*Por Karina Kuperman
Ex moradora da comunidade do Jacaré, mãe de 55 filhos – 51 deles adotados -, cantora gospel que vendeu mais de 300 mil cópias de discos, sucesso no Youtube (com um canal que possui quase 160 mil inscritos), 765 mil seguidores no Instagram e, agora, deputada federal – a mais votada do Rio de Janeiro. Essa é Flordelis, que chegou ao Congresso com uma missão: desburocratizar o processo de adoção. E sua voz tem ecoado em Brasília. “A minha vida inteira foi pautada por tentar fazer algo por alguém. Não me vejo diferente. Poderia ter mudado minha história depois que me tornei cantora evangélica contratada pela maior gravadora gospel do país. Minha carreira na música deu muito certo, até mais do que eu imaginava. Mas Flordelis sem estender a mão para ajudar não é a Flordelis. Cansei de ficar batendo em porta. Quis me tornar uma voz”, explica.
Como inspiração para o trabalho, nada melhor do que a própria história. “Essas adoções aconteceram de forma inesperada na minha vida. Fui criada na favela e já queria fazer algo pelas crianças e adolescentes que trabalhavam no tráfico. Quando tomei essa decisão, nem imaginava que viriam tantas crianças para dentro da minha casa”, conta. Seu trabalho começou com o projeto batizado de “Evangelismo da madrugada”, que consistia basicamente em sair de casa toda sexta-feira à meia-noite, e passar por favelas do Rio de Janeiro tentando resgatar jovens envolvidos no tráfico de drogas.
Flordelis ficou famosa por seu trabalho de recuperação, até que as próprias mães, quando não tinham condições de criar os filhos, passaram a procurá-la pedindo ajuda. “Depois disso, teve uma matança de crianças na Central e uma moça que morava lá tinha meu endereço e trouxe os sobreviventes para a minha casa. Vieram 37 de uma vez só. E foi imediato. Não tive nenhuma dúvida de que eles ficariam”, lembra.
Mas a trajetória não foi fácil. Sem a documentação exigida pela Justiça para regularizar a situação das crianças, ela passou a ser perseguida e chegou a ter que deixar sua casa com os filhos, para não ser presa como sequestradora. “Eu morava na favela, não tinha condições nem casa do tamanho adequado para comportar essas crianças, quando fui convocada pelo Juizado. Ficou decidido que as crianças seriam levadas para um abrigo. Eu fugi com todas para não entregá-las. Fui procurada como sequestradora de crianças, saí em jornais… foi muito difícil”, conta. “Conheci o Pedro e o Carlos Werneck, dois irmãos que me ajudaram muito, alugaram uma casa para eu morar, nunca mais me abandonaram e realmente são, hoje, parte da minha família. Depois que eu fui para essa casa, legalizei a situação. Mas mesmo nos momentos mais difíceis, nunca pensei em recuar”.
É com essa mesma fibra e paixão que Flordelis luta pelas causas que acredita. “Sinceramente, mesmo a política sendo um lugar de muitos homens, eu me senti abraçada. A bancada feminina cresceu muito esse ano e é uma bancada muito unida. Me senti abraçada pelos parlamentares, funcionários. Não senti barreira pelo fato de ser mulher”, conta. A união é tamanha que Flordelis chegou a defender a ministra Damares Alves, que sofreu muitos ataques na internet após uma fala em que disse que “meninas vestem rosa e meninos vestem azul”. “Eu conheci a Damares ainda antes de ela ser ministra. Ela é uma mulher maravilhosa, com um coração do tamanho do mundo. Editaram frases que ela disse pregando como pastora e colocaram fora de contexto. Ela não faz distinção de pessoas, ama todos: índios, negros, pobres, homossexuais, prostitutas.. essa mulher que conheço e defendo sim. A Damares é superpreparada para o que se propôs”, defende.
Apesar da recepção otimista em Brasília, Flordelis reconhece: “É difícil vencer algumas barreiras, a adoção no Brasil não é fácil, mas vou fazer movimento para que as coisas mudem, principalmente na área de adoção tardia. A partir dos 5 anos, a criança já perde chances de ser adotada. Os casais pensam que a mentalidade daquela criança já está feita, é difícil. Mas se fizermos uma campanha com bastante excelência e divulgação, vamos conseguir, de verdade. Eu já estive na CBF e no Flamengo, que está abraçando a causa. Os jogadores vão entrar em campo com esses meninos de 6 anos em diante pra que eles ganhem visibilidade”, conta, empolgada.
Outra pauta que Flordelis levanta é a desburocratização da adoção. “É, sem dúvidas, o que falta para que o Brasil aumente o número de adoções. O tempo passa rápido. Às vezes, a criança entra em um abrigo com dois anos, faz cinco e ainda está lá. E os casais da fila têm interesse em crianças pequenas. Uma família quando abandona uma criança dentro de um abrigo já abriu mão dela, mas a Justiça fica meses e anos esperando que a família recue, volte atrás. Tem que estabelecer um limite de tempo para a família querer essa criança, porque é ela quem fica penalizada. O adulto não passa anos dentro do abrigo, que, por melhor que seja, é uma casa de passagem. Tem que agilizar, desburocratizar isso. Estão hoje na fila de adoção 44 mil casais, e temos apenas 9 mil crianças habilitadas, mas não existem só 9 mil crianças para adoção. São muito mais”. Por isso, Flordelis também quer diminuir o tempo de espera na fila. “Proponho um processo de nove meses. São os nove meses mágicos da gestação. Desde que a mulher descobre a gravidez ela vai contando, arrumando quarto, enxoval.. ela tem prazo, sabe quando a gestação chega ao fim. Que a adoção seja semelhante. Que quando o casal entre na fila, habilitado, já sinta a emoção da gestação”, defende.
Vale lembrar que a história de Flordelis já virou até filme. Há dez anos estreiava “Flordelis -Basta Uma Palavra para Mudar”, que teve no elenco nomes como Reynaldo Gianecchini, Letícia Sabatella, Cauã Reymond, Fernanda Lima, Bruna Marquezine, Deborah Secco, Letícia Spiller, Alinne Moraes, entre outros. O filme foi realizado totalmente sem cachês para os artistas envolvidos, que se propuseram a realizá-lo de forma voluntária pelo impacto da história real. Toda a renda arrecadada foi utilizada na construção de um centro de reabilitação para jovens. “No instituto, atendemos crianças da comunidade, que sofreram abusos. Minha filha Rayane é quem está à frente, agora. Temos professores de música, lutas, dança. Fizemos parceria com o Instituto da Criança. Mas hoje a minha meta é maior. Não quero cuidar só do Instituto Flordelis, mas de vários espalhados pelo Rio de Janeiro”, afirma a deputada mais votada. “Devo isso ao meu trabalho, a minha história. Tento fazer com que acreditem que existe saída para tudo e que nunca desistam de sonhar”.
Para 2019, Flordelis deseja que “muitas crianças sejam adotadas. Tenho muita esperança que a fila de pretendentes diminua e as crianças habilitadas também diminuam dentro dos abrigos. Que a violência acabe, que nossas crianças dependentes químicas sejam tratadas, tiradas da margem que vivem. Luto pelo emprego da nossa juventude e, para isso, é necessário que haja mais capacitação. Ou seja: precisamos mexer na educação. Se não, nunca teremos jovens capacitados para o mercado e é isso que vai diminuir a violência: oportunidades”.
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