Hoje a editoria de Gente do HT inaugura a sua coluna semanal com personalidades do mundo online, seja um perfil engraçado no Twitter, uma conta inspiradora no Instagram ou qualquer outro link do gênero. Para essa estreia, o Site fugiu um pouco do costumeiro star system para focar na cidade que tanto ama: o Rio de Janeiro e duas pessoas que, aos poucos, têm ajudado a melhorar a capital fluminense através da “Rio Invisível”, página do Facebook que conta a história de alguns dos seus inúmeros moradores de rua.
A iniciativa começou com dois amigos que se conheceram na PUC-RJ: o publicitário Nelson Pinho e a jornalista e produtora de cinema Yzadora Monteiro, ambos de 24 anos. Inspirados pela página “SP Invisível” (que já rendeu iniciativas similares no Distrito Federal, Curitiba, Florianópolis e outras capitais), eles resolveram trazer para o Rio a mesma proposta, impulsionados pelo fato de já terem feito trabalhos similares antes. Hoje, oito meses depois, já acumulam 79 mil curtidas no perfil, mais de 5o histórias contadas sem preconceitos e um grupo que fornece ajuda contínua para os moradores de rua.
Nas postagens, que vêm sempre acompanhadas por fotos, o personagem retratado conta a sua história em primeira pessoa e, a partir disso, é possível ver como cada um que está na rua tem um motivo diferente que vai muito além da percepção geral. Os casos são os mais variados: incêndios, desemprego, doenças, desamparo e vícios fazem parte dessas narrativas, mais humanizadas do que de costume, e apresentadas sempre sob um olhar sensível, por mais imparcial que seja. A reação dos entrevistados também varia, desde aquele que se sente deprimido, àquele que consegue ver um lado positivo na situação e apreciar a liberdade que a rua oferece.
HT bateu um papo com Yzadora, que explicou um pouco mais sobre o processo por trás da “Rio Invisível”, como a página a mudou ao longo desse tempo e qual a importância de dar voz à essa parcela social de uma das urbes mais importantes do mundo. Leia abaixo:
HT: Como surgiu a ideia de criar a “Rio Invisível”?
YM: Começou com a “SP Invisível”. O Nelson viu e veio falar comigo porque nós já tínhamos feito esse trabalho de pesquisa sobre esse tipo de personagens. Entramos em contato com o pessoal de lá, eles nos passaram o procedimento e fomos. Até hoje mantemos contato com a galera de SP.
HT: Qual o maior desafio de falar com essas pessoas e manter a página ativa?
YM: O grande desafio para começar foi a abordagem. Demoramos muito para conseguir tirar fotos deles. Como chegar para alguém que não conhecemos e perguntar sobre a vida dessa pessoa de uma maneira tão íntima? Ainda mais alguém que tem uma vida tão diferente da nossa? Descobrimos que não há mistério nenhum.
Ao longo do processo, temos vários outros desafios, que nós mesmos nos colocamos porque achamos importantes para o projeto. Principalmente, não ter a posição de entrevistador e entrevistado: somos duas pessoas conversando.
HT: Qual é o objetivo principal da página?
YM: Nós queríamos preencher uma lacuna que existe na narrativa da nossa urbe. Essas pessoas sempre sofreram preconceito: são chamadas de ‘mendigos’, de ‘vagabundos’ etc. Só que não é assim, na verdade. Nós que não conhecemos a realidade deles. O objetivo é preencher esse buraco e transformar em sujeito um ser humano que não era encarado como tal pela sociedade. O importante aqui é ver o que essas pessoas querem falar sobre elas: dar voz a essas histórias que, antes, estavam sujeitas a outras visões. A gente se desfaz de todos os tipos de julgamentos na hora da narrativa. Claro que morar na rua é um problema, mas só conhecemos um problema quando perguntamos para a pessoa e sabemos do que ela precisa.
HT: O que mudou em você depois que começou com a página?
YM: Me tirou o olhar de julgadora. Hoje, eu já não passo no filtro o que é certo e errado, só quero conhecer a pessoa melhor. Eu espero que isso aconteça com os outros também. Você começa a entender por que as pessoas fazem certas coisas e vê aquelas outras vidas que existem tão próximas da sua. Eu não gosto de dizer que humanizamos os personagens, porque eles já são humanos.
HT: Ao longo desse tempo, você consegue ver algum ponto comum entre todas as histórias?
YM: É muito difícil resumir tudo, mas a maioria está na rua por causa de uma base frágil, principalmente na família, e isso se desdobra em outras coisas, como drogas ou até doenças mentais.
HT: Como você se sente quando ouve essas histórias? Teve alguma que te tocou mais?
YM: Escolher só uma é impossível, porque é como dizer que eu tenho um ‘preferido’. Mas sim, a gente se toca muito com as histórias, porque nos doamos muito para aquilo. Então depende muito de como estamos no momento: em alguns dias, estou muito fragilizada e já cheguei a falar que não queria mais fazer a “Rio Invisível”. Porque, assim, a gente fica cerca de 40 minutos conversando com aquela pessoa e, quando vamos embora, ela fica no silêncio dela e eu também fico no meu. As cabeças começam a borbulhar! Não tem como você provocar esse tipo de abertura emocional em alguém e sair ileso. Então, é bom ter outra pessoa no projeto, porque ela chega a te acalmar e apoiar, mostrando o quanto aquilo é importante.
HT: Já ficou sabendo do caso de algum morador que tenha conseguido ajuda por causa da página?
YM: A página não é filantrópica, é social. Existe um grupo no Facebook, o “Rio Mais Visível”, administrado pela Cecília Machado, que tem por objetivo ajudar os moradores de rua. Às vezes, a ajuda é muito pontual, então é bom ver as pessoas da página se engajando e fazendo um trabalho contínuo: houve um cara que conseguiu tratamento médico, o outro conseguiu um emprego… É muito legal ver isso. A barreira foi completamente quebrada.
HT: Falando de maneira geral, você consegue ver um ponto negativo dessa nova era onde a tecnologia é tão presente na vida das pessoas?
YM: Pegando o caso do “Rio Invisível”, eu vejo que por mais que a internet te abra n possibilidades, você às vezes se fecha muito ali naquele meio e não consegue levar isso para um ambiente mais prático. Por exemplo: conseguimos fazer uma transformação bacana com o projeto, mas isso se dissipa muito rápido. A internet tem conteúdos, então a pessoa lê aquilo e depois vai ler outra coisa. É algo que pode ou não surtir efeito, mas nós contamos que, sim, ela possa levar isso para outro mundo. Você curte, comenta e acha que está fazendo sua parte, mas o importante é a mudança de pensamentos.
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