Passeando pela timeline do Facebook, encontrei, certo dia, uma referência ao lançamento de uma revista erótica com cara de livro de arte batizada“Nin” que tinha, ninguém mais, ninguém menos do que Cicciolina na capa. A capa, o design e o conteúdo sugerido nas chamadas eram tão interessantes e instigantes que não sosseguei até chegar às donas da ideia, uma dupla de moças lindas, descoladas e cheias de atitude que atendem pelo nome de Alice Galeffi e Letícia Gicovate.
As duas, além do arriscado passo, são donas, também, de um passo ainda maior: a editora Guarda-Chuva, que já lançou, além da “Nin”, o “Som & Pausa”, sobre o qual já falamos bastante por aqui, o livro do fotógrafo sensação das redes sociais Cartier Bressão e outros tantos. Mas o assunto aqui é a “Nin”, um compilado de textos interessantes e inteligentes sobre o tema nudez e erotismo, com a assinatura de uma turma que vai de Ronaldo Lemos a Fernanda Marinho, passando por João da Matta e outros tanto em ensaios que abordam a evolução da figura do homem nu, no modo como ela é reproduzida frente às desigualdades contemporâneas, ou sobre como a nudez pode ser libertadora ou aprisionaste, dependendo da forma como se lida com a ausência de roupa.
Mas nem só de palavra vive a “Nin”. É possível também encontrar ilustrações, fotografias, pinturas e uma reveladora entrevista com um ícone do sexo contemporâneo, a italiana Cicciolina, ou Ilona Staller, como ela foi batizada, sobre seus tempos na indústria pornô, como congressista e o conturbado casamento com o artista plástico Jeff Koons. Como elas chegaram até o mito? Bom, quem conta isso pra gente – e muito mais – é uma das donas da ideia, Alice Galeffi, em entrevista que você pode ler agora. Prometo que vale a pena.
HT: Como surgiu a ideia da revista?
AG: Surgiu de maneira bem orgânica; eu sempre quis que a Guarda-Chuva tivesse uma publicação própria, com conteúdo produzido internamente, mas ainda não tinha uma linha definida. Paralelamente a isso, Letícia Gicovate me procurou com o sonho de fazer uma revista, e quando me mostrou suas referências a sintônia foi imediata. Trabalhamos por um ano até chegar nesse conceito e formato que ela tem hoje.
HT: Como é falar de arte erótica em um momento em que parece que o mundo está se tornando cada dia mais conservador?
AG: Confesso que ficamos um pouco preocupadas com a receptividade do tema no início, mas quando começamos a mostrar a boneca da revista para as pessoas e falar do projeto, TODO mundo tinha alguma referência para mandar pra gente, uma história pra contar, ou simplesmente parabenizava a gente pela iniciativa. Fizemos uma revista que gostaríamos de consumir, e descobrimos um universo de pessoas que também estavam carentes dum erótico visto por outro viés, por um olhar feminino e artístico.
HT: Como chegaram até a Cicciolina? E o que descobriram dela nesse processo que pouca gente sabe?
AG: Encontramos o email na internet, e ela respondeu! Letícia passou alguns meses trocando emails com ela, e descobrimos uma mulher interessantíssima, politicamente engajada (foi a deputada mais votada da história da itália), culta e com uma bagagem iconográfica riquíssima. Ela foi espiã da KGB, e utilizou o sexo como ferramenta libertária. Fiquei bastante surpresa com a Cicciolina para além das histórias do cavalo, que era só o que eu sabia sobre o mito antes da revista.
HT: O fato de a revista ter sido criada por duas mulheres muda a abordagem sobre a arte erótica de alguma forma?
AG: Acho que o fato de ter sido criado por duas mulheres muda a abordagem do erótico, mais do que da arte erótica. O erótico como conhecemos hoje foi criado pelo olhar masculino, o que não é uma crítica, apenas uma constatação. Já no campo da arte erótica, não sei até que ponto isso difere, já que a arte é um campo mais livre, onde olhares se misturam e conversam mais. Na revista temos visões masculinas e femininas do tema. É uma revista para homens e mulheres de todos os sexos, como gostamos de dizer.
HT: Por que o mundo ainda tem tanto pudor com o nu?
AG: Essa é uma questão complicada, poderíamos debater por dias. Não consigo entender o pudor no Brasil, onde os programas de TV mais assitidos do país consistem, basicamente, em mulheres semi-nuas. Fio-dental pode, mamilo não pode, por quê? O fio-dental de uma mulher nesses programas de TV pode ser muito mais sexualizado do que um mamilo artístico. Acredito que, apesar do conservadorismo exarcebado, existem muitos movimentos que questionam e buscam entender essa contradição do nu hoje em dia.
HT: Qual o principal conceito por trás da editora? Querem se especializar em algum nicho? Quais os próximos lançamentos?
AG: Nosso foco na Guarda-Chuva é registrar o contemporâneo, sempre com um design inovador. Gostamos de experimentar e ousar, dar voz ao novo e renovar o velho. Falamos para um público jovem, seja através da literatura, dos livros de arte, de comportamento ou lifestyle. Além de livros inovadores, gostamos de pensar em novas maneiras de viabilizar o livro. Já fizemos dois crowdfundings super bem sucedidos (“Cartiê Bressão” e“Copacabana Sentimental”) e estamos fazendo o terceiro, com a Letícia Novaes, da banda Letuce. A Letícia é incrível, e o livro está tão rico e engraçado como ela. Vamos lançar agora nosso primeiro livro de Young Adults, chamado “Em Queda livre”, da autora bestseller do “The NY Times” Ally Carter. Estou muito animada em fazer livros para adolescentes, pois na minha adolescência os livros foram meus grandes aliados. E temos mais surpresas a caminho, aguardem!
HT: Como fazer o livro físico continuar sendo relevante em tempos de realidade virtual?
AG: Acredito que o livro nunca foi tão relevante; com os livros de adolescente que estamos fazendo estou percebendo que esta geração nunca leu tanto. Eles já nasceram com um iPad na mão, e, acredito, buscam uma fuga dessa realidade virtual no papel. A internet possibilitou a eles terem acesso a grupos especificos, que discutem e debatem temas nichados. Então a busca que eles fazem dos livros é online, mas toda a leitura é no papel.
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