*Por João Ker
A essa altura é fácil dizer que OSGEMEOS são os artistas urbanos mais famosos e importantes do Brasil, com uma enorme projeção não só nacional como também nos países do mundo afora e donos uma popularidade verdadeira, fruto do apreço que o público sente por seus desenhos. A dupla, formada pelos irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo, começou a fazer grafite nas ruas de São Paulo durante o final da década de 1980, e viu seu trabalho cair nas graças do público estrangeiro antes de ser visto ou encarado como arte no seu próprio país, onde grande parte da população ainda considerava os traços como “vandalismo”.
Com seus cidadãos amarelos e a inspiração do universo Tritrez, criado por eles, OSGEMEOS conseguiram popularizar uma arte que não apenas enfeita as ruas, mas mostrar sua realidade e as dificuldades enfrentadas por seus habitantes. Mais do que isso, o grafite feito pela dupla levanta questionamentos, reflexões internas e sociais, apenas com o traço e algumas frases de impacto que projetam insatisfação e sátira ao sistema vigente.
Depois de terem exposto nos maiores museus do mundo, colaborado com Banksy, ilustrado o avião oficial da Seleção durante a Copa do Mundo FIFA, e ainda manterem seu trabalho crítico pelas ruas da capital paulista, OSGEMEOS agora fazem parte de uma exposição permanente no Museu Casa do Pontal, no Recreio dos Bandeirantes. Para a ocasião, eles criaram uma escultura que estará dentro da instalação “O bunker”, criada especialmente para a mostra.
Sobre o trabalho, que será inaugurado no próximo sábado (31/1) e ainda terá um bate-papo com OSGEMEOS, Paulo Portela, Angela Mascelani (curadora do museu), além de show do cantor e compositor Siba, eles comentam: “Quando o Museu Casa do Pontal nos convidou a fazer uma obra original para seu espaço, sentimos a necessidades de falar um pouco sobre a importância de voltarmos nossa atenção para a cultura popular. Nossa escolha foi trabalhar com um símbolo forte. “O bunker” preserva, guarda, protege e serve como templo para reflexões. A arte engajada desperta e amplia o interesse por muitos assuntos às vezes esquecidos, e que precisam ser discutidos e respeitados”. Abaixo, a dupla fala sobre essa importância de preservar a arte brasileira, os embates com a Prefeitura de São Paulo que, constantemente, apaga seus desenhos e a projeção internacional de sua obra.
HT: Como vocês pensam o conceito por trás de uma obra específica como essa? Projetam um tema específico que caiba naquele espaço ou usam alguma referência que já estava sendo planejada e adequam para o museu?
OG: A concepção se iniciou em novembro de 2014, desde a execução e construção do bunker, até o processo da escultura. Como é a primeira vez que fazemos uma escultura como essa que integra a obra, levou muito tempo e experiência para chegarmos ao resultado final. Depois de muitos experimentos, chegamos à escultura feita em gesso. A instalação por si só tem uma força incrível. Uma das coisas mais interessantes do projeto foi poder casar a arte contemporânea com a arte popular brasileira. Desde o primeiro dia que visitamos o museu, entendemos a importância da preservação da arte popular brasileira, como um marco de épocas. O bunker é uma obra que faz refletir sobre a proposta do museu e seu momento. Funciona como um templo protetor, que reivindica, questiona e alerta. A obra também alerta sobre a preservação da história e cultura de tantos povos, do nosso patrimônio histórico e cultural. O atual momento pelo qual o museu está passando é a oportunidade perfeita para falar desse assunto, e para a realização dessa obra.
HT: Como vêem a interseção entre a arte de rua e a arte popular brasileira? Quais os pontos de semelhança e diferença, principalmente com a obra de vocês?
OG: Nosso trabalho sempre teve uma conexão muito forte com a cultura popular – seja no grafite ou no trabalho que desenvolvemos junto a museus e galerias. Os motivos são diversos – desde a nossa vivência na rua, através do grafite, até as nossas viagens pelo Brasil e encontros com pessoas especiais. Existe muita sensibilidade em cada uma das peças do acervo do Museu Casa do Pontal, obras muitas vezes feitas pela pura necessidade que o ser humano tem de se expressar. Essa necessidade tem grande carga sentimental e espiritual, por isso é difícil rotular – “arte popular” ou apenas “arte”. Existe uma grande conexão já natural entre nosso trabalho e o acervo. Uma das características da arte urbana é a improvisação, e encontramos esse elemento muito forte na arte popular brasileira. Outro grande fator é a necessidade de marcar uma imagem. Na arte urbana há uma preocupação muito forte em ter seu próprio estilo, algo que o identifique. Na arte popular, isso já aparece de um modo mais natural, despretensioso. Criando assim uma identidade única. Mas no caso da instalação feita para o Museu Casa do Pontal a principal conexão se dá com a arte contemporânea e a arte popular. Agora, passando por cima de rótulos e denominações, a arte em geral tem esse papel, de fundir, transformar, modificar, perder o medo. Quando se está preso a rótulos, isso fica mais difícil.
HT: Qual a diferença na percepção do público e na maneira com que vocês criam uma arte para o Brasil e para o exterior?
OG: É interessante observar como cada país receber a arte de modos diferentes. A arte é uma linguagem universal, cada pessoa está aberta para a sua sensibilidade ao seu próprio modo.
HT: Como vocês encaram a efemeridade do grafite? Ficam chateados quando pintam por cima de algum trabalho que demorou muito? Acham que a internet é uma boa ferramenta para se construir alguma espécie de “memória” do grafite?
OG: Não é uma questão de ficar chateado. Todo grafiteiro deve estar preparado para lidar com essa situação do efêmero. É mais uma questão de respeito, e isso, infelizmente, vai de cada pessoa e cada gestor. Muitos dos trabalhos que tínhamos nas ruas do Rio de Janeiro e de São Paulo, por exemplo, infelizmente, foram apagados pela atual Prefeitura. Esse, aliás, é um ponto em comum com isso que trazemos na instalação O bunker – o alerta para a preservação de nossa cultura, que está por toda parte, e precisa de nossa atenção. É triste ver um país tão rico em cultura, e pouco se preserva. O grafite tem que estar nas ruas, tem que ocupar o meio urbano, de forma ilegal, ou legal, mas que seja feito pela sua vontade, onde você quiser fazer, sem ninguém te dizer como ou onde. Portanto, é muito triste quando fazemos uma obra na rua e sofremos o combate vindo da nossa própria cidade, o local onde nascemos e moramos. Uma cidade com milhões de problemas, onde a vemos abandonada em muitos sentidos. Ao invés de a Prefeitura se preocupar com problemas sérios, os gestores gastam nosso dinheiro para apagar arte. Para nós, não faz sentido sermos tão admirados por outros países, e a própria gestão de nossa Prefeitura muitas vezes não respeitar o que fazemos. A gente sente que São Paulo está abandonada.
O que mudou para vocês desde quando começaram a pintar nos anos 1980 até os dias de hoje, quando são artistas reconhecidos mundialmente?
OG: Tudo na vida está em estado de transformação. Seguimos sempre em um processo criativo crescente. A única coisa imutável é o sonho. Este não muda, apenas cresce junto com a gente.
Serviço:
Museu Casa do Pontal
O Museu Casa do Pontal funciona de terça-feira a domingo – de terça a sexta-feira, das 9h30min às 17h, e aos sábados, domingos e feriados, das 10h30min às 18h.
Endereço: Estrada do Pontal, 3.295, Recreio dos Bandeirantes.
Quem quiser pode conferir a exposição permanente do espaço. O ingresso custa R$ 10 e estudantes e idosos pagam meia.
A obra ficará nos jardins do museu e a sua visitação é gratuita.
Mais informações estão disponíveis no site oficial do Museu Casa do Pontal. www.museucasadopontal.com.br.
Artigos relacionados