‘Queremos incentivar mulheres, através de personagens, a colocarem os blocos na rua’, diz a atriz Maria Luisa Friese


Criadora do canal Pulp Lu, a atriz e escritora, fala com exclusividade ao site, sobre o canal que dialoga com o público através de três ícones eternizados pelo cinema, e dos vídeos especiais de Carnaval, empoderados, e em uma manifestação clara contra o assédio: “A ideia é fortalecer o pensamento de que o assédio nos blocos é diferente de uma paquera, de que o lugar da mulher não é só de musa, da não objetificação do corpo, de que a mulher pode e deve ser o que ela quiser. Uma campanha de libertação, convicção e orgulho de ser mulher, tudo isso sem perder a alegria, o humor, a confiança”

*Por Brunna Condini

Carnaval é fantasia, alegria, festa, mas também pode ser um espaço para resistência e manifestações de ideias e posicionamentos. Um viva às fantasias que respeitam a diversidade, a democracia e a liberdade! Que combinam muito com qualquer época, e brilham, ainda mais, nesta.

A atriz e escritora Maria Luisa Friese, criadora do Canal Pulp Lu, no ar no YouTube, está de olho na comunicação através da arte e do humor, faz tempo. Através de três ícones femininos, sexies e visionários, como a “Bonequinha de Luxo”, eternizada por Audrey Hepburn no cinema, a Mulher Maravilha e Marilyn Monroe, a atriz, em histórias curtas, com vídeos de até um minuto, em um formato como se fossem tirinhas de jornal, coloca as três no patamar de gente como a gente para tratar de temas femininos e atemporais.

“Elas são três ícones conhecidos do público pelas suas exarcebações do que poderíamos chamar de feminino, sensual, sexy” (Divulgação)

Por que escolheu essas três personagens? “Elas são três ícones muito conhecidos do público pelas suas exarcebações do que poderíamos chamar de feminino, sensual, sexy. Mas o que me interessava de fato é que elas foram super empoderadas, feministas, inteligentes, capazes e corajosas”, esclarece.  “Eu quis, através delas, falar para as mulheres e homens hoje. Colocá-las em situações cotidianas atuais dando poder para falarem o que não falariam em outras épocas”.

“Incorporamos campanhas como o “não é não”, “meu corpo minhas regras”, em uma ideia de fortalecer o pensamento de que o assédio nos blocos é diferente de uma paquera” (Divulgação)

Com este espírito libertário, Maria Luisa idealizou também vídeos para o carnaval, trazendo uma força de afirmação e consciência de que o mundo mudou e que certos comportamentos não serão mais tolerados. “Incorporamos campanhas como o “não é não”, “meu corpo minhas regras”, “não à cultura do estupro”, em uma ideia de fortalecer o pensamento de que o assédio nos blocos é diferente de uma paquera, de que o lugar da mulher não é só de musa, da não objetificação do corpo, de que a mulher pode e deve ser o que ela quiser.  Uma campanha de libertação, convicção e orgulho de ser mulher, tudo isso sem perder a alegria, o humor, a confiança. Queremos incentivar as mulheres, através das personagens, a colocarem os seus blocos na rua.  Qual é o seu bloco mulher? Esse bloco é o que você quer estar? Com que bloco você vai ?”, questiona.

“Tão bom nos fantasiarmos de um ideal concreto, representando uma atitude, um comportamento e enaltecendo as conquistas femininas obtidas até o presente” (Divulgação)

E que tipo de fantasia gostaria de ver por aí? “Seria tão bom ver desfilando nesse carnaval Marielles, Fridas Kahlo, Simones de Beauvoir, Virgínias Woolf, Joanas D’Arc, Dandaras, Marias Quitéria de Jesus, e tantas outras”, destaca Maria Luisa. “São mulheres com espírito revolucionário, feministas, que dedicaram as suas vidas pela luta à igualdade dos direitos da mulher. Tão bom nos fantasiarmos de um ideal concreto, representando uma atitude, um comportamento e enaltecendo as conquistas femininas obtidas até o presente”.

“São mulheres com espírito revolucionário, feministas, que dedicaram as suas vidas pela luta à igualdade dos direitos da mulher” (Divulgação)

Com 20 anos dos seus 47, dedicados aos palcos, a atriz conta que teve a ideia para o canal quando esteve em cartaz com o espetáculo A Maravilhosa História da Mulher Que Foi Tirar Um Retrato”, recentemente, em que mostrava as mudanças atravessadas pelas mulheres nas últimas décadas. Idealizado por ela e dirigido por Joelson Gusson, a peça trazia Maria Luisa na pele de uma heroína dos quadrinhos, a Mulher Maravilha. “Quis criar um espetáculo que falasse de uma mulher no auge da carreira, que começasse a se questionar”, recorda . “Fui pesquisar mais sobre a personagem e descobri no livro “A História Secreta da Mulher Maravilha” (Jill Lepore). Lá tem muitos ideais e histórias dela, desde a sua criação, até como as revistas se transformavam ao longo dos anos conforme as convenções do momento em relação ao lugar da mulher na sociedade. Depois de duas temporadas, fiquei com muita vontade de expandir a personagem em outras mídias porque eu ainda tinha muita coisa para falar através dela. Me veio com muita força a ideia do formato de tirinhas de jornal, que tem um texto rápido, curto, com a uma lógica que eu sempre adorei. Sagaz, divertido, debochado, conclusivo”.

“Marilyn Monroe foi extremamente massacrada pelo machismo e a mídia de consumo de Hollywood na época” (Divulgação)

Se tivesse que escolher uma das 3 para ser por um dia, qual seria? “Escolheria a Marilyn Monroe. Tentaria em um dia que a sua luta de se livrar da imagem de mulher fatal e de loura burra viralizasse! Ela foi extremamente massacrada pelo machismo e a mídia de consumo de Hollywood na época. Ela era sim, uma empresária fabulosa, amava ler e escrever, era superinteligente. Tentaria isso em um dia, mostraria para todos, em rede, as grandes qualidades e talentos que a Marilyn possuía além da sua imagem”, analisa a atriz, que já esteve no elenco de novelas como “Lado a Lado” (2012) e “Babilônia” (2015).

“Quero dialogar com esse universo da mulher, tanto jovem ou mais velha, que percebe que pode ser o que ela quer ser, sem rótulos, crenças, ideias, discursos ou dogmas impostos pelos outros” (Divulgação)

Que universo feminino contemporâneo é esse que você quer dialogar através do canal? “É o universo feminino que floresce hoje na sociedade, no trabalho, na família, na escola, nas festas, na política. É essa mulher, tanto jovem ou mais velha, que percebe que pode ser o que ela quer ser, sem rótulos, crenças, ideias, discursos ou dogmas impostos pelos outros, por uma sociedade ainda machista e por crenças que foram fabricadas”, explica. “Essa transformação do feminino que vai além é expandir o pensamento e dialogar com todos, ir além da questão feminina no sentindo de transbordar o pensamento, ultrapassar o assunto e penetrar num universo de relação do ser humano consigo mesmo e com o próximo, com os seus corpos, com a natureza, pensar numa sociedade melhor, para tudo e todos. Gerar o movimento da delicadeza e do amor, no sentindo mais amplo da palavra “feminino”.  Criar um mundo mais igual para vivermos. Eu acho que o feminismo ajuda nesse processo”.

“Ainda vivemos num país em que o machismo é bastante entranhado no pensamento de muitos homens e mulheres” (Divulgação)

Ser mulher no Brasil de hoje ainda é difícil? “Sim, ainda é bem difícil. Ainda vivemos num país em que o machismo é bastante entranhado no pensamento de muitos homens e mulheres. Na verdade, ser brasileira hoje está muito difícil em todos os sentidos. Um momento em que poderíamos dar um grande avanço em várias questões relacionadas as mulheres, na política, no trabalho, o país se encontra num grande retrocesso, onde os dirigentes atuais do país fazem questão de promover a intolerância, o machismo, a ignorância. Se já estava difícil, mas íamos seguindo com alguns avanços, agora, periga termos um retrocesso enorme. Acredito mesmo, que fazendo essa relação de delicadeza e amor no micro, nas relações pessoais, em casa, no trabalho, possamos ter uma expansão disso para o macro e avançar de alguma forma com o pensamento e atitudes mais humanas e igualitárias nessa atual conjuntura do país”.

O que diria para quem acha que feminismo é o contrário do machismo? “Vai pesquisar! (risos). Não, eu diria: Entenda que o feminismo não é uma prática de diminuição do homem, de competição, de querer estar na vantagem profissional, de querer se dar melhor do que ele, de castrar os prazeres do homem, de restringir os desejos e vontades dele do dia a dia, de não querer assumir os trabalhos de casa, de não cuidar dos filhos, de classificar as roupas masculinas como próprias ou impróprias, de diminuição intelectual do homem. Mas o machismo é tudo isso em relação a mulher e muito mais”.

“É preciso gerar o movimento da delicadeza e do amor, no sentindo mais amplo da palavra “feminino”.  Criar um mundo mais igual para vivermos. Eu acho que o feminismo ajuda nesse processo” (Divulgação)