* Por Carlos Lima Costa
Com foco na violência contra a mulher, acaba de estrear a segunda temporada de Bom Dia, Verônica, série policial de sucesso da Netflix, que entre as novidades tem a presença de Pedro Nercessian no elenco. O ator que já era fã da produção, vibra por agora fazer parte e por ajudar a abordar o tema que ele considera importante e que permeia sua trajetória profissional faz algum tempo. “Não é coincidência que este tema esteja presente em tantas produções. É triste, mas infelizmente, ele precisa ser falado. Devemos entender que o esquema é sempre tentar culpar a vítima, fazer parecer que ela é maluca. Então, nesses tempos estranhos que vivemos, devemos sempre repetir o óbvio, falar mais e mais vezes para que a gente possa proteger as pessoas mais vulneráveis”, enfatiza Pedro, dono de uma produtora de teatro e entretenimento, que há cerca de 13 anos, realiza a peça Amanheceu, que também gira em torno do assunto.
Na série, seu personagem é jornalista, casado com o legista vivido por Adriano Garib. Sobre a questão da orientação sexual de seu personagem, Pedro explica que ela é clara na história, é uma característica dele, mas isso não é discutido na série. “O retorno que tive das pessoas, dos meus amigos gays, é que eles ficaram felizes de ver essa representatividade. Querem que isso esteja cada vez mais na televisão e mais naturalizado. Por exemplo, a minha produtora faz a festa Chá da Alice, que prima pela liberdade em todos os sentidos. Por conta disso, o público gay frequenta muito. E eu, como produtor, procuro criar um ambiente seguro em todos os sentidos. Em todos esses anos tratando desses temas sociais, a questão da violência, percebo que o machismo participa tanto do preconceito contra os homossexuais e da violência contra a mulher”.
Pedro já circulou com o espetáculo em comunidades do Rio e atualmente desenvolve nas escolas. “O Atitude Positiva é um projeto da rede pública do Rio de Janeiro, que nos convida para estar nele. Na peça, falamos também sobre gravidez na adolescência, ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), bullying. Após a apresentação, assistentes sociais conversam com os adolescentes e, muitas vezes, se deparam com casos de violência, aí procuram os pais e em casos mais extremos encaminham para a delegacia, para o Conselho Tutelar. Já escutei relatos de pessoas que sofriam violência dentro da própria casa e nunca tinham falado para ninguém”, conta.
Já escutei relatos de pessoas que sofriam violência dentro da própria casa e nunca tinham falado para ninguém – Pedro Nercessian
A violência no país atinge índices alarmantes. Das denúncias feitas à Ouvidoria Nacional do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, no primeiro semestre desse ano, 36% das vítimas de estupro no Brasil, são crianças até 11 anos. Então, com dados tão elevados é realmente importante encenar peças sobre o tema e realizar debates. “Após uma apresentação em uma escola, uma menina de 11 anos conseguiu identificar que estava sendo estuprada por alguém de 36, e aí teve coragem, fez a denúncia e o suspeito foi preso. Então, devemos abordar esse assunto na televisão, na escola, porque as mulheres se sentem sozinhas. A arte tem essa obrigação, essa função”, ressalta.
Entre seus trabalhos em torno da violência contra a mulher está, por exemplo a série Assédio. “Era baseada no Roger Abdelmassih, aquele geneticista que fazia inseminação artificial e estuprava as pacientes. Eu interpretei o assessor de imprensa dele.” Agora, em Bom Dia, Verônica, seu personagem também é jornalista, casado com o legista vivido por Adriano Garib. “Ele, inclusive, era citado na primeira temporada que eu acompanhei como público, e nem imaginava que ia interpretá-lo”, diz ele. “Como repórter investigativo, ele tem esse faro e acaba ajudando a delegada com informações. Sempre que se fala da trama principal, do grande vilão da história, o líder religioso Matias (Reynaldo Gianecchini), ele aparece na televisão narrando os fatos”, destaca ele, que também está na série Fim, do Globoplay, baseada em romance homônimo de Fernanda Torres, com direção de Andrucha Waddington, e que ainda não tem data de estreia, no Globoplay.
DIFICULDADES DE FOMENTAR A CULTURA
Produtor de festas e espetáculos, Pedro relembra as dificuldades de desenvolver essa área no atual governo e durante a pandemia. “Nós somos três na produtora. Eu estava trabalhando na Record (a novela Amor Sem Igual), então, fiquei contratado durante a pandemia, o que me ajudou bastante, mas os meus colegas, não. Eles passaram muitas dificuldades. Foi realmente desastroso não existir um plano de governo que desse conta dessa assistência social. Durante a pandemia, os streamings faturaram muito. As pessoas assistiam filmes e séries, ouviam músicas, o entretenimento salvou muita gente. Era triste ver esse consumo enorme e ao mesmo tempo, os artistas desamparados. Então, a pandemia trouxe a visão de com o trabalho do artista é necessário e como ele é desvalorizado. Mas estamos voltando, principalmente com a Prefeitura do Rio, que tem feito um bom trabalho de editais fomentando a Cultura, mas quando passa para o plano estadual ou federal, tudo está muito parado ainda”, lamenta.
Recentemente, aqui no site Heloisa Tolipan, o ator Kiko Mascarenhas, que também produz teatro, contou sobre a dificuldade de conseguir retorno financeiro ao investir os próprios recursos, mesmo sendo um monólogo. “Adoro, por exemplo, fazer projeto para apresentar teatro na rua, tenho essa vontade, mas é isso, projeto não se paga. Então, se é difícil? Acho que ser artista é mais difícil ainda. Eu e o Kiko com duras penas fomos construindo e tentando melhorar o sistema de financiamento e vimos que ele está sendo sabotado, sendo que gera milhões de empregos. É um retorno que se paga para o país, então, é burrice quando vejo ser sabotada a Lei Rouanet em especial. Mas procuro olhar para o lado bom, com o Rio de Janeiro tendo um respiro, com vários editais no âmbito municipal”, assegura.
Pedro acrescenta que, no momento, aguarda o retorno de projetos colocados em leis de incentivo. “Eu também estou como o Kiko apostando em um monólogo para poder viajar pelo Brasil, estou com muita saudade”, diz ele, que há cinco anos encerrou a temporada da peça Bicho, sua mais recente incursão no palco.
Ano passado, Pedro esteve na França, prestigiando o curta-metragem Nada de Bom Acontece Depois dos 30, protagonizado por ele, exibido no Short Film Corner, mostra não competitiva na 74ª edição do Festival de Cannes. E, pelo que viu, não considera o Brasil atrasado em termos de produção de cinema. “Cada vez mais tudo está virando uma coisa só. Em Cannes, eu estava entre os brasileiros e também tinha uma vontade de curtir, não estava tanto nessa energia de fazer networking, porque tinha feito isso antes na minha passagem por Portugal, onde os meus contatos foram mais importantes para a carreira, onde me reuni com um empresário, com uma roteirista, então, consegui entender mais ou menos como funciona lá o mercado, uma porta de entrada para o mercado europeu, que procura atores portugueses e brasileiros que moram lá e filmam lá também. Estou doido para fazer algo lá”, aponta.
Devemos abordar a violência contra a mulher na televisão, na escola, porque as mulheres se sentem sozinhas. A arte tem essa obrigação, essa função – Pedro Nercessian
Ele ressalta que essa segunda temporada da série Bom Dia, Verônica vai poder ser vista em vários lugares do mundo. “A Netflix tem essa força no mundo inteiro. Na indústria de entretenimento, a gente tinha a Globo que sempre foi forte fazendo novelas, e agora temos tudo para bombar com as séries, que tem dado a chance para países com grandes atores terem mais visibilidade. Sempre tivemos uma loucura com a indústria americana e, agora, por exemplo, em Cannes, estava doido para encontrar algum ator de La Casa de Papel (série espanhola criada por Álex Pina), sou fã demais. Os espanhóis são ótimos em atuação, o roteiro é bom e tem fãs no mundo inteiro. Acredito que Bom Dia, Verônica é uma prova de que isso vai acontecer com o Brasil inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde. A internacionalização dos talentos é um caminho sem volta”, reflete ele, que com o curta apresentado em Cannes, conquistou o prêmio de Melhor Ator, no Cine PE, Festival do Audiovisual de Pernambuco.
Na indústria de entretenimento, a gente tinha a Globo que sempre foi forte fazendo novelas, e agora temos tudo para bombar com as séries, que tem dado a chance para países com grandes atores terem mais visibilidade – Pedro Nercessian
Com três décadas de carreira, sua inspiração foi além do ator Stepan Nercessian, seu tio mais famoso. “As pessoas conhecem mais ele, mas tenho outro tio (Xavier de Oliveira) que era diretor na época do Cinema Novo, ele é o patriarca artístico, que levou o Stepan para o cinema. Tenho uma prima (Mina Nercessian) que é atriz em Los Angeles, roteirista da Amazon. Um primo faz trilha pra cinema. O meu avô foi ator de teatro na Grécia. Meu pai (Aroldo) era produtor de cinema publicitário, está vivo ainda, mas já não produz, então, cresci em set de comerciais”, conta.
Além de atuar em novelas como Malhação, Milagre de Jesus e A Força do Querer, envolvido em produções, teve passagem marcante na carreira da cantora Anitta, em 2013. “Agora, não produzo mais de frente a festa Chá da Alice. Mas durante muito tempo eu fiquei full time. Já tivemos nela a Ivete (Sangalo), Xuxa, Daniela Mercury, Ludmilla. Então, primeiro a convidamos para se apresentar na festa e foi o seu primeiro grande show, antes dela estourar. Anitta nunca tinha feito um show como atração principal, para quatro mil pessoas. Aí a empresária dela curtiu o nosso trabalho, porque a gente fez também uma direção de show, e nos convidou, eu e meu sócio, Pablo(Falcão) para dirigir o Show das Poderosas, aquela versão no Barra Music”, recorda.
E finaliza: “É muito bonito ver o sucesso dela, principalmente pela maneira como a gente acreditava. Ela é muito carismática. Muita gente duvidava um pouco ou torcia o nariz porque ela era uma menina que veio do funk. Hoje, vejo essas pessoas elogiando. É curioso, ela precisou calar a boca de todo mundo. Eu sempre a admirei como pessoa, a família dela, adoro o Renan, irmão dela. Era bonito aquele núcleo familiar. Então, tinha um carinho especial e fico contente de estar todo mundo feliz”, afirma.
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