* Por Carlos Lima Costa
Narrativas e Estratégias para uma Educação Antirracista foi um dos temas apresentados na quarta edição do Bilingual Education Summit (BEST), o maior evento de educação bilíngue do mundo, organizado pela International School, desta vez totalmente online. Flávia Damásio, diretora de Growth e responsável pela elaboração e implementação do projeto do comitê de diversidade racial e inclusão na International School, comandou a mesa virtual direcionada a educadores. “Imagino que podem estar se perguntando o motivo de falar deste assunto em um evento sobre educação bilíngue. Estamos diante do que a ONU chamou de década internacional de afrodescendentes, que vai de 2015 a 2024. A comunidade mundial reconhece que estes povos representam um grupo distinto cujos direitos humanos precisam ser promovidos e protegidos”, pontuou.
Estudos demonstram que a população negra é a que mais desiste de permanecer nas escolas públicas. Nas particulares, alunos negros são minoria. “Sou uma privilegiada, sempre estudei em uma instituição particular. E assim foi durante a faculdade, a pós, no curso de idiomas. Sempre me perguntava e também aos meus pais por que eu era a única diferente no meio de tanta gente igual. A diversidade deve ser representada pela união das pluralidades, convivendo em harmonia, respeitando o que é diferente, principalmente tendo como objetivo uma sociedade mais justa. É de suma importância tratar o tema da diversidade racial nas escolas. Representatividade importa sim”, frisou Flávia antes de chamar os convidados Lázaro Ramos, ator, apresentador, cineasta e escritor; Djamila Ribeiro, mestre em filosofia política e escritora de livros como Pequeno Manual Antirracista; e Nina Silva, executiva de TI, mentora de negócios, palestrante, uma das fundadoras do Movimento Black Money, considerada pela revista Forbes, em 2019, como uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil.
Primeiro a falar, Lázaro destacou que estava “honrado” em participar da live: “Teremos um papo rico, após sua bela introdução, Flávia.” Por sua vez, Djamila ressaltou ter certeza da importância deste encontro, enquanto Nina expressou a felicidade de falar sobre educação, tema que “urge e é tão necessário”.
O bate-papo iniciou com Flávia direcionando a primeira pergunta aos três. Qual a impressão sobre a questão da diversidade racial no Brasil, seja nas escolas, empresas, nas universidades, nos esportes, se tudo caminha para uma mudança, se a discussão é pertinente e por qual motivo?
“Estamos em um país que carrega histórico de opressões, e que também criou série de subterfúgios para não enfrentar esta questão. Antes de falarmos sobre diversidade, precisamos discutir desigualdades e investigar a origem social destas em um país que foi um dos últimos a abolir a escravidão. Quando entendemos a origem social delas, compreendemos que o racismo é um problema estrutural, não é coisa de gente ignorante. Muito pelo contrário”, apontou Djamila.
Lázaro assegurou que considera também pertinente abordar o assunto, porque é sobre “quem nós somos”. O Brasil é diverso e este é o nosso maior valor. “Nos atrapalhamos quando não reconhecemos isso e nos atrasamos quando não valorizamos a diversidade que temos. Enquanto não admitirmos seriamente e apaixonadamente que somos diversos, respeitando as contribuições que todos trazem para o país, vamos andar sempre em círculos e subaproveitando as nossas potências, como acontece hoje em dia. Está na hora de discutir este assunto pelo viés social, mas também pelo econômico e o do desenvolvimento de talentos de que o país precisa”, advertiu o marido da atriz Taís Araújo.
“Somos todos iguais. Esta frase está na Constituição para garantir direitos. Isto não quer dizer que os ambientes, os relacionamentos estruturantes da nossa sociedade, e as pessoas sejam tratadas de maneira igual. Não podemos simplesmente apagar um passado e dizer: ‘Lázaro, Djamila e Nina chegaram lá. Não podemos pegar a exceção. Precisamos sim fazer movimentações sociais no nosso âmbito civil, mas a escola pública é o lugar primordial para que esse racismo não se perpetue. Precisamos que as crianças, nas escolas, sejam encaminhas para um contexto de olhar para o lado e entender que somos iguais. É necessário equidade, principalmente nos espaços de poder. Temos a proteção de achar que isso não é um assunto para criança, mas é de lá que a gente consegue fazer esse tipo de preparação”, apontou Nina.
Em seguida, a mediadora, observou que Lázaro figura como um exemplo para milhares de jovens, sobretudo os negros. E quis saber como é para ele, pai de duas crianças negras, perceber que não existe número tão expressivo de crianças negras em escolas de alto padrão aquisitivo. Isso reverbera em você de alguma forma? Como consegue educá-los no mundo que vivemos hoje sem que percam o lado lúdico da vida? O ator, então, respirou fundo.
“É impossível não perder um pouco desse lúdico. É uma pena. Cada vez que um assunto aparece, por mais que eu trabalhe a linguagem com a qual vou conversar com os dois, cria-se um sobressalto. Tento fazer que não seja como o meu. Me policio muito para não criar os meus filhos em cima das dores que eu vivi. E tentando dar armas para que consigam enfrentar os desafios que com certeza vão ter na vida. Não queria, mas sou um homem que vivo em sobressalto”, relatou Lázaro.
Como exemplo citou o fato de estar ali falando sobre racismo, preconceito, espaço de negros no ambiente escolar, a maneira como tratamos nossos alunos. “Nunca escolhi falar sobre isso. Na verdade, sou um ator. Gostaria de estar aqui neste momento conversando sobre criação de personagem, dando entrevista engraçada. Foi o que escolhi para minha vida. Mas falar sobre o racismo foi algo que recebi na vida e assumo porque é necessário. A sociedade deve compreender: Somos todos responsáveis pelo problema, mas também pela solução. Meus filhos estão em escola particular porque esta é uma questão importante. Não quero que vivam coisas que eu vivi. É importante saber dos seus direitos e deveres. Mas sei, às vezes, vou precisar oferecer acolhimento, abraço, e dizer que não tenho uma resposta. Mas que eles têm pai e mãe que os amam muito e vão estar com eles para o que der e vier”, acrescentou Lázaro.
Flávia agradeceu o depoimento e com a voz embargada contou ter ficado emocionada, pois o ator fez com que ela relembrasse de seus pais que a criaram de forma semelhante. Em seguida, questionou Djamila sobre a lei 10639 alterada pela lei 11645 de 2008 que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afrobrasileira em todas as escolas públicas e particulares do ensino fundamental ao ensino médio.
Antes de responder se esta ferramenta pode possibilitar uma transformação da realidade, da vivência, das experiências dos negros no Brasil, disse que também tinha se emocionado com o comentário de Lázaro. “Acho importante a nossa humanização como pais. Bom, mas esta lei foi muito importante por alterar as diretrizes de base e educação para incluir a obrigatoriedade do ensino. Eu, por exemplo, estudei em escola onde me ensinaram que negros foram escravos, que a Princesa Isabel foi uma grande pessoa, redentora dos negros e não me contaram uma série de outros fatos. É necessário falar a história também do ponto de vista dos vencidos. Precisamos contar as histórias pela perspectiva dos quilombos. A luta hoje é pela implantação real dessa lei, que de fato as secretarias de educação de municípios e estados implementem essa lei, que depende da política de cada governante e fica também muito a cargo dos professores e educadores comprometidos em fazer este trabalho”, pontuou Djamila.
E continuou dizendo ser preciso lutar por cursos de formação para professores, porque eles também estudaram em uma escola onde a história foi contada a partir de uma perspectiva única. Eles também precisam passar por uma educação antirracista para poder ensinar. E para as escolas particulares é importante que esta lei de fato seja implementada. Isso significa rever o material didático utilizado.
“Existem muitos educadores negros que escreveram livros incríveis e importantes paradidáticos. E precisa investir também na contratação de professores negros e negras, que o corpo docente seja diverso. E possibilitar uma maior inclusão de alunos negros e negras nas escolas. O processo deve ser contínuo, não pode ser uma ação pontual. O ambiente não pode ser hostil para a criança como foi muito na minha época, que as violências eram naturalizadas”, concluiu Djamila.
A mediadora, então, confessa ter profunda admiração por Nina, pelo trabalho desenvolvido por ela no país “Sigo suas dicas. Mas, a educação tem papel transformador. Como podemos engajar sobretudo os negros para que eles tenham êxito também através da educação?”, questionou Flávia.
“Bom, inicialmente sabendo de onde viemos. Sou filha de seu Antônio Carlos, soteropolitano, que viveu de bico durante grande parte de sua vida adulta. Posso dizer que corri minha infância em canaviais sem saneamento básico, sem entendimento de luz, água encanada e esgoto e que em todas as casas que eu passava todos tinham o mesmo sobrenome e eu não entendia bem o motivo. O entendimento de onde você veio, te alimenta para onde você quer ir. Enquanto pessoas pretas precisamos entender de onde viemos e principalmente qual o legado que queremos deixar. Quando desenhamos ações individuais, representamos trajetória de carreira corporativa como no caso que eu tive ao longo de 17 anos, muitas das vezes nós acabamos embranquecendo durante o processo ou esquecemos que aquela vitória diária é uma vitória de povos negros que vieram anteriormente”, relatou Nina.
Em seguida os convidados responderam pergunta de um chat: Qual estratégia vocês utilizariam para desenvolver uma educação o antirracista dentro da sala de aula?
“Pensar em como este espaço consegue ser mais diverso, em escolas privadas como se trabalha a questão das bolsas para quem precisa e que vão trazer um enriquecimento para as instituições e o aprendizado de outras crianças. Então, para mim é como se torna este ambiente diverso, tanto no corpo discente quanto no corpo docente”, disse Nina.
“Concordo com a Nina, é importante esse olhar de que precisamos ser sujeitos dentro desse espaço, que ele contemple essa diversidade. Mas para os educadores brancos a primeira coisa que eu diria é que precisam rever muito as referências bibliográficas e fazer a pergunta. É realístico que somente um grupo domine a produção do saber, se temos uma série de produções com autores e autoras negras, indígenas, porque estas produções não estão presentes?”, questionou Djamila.
Lázaro, então, concluiu a live assegurando que não existe uma mágica. “Se o ambiente for diverso, com certeza as potências vão aparecer. Precisamos ouvir as vozes plurais que temos no nosso país. Se a escola for assim, com certeza existirá uma luta antirracista diariamente”, concluiu.
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