* Por Carlos Lima Costa
Inquieta por natureza, há dez anos, Úrsula Corona seguiu sua intuição. Ganhou o mundo na intenção de correr atrás dos sonhos. Trabalhou na Alemanha, na França, na Holanda, e principalmente na Inglaterra e em Portugal, países onde atualmente se divide. Em Lisboa, no primeiro trimestre deste ano, após concluir as gravações da novela Na Corda Bamba – exibida até recentemente na TVI -, a atriz viajou para a região do Alentejo. Iria descansar um final de semana antes de se dedicar a outros projetos artísticos quando aconteceu o lockdown provocado pela pandemia do Covid-19. Assustada, por segurança, permaneceu dois meses no local. Um período transformador.
“Viajei com uma mochila levando somente três mudas de roupa, três calcinhas, um tênis, um chinelo e um biquíni. A pandemia acentuou coisas boas e ruins. No meu caso, aprendi a viver com muito menos, a saber partilhar. Percebi que necessito é do abraço da minha família, dos meus amigos, de saber que estas pessoas estão bem. Preciso ter comida, estar segura, cuidar da saúde. Ou seja, quase nada, muito menos de um armário cheio de roupa, tanto que ao voltar para casa doei metade do que tinha nele”, destaca a atriz que atuou em novelas como Floribella e O Astro.
Úrsula não vê a hora de poder retornar ao Brasil para reencontrar a mãe, Diva, e o pai, Alberto Eduardo Corona, que contraiu o Coronavírus e teve 76% do pulmão comprometido. “Ele ficou três semanas na UTI, quase morreu. O ano tem sido difícil”, revela. Em seguida, também à distância, perdeu a avó materna, Maria José, aos 93 anos, com problemas respiratórios. Como não havia teste no hospital, a família não sabe se ela teve a Covid-19.
“Quando tudo acalmar vou ao Brasil, espero que antes do ano que vem. Estou aflita com meus pais. Tenho ficado muito em casa. A vida é sobrevivência, urgência. Parar é um desafio e a pandemia parou a gente. Resolvi respirar, revisitar. Independentemente das tragédias tento ver algo positivo, porque não pode só sofrer com a realidade cruel”, avalia ela, que comemorou 38 anos, em casa, no dia 23 de maio, somente na companhia de Cuíca, sua vira-lata. “Nunca imaginei viver algo assim. Eu só saio de máscara, não abraço ninguém a não ser a minha cadela”, conta. Preocupada com a imunidade, bebe água morna com gotas de limão, chá de cebola e gengibre, e mastiga meio dente de alho diariamente. “Existe a teoria da segunda onda e as pessoas acham que as coisas vão piorar quando começar o Inverno”, relata.
Workaholic, na Europa, Úrsula se dedica às artes e a projetos sociais. Com sua produtora, a Sete Artes, organizou o Movimento Reverbera, em Lisboa. “Paramos as ruas apoiando os artistas independentes daqui. Contratamos cinco atrações, realizamos um desfile, reunimos artistas brasileiros, portugueses e angolanos”, relembra ela, que tem visto crescer o número de brasileiros em Portugal. “Muita gente saiu do Brasil para poder andar com segurança nas ruas e ter uma vida mais justa financeiramente. Não falo de ostentação, mas de dignidade. Vejo brasileiros de todos os níveis sociais buscando uma felicidade nesta terra que recebe muito bem os imigrantes, não só brasileiros. É um país que tem uma humanidade a começar pelo presidente, que deu ordem de regularizar todos os imigrantes aqui, para que pudessem ter acesso a saúde”, ressalta Úrsula.
Mas não deixa de voltar ao Brasil e de ajudar o seu povo. Atualmente, Úrsula dirige O Silêncio Que Canta Por Liberdade, série documental em fase de montagem. “Mostro o impacto da ditadura na música nordestina”, diz. A empreitada conta com a participação de Gilberto Gil, Gal Costa e Alceu Valença, entre outros. A estreia está prevista para o primeiro semestre de 2021, na plataforma Music Boxer Brasil. Durante uma gravação, no Forte Orange, Ilha de Itamaracá, Pernambuco, teve um resgate de ancestralidade ao contar com a participação de índios da tribo Fulni-ô, a mesma da qual seu avô materno, Augusto Xavier, fez parte. As gravações no Brasil terminaram em novembro quando ela retornou a Portugal para ser jurada do Emmy Internacional e gravar Na Corda Bamba, que contou com outros brasileiros, Lucélia Santos e Edwin Luisi, e o diretor Marcos Schechtman.
Úrsula está envolvida ainda com a série para a TV, Acesso Restrito, de Graça Motta, irmã de Nelson Motta. Ela vai interpretar Clara, médica profundamente exemplar, mas com vida pessoal caótica. “Nos últimos quatro anos, cortei cabelo, engordei, emagreci, sempre a favor do meu trabalho. Não tenho essa vaidade. Esta personagem vai ser um desafio, terei de perder uns nove quilos, ficar esquelética”, explica. Enquanto a pandemia não passa, ela e atores como Marcos Caruso e Mel Lisboa ensaiam virtualmente.
Com orgulho conta ainda que há dois anos foi convidada para ser madrinha da WFP, a World Food Programme, agência das Nações Unidas de combate a fome. A sede é em Roma. Mas existe uma representação, em Brasília. Disseram que ela tinha tudo a ver com a filosofia da agência. “Faço questão de não ser apenas uma figura pública partilhando ideias. Quero pensar junto, colocar a mão na massa. Agora, estamos realizando duas campanhas grandes, para poder atender famílias no Brasil que estão em estado de vulnerabilidade. Estamos sendo audaciosos. É interessante também provocar que para ajudar você não precisa necessariamente de dinheiro. Aí entra uma segunda campanha nossa, a Ribon”, conta. Quando alguém baixa este aplicativo social, automaticamente recebe moedas solidárias. Lá existe um cardápio de projetos sociais e aí se escolhe para qual deles quer doar as moedas. Como a conta se paga? Empresas patrocinam a ação. “ Na WFP temos o desafio de até 2030 acabar com a fome mundial. É importante dizer que a cada dez pessoas, pelo menos uma passa fome. Nesse momento de pandemia realizamos a nossa maior operação de apoio. Diariamente, 5,600 caminhões, 92 aviões e 20 navios no mínimo operam para levar mantimentos e qualquer outra necessidade emergencial em 83 países. Apesar da agência ser mundial, defendo muito o nosso país. Educação e princípios básicos de alimentação e segurança são a minha bandeira”, enumera.
Este espírito social de ajudar o próximo é um componente que ela traz da infância. “Meu pai foi adotado por uma família tradicional, teve sorte, minha mãe veio de família pobre. Minha avó teve 16 filhos. Foi casada a vida inteira com meu avô que era índio da etnia Fulni-ô. Então, minha criação, inspirada na família da minha mãe, foi sempre consciente, sabendo que precisa saber partilhar, não ter desperdício”, avalia. Aos 7 anos de idade realizou sua primeira ação. Com duas amigas, arrecadou roupas, brinquedos e alimentos no condomínio onde moravam, na Tijuca, e distribuíram na rua. Me inspiro na família da minha mãe, eram 16 filhos, dificuldades de viver no Brasil, mas com os valores de aproveitar as oportunidades. O Brasil é isso, não podemos viver só da ostentação e aparência. Sou feita disso e estou sempre retornando para trabalhar e ajudar. Por isso, não considero que tenha saído do meu país”, analisa.
Com a vida atribulada, viajando por vários lugares, sendo uma cidadã do mundo, a vida pessoal às vezes, fica em segundo plano. “Eu amo criança. Tenho vontade de ter filho. Falta parar de pensar e deixar as coisas acontecerem. Agora, na minha profissão, preciso encontrar alguém com muita compreensão que aceite, apoie. Amo meu trabalho e não vou abandonar por nada. Não sou casada. Já vivi relações, teve um advogado, que falou pra mim ‘vamos casar e você vai largar a profissão’, aí pulei fora. Meu pai e minha mãe estão juntos há 39 anos, uma relação de muita cumplicidade, parceria, amor, paixão. É um nível muito alto de comparação. Não dá para querer menos.”
Artigos relacionados