicitário e ser pago para contar histórias para os outros. Mas é muito bom poder contar minhas próprias histórias agora.

HT: Sua fascinação por mitologia explica muita coisa sobre a obra. Mas como ela começou? Que lembranças você tem do assunto que serviram para dar tom aos livros?

PJ: Toda vez que penso em mitologia, a música do “Sítio do Pica Pau Amarelo” toca na minha cabeça. Lembro como se fosse hoje do dia que o Minotauro apareceu na tela da TV. E o Ícaro, que desobedeceu as ordens e voou em direção ao sol? E quando o tio Barnabé contou ao Pedrinho que a Iara que cegava quem olhasse para ela, então o menino olhou com um olho só, ficou cego e olhou com o outro olho? Para mim, começou tudo ali. Tanto que quando eu descobri as histórias dos orixás, me senti meio roubado. Por que eu nunca havia ouvido aquelas histórias? Porque eu sabia do Hércules mas não de Ogum? De Mercúrio mas não de Exu?

HT: Em que momento profissional e pessoal você estava quando começou a escrever a saga?

PJ: Eu tinha entrado na propaganda fazia um ano, trabalhei em todos os departamentos da agência e tinha acabado de entrar na criação. Foi quando conheci meu amigo Zeno Millet, uma das pessoas mais bacanas que já vi. Um ano depois, descobri que ele era neto da famosa mãe Menininha do Gantois, filho de Mãe Cleuza… quando entendi que aquela gente tão boa estava ligada ao que eu sempre enxerguei como coisa do demônio, eu resolvi mergulhar na pesquisar.

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Cena do vídeo de divulgação do livro (Foto: Reprodução)

HT: Há um segredo, ou pelo menos um modus operandi, para se conquistar a fidelização do leitor? Manter ele no mundo da saga é importante, já que são vários volumes, né?

PJ: Eu sou um grande fã dessa nova geração de séries de TV. Na minha cabeça eu sempre imaginei as cenas como uma série. Tenho uma preocupação muito grande com ritmo, por exemplo, em fazer com que cenas rápidas e intensas sejam escritas de uma maneira que seja assim que o leitor visualize. Que os saltos de um capítulo para o outro deem vontade de virar para a próxima página. Junto com isso, eu mantenho uma relação próxima com os leitores. Leio o que eles escrevem, respondo, escrevo para eles da maneira mais aberta e vulnerável que posso. Isso cria uma ligação mais forte, mas não é nada calculado.

HT: Como se deram as escolhas por representantes do candomblé? 

PJ: Você já foi a um terreiro de candomblé? Os orixás gritam! Uns gritos fortes, agressivos. Quando fui a primeira vez a uma cerimônia, fiquei super assustado. Estava pesquisando em livros e entrevista havia mais de um ano, e aquela era minha primeira visita a um evento religioso. Quando tudo terminou, perguntei por quê aqueles médiums gritavam tanto quando estavam incorporados. Eles me explicaram que aqueles eram santos guerreiros, e que os gritos de cada um representavam essa energia. Essa imagem ficou gravada muito forte na minha cabeça, e concentrei os dois primeiros volumes nos orixás guerreiros que conheci gritando. Já no terceiro livro, tive a chance de trazer alguns orixás que não são naturalmente considerado guerreiros, como Iemanjá.

HT: Qual sua religião? Tem alguma correlação? 

PJ: Eu poderia ter mergulhado fundo no candomblé. Senti vontade, fui convidado. “Venha cuidar desse seu Oxóssi” – me disseram, com carinho, em referência ao meu santo. Mas preferi me manter “de fora” porque isso permite que eu faça meu trabalho melhor. Como não sou da religião, posso escrever sobre as lendas por trás dela sem que ninguém ache que isso é um esforço de conversão. Digo, tem gente que acha, que diz que o livro é coisa do demônio, e quando eu explico que é ficção, eles dizem que “é isso que o demônio quer que todo mundo pense”. Outra vantagem de não ser iniciado é que o candomblé é cheio de segredos, se eu fosse iniciado não poderia contá-los. Então se eu, sem querer, escrevi um segredo, continuo sem saber que segredo é esse.

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Cena do vídeo de divulgação do livro (Foto: Reprodução)

HT: Os dois primeiros volumes da saga venderam, juntos, cerca de 50 mil exemplares no Brasil. Mas há aquele velho cabo de guerra entre escritores e editoras. O grande debate é sobre a prática de exploração que elas mantém no mercado. Como você enxerga essa peleja?

PJ: Olha, eu sou empresário. Entendo bem que se um dos elementos na cadeia produtiva não ganhar dinheiro, a coisa toda não anda. Sei que se a livraria não ganhar dinheiro, não vai ter vontade de dar destaque para meu livro. Se a editora não ganhar, não vão colocar energia nele. Acho que olhar quem ganha um percentual maior é um foco equivocado, e que o cabo de guerra é uma metáfora míope para essa relação. Acho que estamos nisso juntos, numa briga que é muito mais difícil: levantar a literatura nacional, fazer com que mais gente no país queira ler autores brasileiros.

HT: Há quem diga que não dá para ganhar dinheiro vendendo livro no Brasil. Concorda? Por que?

PJ: O Brasil lê. Mas lembro quando entrei na lista dos mais vendidos pela primeira vez, os únicos nacionais na lista de ficção éramos eu, a Fernanda Torres, que estava lançando “Fim”, e o Paulo Coelho, que havia acabado de lançar “Adultério”. Nós não valorizamos os autores nacionais. Lemos eles na escola, por obrigação, depois vamos para os internacionais. Ambos os lados são monótonos e prejudiciais. Mas o problema brasileiro é ainda autorrealizável. Como não se lê muito de literatura nacional, não há incentivo para que mais gente vá viver disso.