Ricardo Tozzi fala sobre seu primeiro vilão, protagonismo feminino, novela de época e coronelismo: “Tem muito coronel por aí”, disparou


O ator está interpretando um proprietário de terras malvado em Orgulho e Paixão. Apesar das roupas pesadas e quentes, contou que gosta muito de fazer tramas de época porque aprecia muito a realidade contemplativa daquela geração

Mesmo no auge de seus 42 anos, Ricardo Tozzi ainda consegue viver novas experiências em sua carreira. O ator está interpretando, pela primeira vez, o estereótipo do vilão em Orgulho e Paixão. Muitos artistas afirmam que gostam de interpretar um antagonista por poder liberar algumas vontades que vão contra os seus princípios. No entanto, o ator contou que ainda está sendo um exercício. “Tem horas que me pergunto porque tenho que bater em determinada pessoa, mas a equipe sempre fala que não tem explicação. É interessante ser um vilão, porque é inteligente, perspicaz e, em certos pontos, até tende para o humor. Ele tem uma visão diferente da vida e eu acho divertido, é bem legal de fazer”, comentou.

Ricardo Tozzi interpretará um vilão em Orgulho e Paixão (Foto: Divulgação)

Xavier Vidal é dono de um cafezal e não mede esforços para conseguir o que quer. É inescrupuloso e explora os seus empregados. “Ele tem uma estrutura de vilão. Não é um cara que eventualmente foi mau caráter não, o Xavier é ruim. E eu não sei de onde vem tanto ódio, acho que a trama vai mostrar depois. Ele quer destruir o sucesso dos outros e se sente o dono da cidade”, comentou o artista. Em meio a esta disputa de terras e de poder, a novela consegue tocar em um ponto muito interessante que é a influência que os coronéis e proprietários de terras exercem sobre determinada região. De acordo com o ator, esta não é uma realidade muito distante da atualidade. “Eu viajei, há três anos, para o interior de um estado no norte do país, que eu não vou dizer qual é, para trabalhar em um desfile de uma loja. O próprio proprietário me buscou no aeroporto em um carro chique. No caminho, ele me contou que não havia nenhum problema na região porque eles matavam ‘doetinho’. Acabei perguntando o que quis dizer e a resposta foi: ‘Quem nasceu viadinho a gente mata’. Fiquei preso àquela situação, mas se pudesse eu iria pedir para parar o carro, porque iria pegar um helicóptero e sumir. Ele é um coronel e isto aconteceu há três anos! E tem muita gente igual a ele por aí. Não adianta achar que isso está bonito. O cara me disse que matava os homossexuais da cidade, simplesmente porque nasceu com uma orientação sexual diferente do que ele considera aceitável. Cadê a liberdade do ser humano? É complicado”, lamentou.

Ao mesmo tempo que Orgulho e Paixão discute assuntos atuais, a trama retrata uma realidade de 1910. Todo o enredo conservador de disputa de terras e casamentos arranjados é contextualizado a partir dos livros da inglesa Jane Austen, já que a novela é inspirada em vários exemplares da autora. Sendo assim, a trama foi construída com uma face extremamente feminina por retratar o protagonismo que estas mulheres exercem na literatura de Jane. Eu acho sensacional que esta novela seja dominada por mulheres. Adoro o enredo todo, sou muito fã de Orgulho e Preconceito”, considerou.

O ator na coletiva de imprensa na novela (Foto: Fábio Rocha/Gshow)

Talvez por ser inspirada em Orgulho e Preconceito, a novela fala muito sobre os julgamentos que aquela sociedade tinha com relação ao futuro de cada um. A mulher, por exemplo, era vista de forma inferiorizada. De acordo com o ator, é interessante poder entender como a nossa mentalidade mudou e o que precisamos ainda alterar.Houve uma evolução muito grande e as coisas ainda estão mudando muito rápido. Não dá mais para a gente aguentar o preconceito. Naquela época, estes julgamentos aconteciam por causa da tradição e o modelo de educação ser muito igual. Atualmente, as informações estão expostas, por isso não tem como justificar a base do preconceito. Para mim é inadmissível pensar que alguém é melhor que outro”, disparou. Ao mesmo tempo em que existem tantas informações a favor do público também existem restrições, o que pode caracterizar uma forma de retrocesso. “Acredito que as pessoas têm alguns medos e questões mal resolvidas consigo mesmas e por isso preferem negar o que vai instigá-las a se perguntar. Sou mente aberta. Infelizmente acho que, em função de alguns movimentos religiosos, estão sendo doutrinadas algumas ideias ultrapassadas e acredito que isto pode fomentar o encaretamento”, lamentou.

A trama fala sobre a crise do café e desbrava uma literatura inglesa escrita no final do século XVIII. Trazer estes temas, de acordo com Ricardo Tozzi, é muito importante para compor o papel social que a novela exerce. “O papel de uma novela também é informar e instruir. As pessoas criticam muito o gênero dizendo que é uma camada superficial, mas discordo. Para colocar Orgulho e Paixão no ar foi feita uma pesquisa absurda e tudo foi montado a partir disto. Sendo assim, é uma forma de educar o nosso país, mostrar de onde viemos e em que momento surgiram as nossas questões. Muitas pessoas não sabem qual a sua verdadeira origem, como os italianos vieram para o Brasil, como foi a abolição dos escravos, como começou o mercado novo de café e outras questões do gênero. Entender a nossa origem é saber mais sobre nós mesmos. Isto é fenomenal. É uma aula de história”, afirmou.

Grande parte desta pesquisa feita para montar a novela é voltado para a construção do figurino que se usava na época. Por causa disso, os atores precisam enfrentar roupas muito diferente das usuais, com tecidos mais quentes e pesados. “Estaremos todos suados na tela, porque não tem o que fazer. É um suor que sai do cabelo e pula. É muito quente, são três camadas de veludo”, lamentou. Mas ao mesmo tempo ele contou que adora fazer tramas de época: “Acho muito lúdico e interessante ver como as pessoas tinham menos conhecimento do mundo e, por isso, menos ambição. O desejo máximo era querer uma terra para si. Atualmente, vemos o mundo inteiro e pensamos o quanto podemos fazer. Então era mais simples, mais agradável, mais gostoso. A pessoa tinha que casar, criar filhos e pronto. A vida já estava consolidada. Tudo é muito complexo hoje em dia”.

As palavras saudosistas do ator revelaram um lado desconhecido dele, que é a paixão por esta construção do passado. Segundo Ricardo, ele gostaria de viver naquela época. “Eu devo ter vivido numa outra época, porque tenho um espírito meio velho. Sou um cara meio à moda antiga, gosto da gentileza e da calma. Naquele tempo, era possível olhar mais para si mesmo e saber quem verdadeiramente era. Atualmente, por recebermos tantas informações de fora, acaba sendo difícil assimilar tudo. A consequência é que todos acabam meio perdidos e carentes. Acho o mundo contemporâneo meio complicado”, lamentou.