A noite desta terça-feira (17/3) foi de brilho no Espaço Tom Jobim, no Rio, com a cerimônia de entrega dos troféus aos vencedores da 27ª edição carioca do Prêmio Shell de Teatro. A premiação que agracia a nata daquilo que rola nos palcos da Cidade Maravilha fez ótimo uso da deslumbrante atmosfera do Jardim Botânico – que circunda o local –, em plena sintonia com a ambientação charmosa e com a presença animada da classe artística, que ainda pôde degustar os acepipes a cargo de Lilia Fortuna. Os mini bowls de bobó de camarão e os bolinhos de feijoada foram os que fizeram mais sucesso. O evento, apesar da decoração premium, primou pela informalidade, com a ribalta refletindo aquilo que se viu na confraternização, em clima de camaradagem e com lounges dividindo o salão. E, pelo discurso dos contemplados, ficou provado que a troca de opiniões e a comunhão de ideias é fundamental para por o teatro nacional de pé. A classe política brasileira, pelo jeito, tem muito a aprender com quem luta com garra nos palcos. Pelo menos no que se refere a dividir generosamente a cena.
O júri – formado por Ana Achcar, Bia Junqueira, João Madeira, Macksen Luiz e Moacir Chaves – deve ter tido dificuldade esse ano em selecionar os vencedores, dada a diversidade de propostas cênicas e talentos ímpares. Mas celebração é assim. E Jorginho de Carvalho – homenageado da vez e papa absoluto da iluminação, um dos precursores de tudo aquilo que se faz hoje em dia – foi quem se encarregou de imprimir essa tônica tão bem humorada da festa: “Eu frequento esse prêmio desde quando ele começou em 1989, já fui jurado aqui, recebo agora essa linda menção, mas nunca ganhei o Prêmio Shell”, mandou na lata, provocando o riso generalizado.
Antes do evento começar, Suzana Faini – uma instituição, concorrendo a ‘Melhor Atriz’ pela fabulosa “Silêncio!”, que lhe rendeu o Prêmio Cesgranrio de Teatro, em janeiro – exalava sua típica elegância, contando ao HT: “Já ganhei este outro, acho pouco provável agora”. Postura de “Downton Abbey” sempre. De fato, quem acabou laureada nesta categoria foi Stella Rabello, também estupenda por “E se elas fossem para Moscou?”, que concorreu ao lado de sua colega de cena, Julia Bernat e com Andrea Beltrão, esta por “Nômades”. Andrea, por sinal, relacionou a longevidade da premiação com o momento atual do país: “Em uma época em que as instituições estão tão capengas e tanta coisa boa perde força e continuidade, a trajetória do Shell é maravilhosa, de se tirar o chapéu”.
Na categoria ‘Melhor Ator’, André Curti e Artur Luanda Ribeiro dividiram o troféu pelo formidável trabalho em “Irmãos de sangue”, uma preciosidade que ainda concedeu a ambos ‘Melhor Cenário’. E, ainda no que tange à fina arte da representação, o elenco de “Samba Futebol Clube”, outra pérola da temporada, arrebatou ‘Inovação’ por tornar possível a renovação da estrutura do musical via sua capacidade de atuar com excelência nas diversas funções do gênero. A trupe, animadíssima, tocou o rebu e foi responsável por um dos momentos mais divertidos da noite, sob as vistas do diretor Gustavo Gasparani, que concorria por direção e também como ator por “Ricardo III”.
Aliás, Christiane Jatahy comemorou a vitória na categoria ‘Melhor Direção’ por “E se elas fossem para Moscou?” elogiando a turma de Gasparani: “Vim com o discurso pronto para receber por ‘Inovação’. Não esperava isso, achei que a turma de ‘Samba Futebol Clube’ fosse papar esse prêmio. É deles também!”.
Por sua vez e na mesma vibe, Nando Duarte, premiado por ‘Melhor Música’ por este espetáculo, creditou parte do sucesso à parceria de longa data com o próprio Gasparani, com quem trabalha há anos. Sim, para quem acha que teatro é puro ego, esses dois exemplos são prova de que a rapaziada por trás das cortinas pode ser de uma generosidade inconcebível.
Renata Mizrahi levou pra casa ‘Melhor Autor’ pela fenomenal “Galápagos”. Texto absurdo mesmo. Conversando com HT, a escritora credita o sucesso da peça à interação que teve com atores e direção: “Durante os ensaios, tive que elevar minha percepção a níveis jamais imaginados. Eles me traziam coisas que eu não havia escrito, eu ficava reativa, ia para casa, pensava, via que fazia todo sentido, mudava o texto. Essa troca me enriqueceu, me amadureceu demais e sou outra depois dessa obra, pronta para novas trocas. Reconhecimento é isso: ceder quando é preciso, sem facilitar”. No palco, ela corroborou com essa opinião quando afirmou: “Descobri a diferença entre o difícil e o trabalhoso. O primeiro indica que fim, o segundo se refere à continuidade”.
Maneco Quinderé ganhou ‘Melhor Iluminação’ por “A dama do mar” e Claudia Kopke arrebatou ‘Melhor Figurino’ por “Chacrinha – o musical”. Ela considerou complicado fazer o figurino de um espetáculo daquele tamanho e ainda agradeceu a longa parceria com Andrucha Waddington, diretor da obra. Em bate-papo com HT, ela foi direto ao ponto: “É engraçado essa coisa do teatro, porque tudo fica muito pequeno. Estou acostumada com cinema e minissérie na TV, que acabam sendo também pura tela. Um furinho numa roupa em televisão HD vira uma cratera. Em ‘Chacrinha’, insisti nessa minúcia da Sétima Arte, nos detalhes. A cueca do Abelardo é toda bordada à mão, mas possivelmente só quem está até a quarta fileira da plateia percebe isso. Uma loucura”.
Na conversa, Claudia reforça a opinião de Renata Mizrahi sobre a negociação no processo criativo: “Já fiz muito figurino de ópera, mas esse tipo de espetáculo é mais parado pela sua própria essência. As coreografias em ‘Chacrinha’ me enlouqueciam (risos). Tive várias vezes que acertar com o Alonso [Barros, diretor de movimento] o limite das concessões, porque ele vinha com ideias incríveis sobre movimentação dos atores que implicavam na adaptação das roupas. Doideira!”
Artigos relacionados