Suave é a noite, como diria o escritor F. Scott Fitzgerald. A desta terça foi assim, gostosa e repleta de brilho no Espaço Tom Jobim, o charmoso teatro encravado no Jardim Botânico ao pé do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Ali ocorreu a cerimônia de apresentação dos vencedores da 26ª edição do Prêmio Shell de Teatro. Apesar de toda a pompa e circunstância, trata-se da versão carioca do evento e, portanto, à importância da premiação soma-se uma boa pitada de descontração, como costuma acontecer quando a classe artística se reúne na cidade-maravilha. E o clima conspirava para isso. O lugar, deslumbrante, é encravado no meio da mata atlântica e isso por si só, já se configura em um espetáculo à parte, com ambientação enriquecida pelo set montado pelos músicos Rodrigo Sha e Marcos Suzano, além do DJ Naldo Leal. Mais importante que anunciar os vencedores deste ano, é uma celebração, onde aqueles que se destacaram no teatro ao longo do último ano podem se confraternizar em uma atmosfera muito mais cordial do que a fogueira de vaidades das cerimônias desse gênero em cidades como Nova York ou Londres. Uma delícia. Ana Kfouri, Marco Nanini, Marieta Severo, Natália Lage, Zezé Polessa, Rodrigo Penna, Ricardo Blat e Camila Amado eram alguns que abrilhantavam a noite, e até Bárbara Paz – uma das concorrentes ao prêmio como atriz – conferia doce requinte ao badalo, em black tie moderninho, como se fosse uma Marlene Dietrich contemporânea. “Fiz da minha cabeça, gosto das minhas misturinhas, o paletó é do Reinaldo Lourenço”, disse, ressaltando que estava feliz com a acolhida de sua peça “Venus em visom” pelo sul, em especial Porto Alegre, sua terra.
A mestra de cerimônias da noite, a atriz Renata Sorrah, tratou logo de imprimir à apresentação o mesmo clima de cordialidade sentido na plateia para anunciar as categorias premiadas e seus respectivos contemplados, em um ritual que teve duração de tempo na medida certa. Mas, antes mesmo de sua entrada em cena, quando os convidados já estavam aboletados em mesas (no estilo do Globo de Ouro), o coletivo que concorria à recém-lançada categoria “Inovação”, o pessoal do Movimento “Reage Artista” – grupo que se propõe ampliar a participação dos artistas cariocas no planejamento cultural do Rio – subiu ao palco para chamar atenção para sua nova bandeira, todos com modelito que incluía capa paetizada em prata, mulheres com flores na cabeça e faixa onde se lia “Lei da Cultura Rio Já!”. Mas quem pensa que sua participação causou algum constrangimento no público ou entre os organizadores, se engana. É noite de festa, predomina o bom humor e, em se tratando de mobilização a favor da arte, o engajamento acaba ganhando adesão imediata, recebendo palmas. E até o fato de a faixa desenrolada em cena ter praticamente o mesmo comprimento das medidas do proscênio do palco prova que tudo ali tinha a benção dos patrocinadores. Os manifestantes já haviam distribuído, durante o coquetel de abertura, um panfleto onde fazem um balanço das ações em que se envolveram ao longo de 2013, informando que o fechamento de teatros públicos na cidade foi o estopim para o seu surgimento. Se movimentar é preciso.
A trupe do espetáculo musical “Cabaré Dulcina” foi a primeira a comemorar a vitória, com Gabriel Moura ganhando a categoria “Música” e desbancando possíveis favoritos como Delia Fischer (“Elis, a musical”) ou Ricco Vianna (“Jim”, o musical inspirado no pop star Jim Morrison estrelado por Eriberto Leão). Na mesa, o ator, cantor e bailarino Édio Nunes encabeçava o grupo de profissionais do espetáculo que eram puro sorriso, enquanto a produtora Fernanda Castro confessava radiante: “Eu não esperava mesmo!” Já Gabriel disparou ao receber o troféu: “Não era para ser fácil, ainda mais com as dificuldades de obter patrocínio.”
Fotos: Vinícius Pereira
Nas categorias voltadas para a direção de arte, Tomás Ribas recebeu o prêmio de “Iluminação” por “Moi Lui”, a peça dirigida por Isabel Cavalcanti (também indicada por “Direção”) e encenada por Ana Kfouri em cima da obra de Samuel Beckett. E Thanara Schönardie foi premiada com “Figurino” por seu trabalho em “A Importância de ser perfeito”, o clássico de Oscar Wilde encenado por Daniel Herz, onde atores homens fazem os papeis femininos em visual andrógino e burlesco. A figurinista já havia ganhado outro prêmio carioca, o Cesgranrio de Teatro, pela mesma peça, o que talvez confirmasse seu favoritismo, mesmo com concorrentes de peso como Marília Carneiro (“Elis, a musical”). E Aurora Campos foi a vencedora de “Cenografia” por sua brilhante concepção cênica para “Conselho de classe”. Ainda no time por trás da cena, Julia Spadaccini, visivelmente emocionada, ganhou “Autor” por “A porta da frente”, preferindo, , ao agradecer, dividir o prêmio com outra peça pela qual também foi concorria em dupla indicação, “Aos domingos”. O female power está com tudo e elas são vencedoras em três importantes categorias, provando que a sensibilidade feminina anda mesmo elevada à máxima potência.
Aderbal Freire-Filho causou comoção no público ao ser premiado por “Direção” em função de seu trabalho em “Incêndios”, recebendo um caloroso abraçaço – como diria Caetano Veloso – de Renatah Sorrah e ovacionado em pé pelo público. É um mito das artes cênicas no Brasil e é gostoso ver como, em um país onde não se cultua a memória artística como se deveria, o diretor é respeitado com tanto carinho. Ele merece e a maneira como foi aplaudido é uma prova de que existe civilidade nessa terra bárbara de mensalões, descasos, justiceiros independentes e rolezinhos. E, na tal recém-criada categoria “Inovação”, Marcus Vinícius Faustini foi o felizardo pela sua proposta do “Festival Home Theatre”, em que apresenta espetáculos em domicílios, levando o teatro a moradores de periferia, outra ideia louvável.
Enrique Diaz ganhou “Ator” por “Cine Monstro” e, em momento família, subiu ao palco na companhia das duas filhas de seu casamento com a atriz Mariana Lima, linda, chique, em tubinho preto e toda orgulhosa do maridão. No coquetel, eles já circulavam felizes, fazendo a linha “família que comemora unida no meio artístico”, uma delícia de se ver. E fez o tipo fino, cumprimentando seus pares, todos excelentes: Ricardo Blat, Thelmo Fernandes (os dois por “A arte da comédia”) e Daniel Dantas (“Quem tem medo de Virginia Woolf?”).
A única categoria com cinco candidatos, “Atriz”, tinha concorrentes de peso: além de Bárbara Paz, elogiadíssima por seu trabalho, e Zezé Polessa (“Quem tem medo de Virginia Woolf?”, duas venerandas damas do palco sobressaíam: Camila Amado (“O lugar escuro”) e Suely Franco (“As mulheres de Grey Gardens – o musical”), ambas aplaudidíssimas ao terem os nomes anunciados. Mas foram a juventude e o vigor de Laila Garin que abiscoitaram o prêmio, por sua esplêndida performance em “Elis, a musical”. Lara está mesmo absurda na peça e, talvez, seja o momento de premiar uma novata que agora surge com toda a força. E, claro, o impacto de representar com tanta garra um personagem tão emblemático da música popular brasileira como Elis Regina conta pontos. Mas, em contra-partida, outra veterana, a suíça Marie Louise Nery, 90 anos, nascida em Berna (mas no Brasil desde 1957), ganhou a homenagem especial por sua colaboração como figurinista, cenógrafa, aderecista e artista plástica. A profissional, que também é responsável por formar gerações de profissionais na Escola de Belas Artes / UFRJ e na Escola de Teatro da UniRio, causou geral ao receber a estatueta, toda sorridente, de branco, cabelos curtinhos igualmente alvos, echarpe de seda, bengala e moderninha, calçando crocs! Delírio!
O júri do Rio de Janeiro é formado por Ana Achcar, Bia Junqueira, João Madeira, Macksen Luiz e Sérgio Fonta.
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