Na roda-viva dos musicais, Claudio Botelho acerta em cheio a transposição de Chico para o mambembe!


Sem gota d’água! Em entrevista exclusiva, o diretor explica por que “Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos” é o tipo de obra na qual o público não sente o tempo passar!

Para comemorar os 70 anos de vida de um dos maiores ícones da MPB, a dupla Claudio Botelho e Charles Möeller preparou em tempo recorde (quatro meses) um espetáculo que traz um pout-pourri de músicas de Chico Buarque compostas para espetáculos teatrais e filmes de cinema. A intimidade dos dois com o repertório do autor e a tarimba em verter para os palcos brasileiros grandes espetáculos da Broadway são, no fundo, os trunfos para que o resultado – mais intimista que a maioria dos seus trabalhos, mas amplificado pelo formato em um teatro menor, menos colossal – de Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 minutos” seja um sucesso. Em entrevista exclusiva, o diretor Claudio Botelho, que também atua como protagonista na peça, conta como foi o desafio de trazer à cena uma obra com profuindidade e musicalidade tão ímpares como as do autor. “Essa já é a quinta vez que trabalhamos com Chico, que costuma ser reticente na hora de ceder os direitos de suas músicas, mas já temos uma relação de confiança, desde que produzimos novas montagens de Ópera do Malandro” e Suburbano Coração”. Ele deu okay para tudo, e só ainda não viu a peça porque está em Nova Iorque, mas deverá comparecer em breve, mesmo sem fazer alarde, bem no seu estilo”, afirma Botelho.

Logo de cara, o diretor ressalta a dificuldade em fazer a triagem de uma obra tão extensa como a de Chico: “Não foi brincadeira essa seleção e, mesmo assim, apresentamos 48 músicas importantes da sua carreira, fundamentais para a história da MPB. Claudio ressalta que o fato de as canções estarem deslocadas de seu contexto original, funcionando para situar a história de um grupo de teatro mambembe em excursão pelo Brasil, foi significativo para se chegar ao final. “Queríamos fazer teatro com a obra do compositor, ao invés de apresentar um show musical, e retirar as músicas do contexto original para imprimir novo significado a elas, dentro do roteiro, é um acerto”, afirma, completando ainda: “Eu e o Charles tivemos a feliz ideia de trazer seu repertório para o universo das trupes teatrais, até porque pretendemos associar o Chico ao Artur Azevedo, autor do primeiro musical no Brasil – O Mambembe”. De fato, a história de uma companhia de teatro errante é perfeita para situar toda a emoção do músico, brasileiríssima.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Fotos: Leo Aversa / divulgação

Entretanto, todas as músicas, conhecidíssimas, tiveram seus arranjos adaptados para esta montagem. O diretor-produtor admite que, embora mantivesse a importância do violão, instrumento indissociável de Chico Buarque, a preocupação com uma nova musicalidade, no sentido de subverter a obra do compositor para essa nova leitura, foi o que possibilitou o devido destaque ao acordeon e à percussão, com o uso, inclusive, de marimba. Para ele, a sonoridade final, bem latina, meio caribenha, contribuiu para reforçar o vínculo afetivo que o autor tem com Cuba e com um dos baluartes da música local, Pablo Milanés, seu parceiro em composições como “Yolanda”. E, como muitas vezes Chico envereda pelo bolero, está mais do que aberto o caminho em direção a esta latinidade. “O Thiago Trajano, que cuida dos arranjos dos espetáculos do próprio Chico, acompanhou todo o processo e assina a regência”, alega Claudio Botelho.

O elenco de oito atores-cantores é uniforme e todos estão muito bem, embora Soraya Ravenle carregue em sua veia a verve de estrela, sabendo sobressair em cena com precisão absoluta. Sem dúvida, ela representa aquele caso de artista que foi talhada para o palco, como se os deuses a tivessem desenhado assim mesmo antes de sua concepção, e continua roubando cena sem fazer esforço. Apesar disso, o roteiro permite que todos possam brilhar e tenham seus momentos felizes, com destaque para Davi Guilherme, intenso, gaiato e passional como se espera de um ator em uma companhia mambembe. Com sua máscara facial intensificada pelos olhos marcados, a barba louro-arruivada e pela maquiagem, o rapaz é responsável por alguns dos momentos mais divertidos do musical, dando o contraponto exato à visceralidade que predomina em cena. E, de uma maneira geral, o espetáculo traz uma sonoridade que aproxima a percepção do público daquela carpintaria musical presente na Broadway, outro ponto positivo. É como se, sem deixar de ser MPB, o conjunto das músicas apresentadas – somando estes novos arranjos à extensão vocal dos cantores –, houvesse ganhado um verniz condizente com aquilo que se vê nos palcos de Nova Iorque. E, claro, o requinte na direção de arte (figurinos, luz, cenografia) colabora para acentuar ainda mais este olhar.

Os figurinos criados por Marcelo Pies são adequados e possuem riqueza de texturas compatível com a profundidade da obra de Chico, uma boa sacada. A pintura em tecido do Estúdio Voodoo, por exemplo, é riquíssima e, aliada ao acabamento barroco das roupas, fornece preciosas nuances. Além disso, a caracterização funciona para situar plenamente os personagens no ambiente de uma trupe em turnê pelo interior do país, castigado e poeirento. No início, os atores começam envergando looks em cores neutras e pasteis – branco, off white, nude, talco, bege – como se fossem as memórias distantes do protagonista, o diretor dessa companhia de teatro interpretado por Botelho. Mas, ao longo das duas horas de espetáculo (sim, a peça dura mais do que os 90 minutos do título), vão se colorindo, ao passo que a bela luz de Paulo Cesar Medeiros, muito viva e colorida no início, vai suavizando um pouco para dar destaque às densas gamas dos tecidos acrescentados.

E o cenário de Rogério Falcão, muito simples, faz uso inteligente de andaimes e bancos de madeira, mais uma série de trainéis móveis, para imprimir dinâmica às coreografias, com contornos que são favorecidos pela iluminação. De uma forma geral, um belo espetáculo, ainda que, após Gota D’Água” e Teresinha”, ele perca um pouco o ritmo. Ainda assim, é um programa imperdível para amantes de Chico Buarque ou não, morem eles no Rio, no Leblon, na Lapa, em Budapeste, na estimada Paris do músico ou em qualquer lugar que seja.