Pinah, ícone da Beija-Flor, será reverenciada, diz que pensa se aposentar do carnaval e sonha reencontrar o Rei Charles


Pinah Ayoub é uma das deusas da Beija-Flor. A destaque da escola fez história ao dançar samba com o Príncipe Charles – atualmente Rei Charles III, do Reino Unido. Nos 40 anos de Sambódromo, Pinah esteve em quase todos os desfiles – com exceção daquele em que esteve grávida,1991 -, além de ter presenciado todos os 14 títulos da Beija-Flor. Neste entrevista exclusiva, ela disse que irá se aposentar do carnaval em 2026, quando completar 50 anos de Avenida, e quer eternizar este momento através de uma fotografia com seu neto – menino que já sabe do amor da matriarca pela escola de samba: “A Iaiá vai desfilar na Beija-Flor”, diz o pequeno. Entre os sonhos que ainda acalenta é chegar, como a 15ª estrela ao pavilhão nilopolitano, o reencontro e uma nova dança com o Rei Charles: “No final dos anos 70, ele era príncipe. Hoje, eu queria dançar com ele como Rei, já que eu também não posso mais ser princesa. Só rainha”, comenta com aquele sorriso lindo

*por Vítor Antunes

Rio de Janeiro – Cidade do Samba. Foi em 1984 que os desfiles das escolas de samba passaram a ser realizados no Sambódromo, mas, desde o final da década de 70, já aconteciam na Rua Marquês de Sapucaí até a construção da atual Passarela do Samba. E Pinah Ayoub ganhou do Brasil o título eterno de Pinah da Beija-Flor. Modelo nos anos 1970 e 1980, símbolo do carnaval, ela estreou junto ao primeiro título da escola de Nilópolis. E declarou-nos, com exclusividade que ao completar 50 anos de Avenida, ou seja, em 2026, irá se aposentar. “Quando eu desfilar na Sapucaí com o meu neto, daqui a dois anos, vou parar. Na nossa vida, seja na profissão ou não, a gente tem que saber dar oportunidade, dar espaço ao mais novo. Não posso ficar toda vida no carnaval se tem gente nova chegando. É preciso ter humildade. Quero desfilar e tirar foto com meu netinho, na Avenida, em 2026”, disse-nos a rainha eterna do carnaval carioca, que, ao então príncipe Charles da Inglaterra, encantou durante visita dele ao Rio, em 1978, dando origem à imagem que ganhou o mundo.

“Passei a ser destaque de chão e não de carro alegórico. Em 1977 fui destaque feminino e só então fui para as alegorias”. Por esta razão foi escolhida para estar na equipe que receberia o Príncipe Charles, no ano seguinte. Mas hoje, 46 anos depois, ela sonha com um reencontro: “Na época ele era príncipe e hoje ele é o rei. É ele quem manda na Inglaterra. Queria dançar com ele de novo agora como rei,  já que eu também não posso mais ser princesa, só rainha. Acho que vai acontecer. Inclusive manifestaram interesse de que eu fosse na sua coroação, o que acabou não acontecendo. Acredito que neste 2024 haja esse encontro no Palácio de Buckingham”, diz Pinah sobre um novo encontro com Charles e com o passado que, quase 50 anos depois é, recorrentemente revisitado.

A cena tornou-se tão icônica que cinco anos depois, em 1983, ela própria seria enredo da Beija-Flor, em “A Grande Constelação das Estrelas Negras“, sendo homenageada junto a Clementina de Jesus (1901-1987), Pelé (1940-2022), Gangazumba (1630-1678) e Luana de Noailles. O encontro entre Pinah e a Beija-Flor aconteceu quase que despretensiosamente. Pinha em 2024, sairá como destaque de chão, no último setor da Beija-Flor. “Por questões religiosas, eu não saio mais em carro, mas neste ano vou ser homenageada de novo”, revela.

Ela desfilava com Joãosinho Trinta (1933-2011), desde 1974, como destaque, ainda no Salgueiro. Quando o carnavalesco vence o título de 1975 com a vermelha e branca da Tijuca, ele rompe com aquela escola e se transfere para a Beija-Flor. “Decidi acompanhá-lo, mas não sabia nem onde era Nilópolis”. No ano seguinte, a escola vence o carnaval, assim como nos dois subsequentes, bem como Pinah recebe mais notoriedade.

Pinah e o – então – príncipe Charles, em 1978 (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

A CONSTELAÇÃO E A ESTRELA NEGRA

Quando a Rua Marquês de Sapucaí virou Avenida, Pinah, já era totalmente ligada à Beija-Flor – escola que já era bicampeã e se fez tri naquele ano. Além de a escola nilopolitana ter sido a primeira fora das quatro grandes escolas de samba da época – Império Serrano, Mangueira, Portela e Salgueiro –  a ganhar três vezes seguidas o carnaval, uma mulher preta e careca foi transformada em princesa. Tão mineira quanto o próprio Marquês de Sapucaí (1793-1875) – ele de Nova Lima e ela de Barão de Monte Alto -, Pinah foi recomendada a ‘chegar manso‘, quando fosse se apresentar junto ao grupo de cabrochas da Beija-Flor e não se aproximar do então príncipe Charles da Inglaterra, afinal, havia inúmeros protocolos. Porém, o próprio Charles quebrou o tal protocolo e foi dançar com a moça. A dança entre ela e o filho da rainha Elizabeth II (1926-2022) virou refrão de música. E Pinah descobriu que seria enredo também despretensiosamente, quando Joãosinho Trinta chegou com uma fita cassete. Quando fui ouvir e me dei conta que eu era o refrão do samba da Beija-Flor. Não acreditei que estivesse sendo homenageada pela minha escola, já que entre todas as outras estrelas negras ali citadas eu era a mais nova. Foi algo muito emocionante. Joãosinho era tudo pra mim e sinto muita falta e saudades dele”.

Ninguém é insubstituível, mas o Joãosinho Trinta é – Pinah

Pinah no desfile “A Constelação das Estrelas Negras”, 1983 (Foto: Cortesia/Acervo Georgetown University – Fundo Henrique Sodré)

Em 1984, Pinah afirmou à Revista Manchete que “o carnaval não chegaria até o ano 2000” . Hoje ela pensa diferente. “Eu acho que era algo de uma época e a gente pode mudar de opinião. Já vou completar, em 2026, meio século desfilando na Beija Flor e a cada dia que dizem que o carnaval vai acabar ele vai e ressurge de outras formas, de outras maneiras. Hoje são várias cabeças pensantes reelaborando a festa, como esses jovens que estão aí como o Gabriel David, que estão tocando o carnaval com tecnologia nova, com glamour e visibilidade. Uma grande evolução hoje são as luzes na Sapucaí, quando cada escola passa com iluminação própria. Essa evolução foi grande e perfeita. Cada vez mais as pessoas da Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba), da qual Gabriel é diretor de marketing, estão trabalhando em prol dessa evolução, para que ela seja melhor para os turistas e os foliões”.

MARAVILHOSA E SOBERANA

Mesmo depois de tantos anos de estrada, há ainda ajustes a serem feitos para se falar de Pinah: “Tem uma coisa muito louca que eu não consigo acertar [com a imprensa]. Uma é o meu nome, que é Pinah mesmo, assim registrado, e falam que é apelido. Outra é de que eu não sou passista eu não sei sambar! Quem samba é a Lorena Raíssa, a Viviane Araújo, a Paolla Oliveira. Eu não! Eu sempre fui destaque. Se me botar entre elas eu vou passar vexame, vou dançar com dedinho pra cima. E olha que meu irmão foi mestre-sala da [extinta escola de samba] Tupy de Brás de Pina”,  diz ela, sobre, com recorrência errarem seu nome e sua história com o carnaval. Outra coisa a qual se nega a falar sobre é a sua idade “só vão saber quando eu morrer”.

Eu acho que a idade é mais que um número que somamos depois de ter nascido. É o que está na sua cabeça. Quando eu entro na Sapucaí, eu me sinto uma menina de 20 anos. É preciso que separem a Pinah pessoa da Pinah entidade. Quando eu entro na Avenida, sou uma entidade – Pinah

Inclusive, em se falando de Carnaval e da Beija-Flor, ao ver de Pinah, a escola vem “com um grande enredo, mordida por estar há alguns anos sem ganhar um título. E quando a tribo Beija-Flor desce ela vem forte”. Com efeito, a escola de Nilópolis não vence um carnaval desde 2018. “Com todo respeito às coirmãs, a que errar menos ganha. E hoje em dia as escolas estão muito coladas, não tem mais o desnível que havia entre uma escola e outra. Eu acredito na minha tribo, já que 99% dela é composta por nilopolitanos e isso faz diferença. O calor humano é diferente”.

Outro detalhe que a baluarte chama a atenção: “Eu gosto muito das nossas Rainhas de Bateria. As quatro que passaram pela Beija Flor, com exceção da Eloína dos Leopardos, todas foram todas da comunidade. Tanto a Neide, como a Sonia Capeta, como a Raissa de Oliveira, que ficou 20 anos no cargo, assim como a Lorena Raíssa que são muito raízes, são crias da escola”, afirma.

Pinah no desfile da Tatuapé, que homenageou a Beija-Flor (Foto: Leo Franco/AgNews)

A contrário do que se discute atualmente, Pinah não acredita que o carnaval esteja excessivamente intelectualizado. “Não é bem assim. O enredo da Beija é a história de uma vida, e de alguém que existiu, o Rás Gonguila (1905-1968), assim como as outras agremiações que também trazem enredos históricos. De mudança, talvez tenha o ritmo da bateria, ou algo assim. De igual forma, não crê que a festa tenha ficado mais voltada aos turistas ou às pessoas abastadas, o que tem sido uma crítica recorrente. “Há uma mescla. Há povão, há gente rica, todo tipo de pessoas. Eu acredito no carnaval como a um grande espetáculo a céu aberto”.

Para mim, o canaval tinha que ser introduzido na educação como matéria escolar – Pinah

Muito se diz que Pinah é referência para quem veio depois dela. E quais são as referências nas quais ela se inspirava? “Muita gente me inspira, como a Nêga Pelé, a Paula do Salgueiro” – respectivamente passista e destaque. Pinah prossegue dizendo que “quando se deixa um legado educativo e positivo essa é uma coisa muito legal. Seria ruim se eu deixasse má fama, como brigona, ou como alguém que bebesse. A mim é gratificante deixar um bom legado, tanto que as pessoas, normalmente, quando falam de mim falam com carinho. Joãosinho Trinta e Aniz Abraão David me ensinaram muito uma coisa que passo para o meu neto, que é a humildade e o respeito pelas pessoas”.

A Cinderela hoje é rainha. E rainha da vida real, madura, empresária. Entronizada sem a pretensão de sê-la, viu o tempo passar e fez parte dele além do “Feliz Para Sempre“. Tem netos, um reino que se estende de Olinda à Chatuba, do Paiol ao Gericinó, pleno de gente simples que sai à rua para celebrar a (sobre) vivência, mas que impõe respeito ao bater no peito as cores de seu brasão – ou seria pavilhão? – de 14 estrelas. Não é injusto chamar a Beija Flor de “soberana”, como o fazem e como ela própria se refere. Ela tem súditos devotados e apaixonados pela deusa de ébano com o sorriso aberto e alegre do sambista ao ecoar o som de um tambor.  Nilópolis é Beija Flor e a Beija Flor é Pinah.