*Por João Ker
Em um dos casos mais decepcionantes onde a vida imita a arte, Russell Tovey, o ator que interpreta Kevin na série “Looking”, causou polêmica em uma recente entrevista ao jornal britânico The Guardian e publicada neste domingo (1/3). Russel, que é abertamente gay e interpreta um homossexual na série da HBO – seu maior e mais visível papel até hoje, diga-se de passagem – não mediu palavras na hora de destilar heteronormatividade, disfarçando um comentário com uma bandeira de “autoaceitação”.
Russell Tovey conta que, aos 18 anos, foi esfaqueado no metrô por dois caras homofóbicos e que isso lhe causou um trauma terrível, do qual ele levou 10 anos para se recuperar. Uma história triste e terrivelmente real. O problema todo é que, em seguida, o ator agradece ao pai por não ter deixado que ele cursasse a Escola de Teatro Sylvia Young, em Londres. “Eu sinto que poderia ter sido bastante afeminado se eu não tivesse ido à escola que fui. Onde eu senti que precisei me tornar durão. Se eu tivesse a oportunidade de ter relaxado, rebolado, cantado na rua, eu seria diferente agora. Eu agradeço ao meu pai por isso, por não ter me deixado seguir aquele caminho. Porque provavelmente me deu a qualidade única que as pessoas acham que eu tenho”, completou o ator, falando sobre ser o “único” ator gay que pode interpretar personagens homo ou heterossexuais.
Chega a ser ridículo e extremamente irreal Russell acreditar que ele é o único ator capaz de tal arte. Aparentemente, ele vive em um mundo onde Sir Ian McKellen, ator abertamente gay, ainda não deu vida a dois dos personagens mais famosos, complexos e desafiadores dos últimos anos (além de héteros), como o mágico Gandalf, da franquia “O Hobbit e “O Senhor dos Aneis”, além de Magneto (“X-Men”), um dos maiores ícones das HQs. Há também Zachary Quinto, outro que entrou em uma franquia de sucesso substituindo Leonard Nimoy como o Sr. Spock no remake de “Star Trek”. Na verdade, parece que Russell não tem nem olhado para os lados, uma vez que Jonathan Groff, seu par romântico em “Looking” e grande ativista LGBT , que não só fez casal com Lea Michele em “Glee”, mas também é responsável por dublar o “príncipe” Kristoff na versão original de “Frozen”, um dos maiores sucessos recentes dos Estúdios Disney que, diga-se de passagem, são famosos por nunca terem mencionado ou tocado no tema da homossexualidade abertamente.
É triste ver como o ego inflado de um ator consegue atrapalhar seu desenvolvimento na mídia e sua relação com o público. Não que o ator seja vetado daqui para frente, afinal, são raros os casos em que esse tipo de preconceito é punido rigorosamente, sendo normalmente considerado como “exagero” de quem se sente ofendido. A questão é: o comentário destoa de tudo o que a série na qual ele participa tenta pregar. E o público não parece ter gostado nadinha disso, se dividindo entre quem afirma que o ator Russell foi apenas “sincero” e quem acha os comentários terrivelmente opressores. Mais para o fim da entrevista, ele diz que só começou a se sentir atraente e seguro após ter entrado na academia e ganhado os músculos que aparecem em todos os papeis que interpreta, incluindo sua nova série “Banished”. Ou seja, não feliz em desmerecer os gays afeminados, o ator ainda reproduz o estereótipo do “Barbie” que precisa ter 1% de massa corporal para ser considerado bonito no panorama atual.
Claro, isso tudo não passa da opinião pessoal de um ator, que tem todo o direito de reproduzi-la. Mas vale lembrar que o próprio seriado “Looking” foi criticado na 1ª temporada por mostrar apenas homossexuais brancos, fortes e de classe média. Outro ponto que merece ser ressaltado é que o personagem de Russell, inicialmente, não fazia parte do elenco fixo da série, o que só foi acontecer após seu personagem ter caído no gosto do público LGBT. Até o momento, nem Russell Tovey e nem a assessoria de “Looking”/HBO se pronunciaram sobre a repercussão das declarações.
Artigos relacionados