*Por Brunna Condini
A luta por uma sociedade antirracista tem um longo caminho. Segundo a historiadora Lucia Regina Brito Pereira, o movimento existe desde a chegada dos primeiros trabalhadores escravizados e a busca incessante por liberdade. A luta não é nova, mas muitos acontecimentos fazem com que ela se coloque ainda mais em evidência, como a violência racial ou a situação de extrema vulnerabilidade da população negra e pobre durante a pandemia do novo coronavírus, por exemplo. Ou ainda, com as declarações racistas escancaradas através de um pseudo-anonimato que a internet oferece.
O fato é, que as consequências do racismo estrutural ganham cada vez mais espaço nas pautas, na necessidade de transformação e de um movimento antirracista também. Os danos são incomensuráveis. Principalmente quando revisitamos a história, mesmo recente, e nos damos conta que só a partir dos anos 1990 começou a ter uma evolução de políticas direcionadas à promoção da população negra: reconhecimento pelo governo brasileiro do racismo presente na sociedade, criação de grupos de estudos para levantar a real situação dos negros, a criação de ministérios, fundações e secretarias direcionadas a criar políticas para a população negra e a instituição de leis de reconhecimento de comunidades quilombolas.
Mas dos efeitos e consequências do racismo e também da iniciativa de movimentos e atitudes antirracistas pode falar com propriedade, com sua história e lugar de fala, nossa convidada de hoje da série ‘Como ser antirracista?’, a atriz Olivia Araújo. Aos 47 anos, a paulista que estava no ar até abril com sua batalhadora personagem Vânia, em “Malhação – Toda a Forma de Amar” – que teve o final antecipado por conta da pandemia – comentou que todo negro, de alguma forma, já sofreu alguma discriminação na vida.
E é contra isso que a potência de sua fala aponta. Olivia lamenta que o Brasil ainda seja um país que luta contra sua identidade, mas ela busca na história de outras mulheres a inspiração para a resistência diária, como Léa Garcia, Lucy Ramos (nossa primeira convidada da série), Mariana Nunes, Taís Araújo, Erika Januza, Roberta Rodrigues, Juliana Alves, Sheron Menezzes, entre outras. Todas amigas de profissão que, como ela, trabalham para ampliar esses espaços.
Olivia também destaca as ações afirmativas de duas grandes empresas divulgadas na última sexta-feira (dia 18): a Bayer e a Magalu. Anunciaram que seus programas de trainee seriam exclusivos para profissionais negros para preencher vagas de cargos de liderança. A iniciativa dividiu opiniões nas redes sociais. Por um lado, angariou inúmeros apoiadores, mas, por outro, teve usuários questionando se a ação afirmativa seria legal ou ainda sugerindo um tal ‘racismo reverso’. Isso existe? É o que nos esclarece Olivia ao escrever o texto abaixo:
Com a palavra, Olivia Araujo:
“Carta para o Futuro,
Sou paulistana, filha de um homem e de mulher preta. Ele bancário e ela empregada doméstica. Em casa sempre foi valorizada a educação como forma de garantir autonomia e qualidade de vida. Essa era uma conversa sempre presente e o quanto devíamos nos dedicar a uma formação. Ter conhecimento para ter oportunidades que eles, meus pais, não tiveram. Hoje entendo o que eles queriam dizer de fato. Na verdade, que ter e buscar conhecimento é uma forma de resistência e sobrevivência. Saber mais de mim e dos meus me faria conseguir viver melhor em um mundo racista e não sucumbir.
Ser antirracista é colocar o ser humano em primeiro lugar, ser antirracista é se auto analisar diariamente e quebrar conceitos arraigados e reconhecer que os tem. Ser antirracista é entender que todos nós pretos e brancos que fomos educados em uma sociedade racista estamos em processo de aprendizado. Nós, pretos, estamos retomando e reconhecendo nossos valores culturais, estéticos. Nos olhando com mais atenção e generosidade. Então, não nos cobre soluções, porque essa é uma questão de toda sociedade e não só de nós pretos. Buscar soluções é uma tarefa conjunta. Nos ouçam, nos respeitem. Temos história para contar. E entenda que nessa retomada de humanidade, de existência, irão acontecer desvios, divergências, opiniões contraditórias. Temos direito ao erro e de ter tempo para nos corrigir, além de enaltecer grandes ações.
Acho importante a ação da rede varejista Magalu que abriu seu programa de trainee 2021 voltado para pessoas negras. Trazer mais diversidade racial para os cargos de liderança da empresa é entender que é o que precisamos. É oportunidade. Abro espaço aqui, também, para falar do programa de trainee da Bayer só para profissionais negros. Essas empresas estão gerando chances de emprego para a maior parte da população, já que o preto hoje é maioria no Brasil.
Fiquei triste e tocada com as manifestações que ocorreram na internet. Só tenho uma coisa para dizer: racismo reverso não existe. Acesso à educação e ao emprego para pessoas negras não é racismo reverso. É só uma ideia de que alguma coisa precisa ser feita para que possamos seguir juntos em uma sociedade igualitária.
Se você quer ser antirracista é necessário mais do que boa vontade. É preciso participar efetivamente de debates. Entender e respeitar a importância das leis e das ações afirmativas. É preciso um esforço genuíno de todos de querer equalizar as diferenças reproduzidas cruelmente ao longo da história.
Os meus tataravós não tiveram direito à liberdade, meus bisavós também não, meus avós sonharam que seu filhos tivessem mais possibilidades que eles, meus pais fizeram disso uma tarefa para mim e meus irmãos. Eu faço do meu hoje uma carta para um futuro onde haja avanço. Onde empresas não precisam abrir exclusivamente vagas para pessoas negras, pois estaremos dividindo igualmente cargos de lideranças em todas as áreas. Onde a cor da minha pele não seja prejulgamento, nem considerado falta de inteligência, beleza e capacidade”.
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