* Por Junior de Paula
O corpo, esse incompreendido. É estranho pensar que um país onde todo mundo fica seminu o ano inteiro se encha de pudores quando o sujeito em questão é um par de seios desnudos numa praia do Rio de Janeiro. Para quem estava ausente do planeta nos últimos dias e não sabe do que estou falando, explico: a atriz Cristina Flores foi duramente repreendida por policiais, no Arpoador, no dia 14 de novembro, ao fotografar sem camisa ao lado do companheiro de cena, Álamo Facó, também sem camisa, para a campanha de divulgação da peça “Cosmocartas”. Só ela, claro, foi tratada como marginal (no sentido de estar à margem da lei). Depois, o que se seguiu foi uma verdadeira comoção em torno do topless, da repreensão e dos direitos que as mulheres deveriam ter e não tem.
Corta para esta semana. Desde segunda-feira, data da criação de um evento batizado Toplessaço no Facebook, no qual a produtora de teatro Ana Rios e a amiga Bruna Oliveira convocam todas as mulheres – e quem mais quiser – a participar de um topless coletivo no primeiro sábado do Verão, dia 21 de dezembro, só se fala nisso nas redes sociais. E não necessariamente bem. É só um simples deslizar pela página do evento no Facebook, que já conta com mais de 3 mil confirmados, para que a gente se depare com o que existe de mais preconceituoso, baixo e machista pensamento ainda recorrente. Às portas de 2014! Depois de Cristo, que fique claro.
Alguns exemplos do que pode ser lido por lá? “Só pode comparecer (ao Toplessaço) quem tem IMC abaixo de 25”, diz um. “Já lavaram louças hoje”, questiona outro. “Eu podia estar passando a roupa, varrendo o chão, fazendo comida ou lavando a louça. Mas estou aqui mostrando meu mamilos”, ironiza um rapaz de trás de seu perfil fake, com informações e foto falsas. “Não entendo essas feministas… Como vocês vão querer direitos iguais mostrando as tetas?”, lança a questão um perfil que leva o nome de Huskey Siberiano. “Vou tirar fotos de vocês peladas e enviar para seus trabalhos, e chefes … quem sabe vocês não ganham uma promoção ou uma visita ao RH” faz piada outro incauto.
O que questiono, não é nem se pode ou não pode fazer topless na praia. Se é caso de polícia ou não. Se isso vai contra ou a favor da moral e dos bons costumes (como se fôssemos um país onde isso fosse levado a sério). O que causa mais espanto é o fato de as pessoas se darem ao trabalho de entrar na página de um evento do qual não compartilham o pensamento e despejar, em praça pública, aí sim, sem pudores, toda a sua ignorância, preconceito e mesquinharia a troco de piadas misóginas, chauvinistas e, o pior de tudo, sem graça. Triste saber que lá fora ainda existem tantas pessoas que acham que a mulher ainda é um objeto de dominação masculina, que elas só servem para serviços domésticos e que elas não têm o direito de fazer dos seus corpos que quiserem: protesto, exibição ou simplesmente curtir um dia de sol mais à vontade.
Que bom que ainda existem mulheres que resistem, que querem provocar uma discussão em torno de temas que não são só feministas, são humanistas. Antes de serem mulheres, elas são seres humanos e que merecem ser tratadas como manda a lei e como rege a nossa constituição. Que bom que no meio desse fogo cruzado a gente se depara com o clipe novo de Tulipa Ruiz, Like This, estrelado pela atriz e palhaça do Doutores da Alegria, Layla Ruiz, que numa video performance arrebatadora não tem pudores em mostrar seus seios e, mais do que isso, usar a arte como livre forma de expressão e, por que não, protesto?
Que bom que no meio disso tudo temos o fotógrafo Jorge Bispo que acabou de lançar – por meio de crowdfunding – seu livro do projeto Apartamento 302, que retrata mulheres da vida real nuas, ou seminuas, sem tratamento de imagem, sem pudores, com muita delicadeza e classe sem transformar o nu feminino em uma mercadoria ou objeto fetichista.
Confira aqui Apartamento 302:
Que bom que as mulheres não estão sozinhas nesta luta diária e incansável, que mesmo diante de pensamentos tão antigos e despropositados, como os vistos nos comentários acerca das notícias do topless na praia, há sempre a turma que se mobiliza par ao bem, para querer o bem, para difundir o bem, para deixar palavras de bem, para lutar por algo que elas acreditam que vão lhes fazer bem. De topless ou sem topless, que a gente tenha mais cuidado com o que diz e como diz. Que a gente entenda que cada um é dono do seu próprio peito e do próprio nariz. Deixa o ódio de lado e vai ser feliz.
* Junior de Paula é jornalista, trabalhou com alguns dos maiores nomes do jornalismo de moda e cultura do Brasil, como Joyce Pascowitch e Erika Palomino, e foi editor da coluna de Heloisa Tolipan, no Jornal do Brasil. Apaixonado por viagens, é dono do site Viajante Aleatório, e, mais recentemente, vem se dedicando à dramaturgia teatral e à literatura.
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