*Por Brunna Condini
O Brasil está de luto. Afinal já são 428.256 óbitos com média móvel em 1.944 mortos por dia, segundo os veículos oficiais. Mas não são números, são vidas. Cada um que teve sua vida interrompida pelo vírus deixou uma família, um amor, amigos, um trabalho, coisas que amava fazer e sonhos. A suspensão disso tudo somado ao fato da morte por Covid impossibilitar um ritual de despedida, vem dilacerando ainda mais quem perde um ente querido. E quando a dor não é nossa, ficamos comovidos acompanhando as perdas e apreensivos pelos nossos. Vivemos hoje um luto coletivo em razão da pandemia e quando as perdas atingem figuras públicas, de grande representatividade, o sentimento de tristeza geral toma conta e fica difícil superar. São tempos duros, que evidenciam que apesar do distanciamento social necessário, é a união e a empatia que vão nos fortalecer para atravessar o período.
Paulo Gustavo partiu há uma semana por complicações da Covid-19. Em sua missa de sétimo dia realizada direto do Cristo Redentor nesta terça-feira, a médica, diretora e melhor amiga, Susana Garcia, fez um discurso emocionado, mas crítico: “Uma dor que rasga a alma, o peito, tudo dói. O espaço que você ocupava no dia a dia da gente era enorme. Você era o agora, você era a presença. Como lidar com esse imenso vazio, meu amor? Como viver sem aquela sua gargalhada gostosa?“, escreveu Susana, em um trecho da homenagem. “Você fazia esse país se curar através do riso. Você e muitas pessoas morreram porque não tiveram direito a duas doses da vacina. Apenas duas doses de uma vacina que já existe. Essa dor não pode ser em vão. Agora, nós seremos a coragem contra tudo que nega a vida”.
O país se uniu a dor dos amigos do humorista, da mãe Déa Lucia, do marido Thales Bretas, e da irmã Juliana Amaral. Após a missa, Thales que tem filhos gêmeos com o ator, Romeo e Gael, de 1 ano, postou um desabafo no Instagram, junto de uma foto em que estavam ele, Paulo Gustavo e a juíza Andrea Pachá que celebrou o casamento dos dois. “Essa foto foi do dia do nosso casamento, 20/12/15, lindamente celebrado pela @andrea_pacha ! Na foto, detalhe do @paulogustavo31 segurando o livro dela “A vida não é justa”, que eu quero muito ler agora. Por mais que eu tente não sentir isso, porque sei que sou muito agraciado e que muitas pessoas sofrem perdas tão grandes ou ainda maiores diariamente, de vez em quando isso passa pela minha cabeça nesse momento de dor. Ainda mais que ele foi levado por uma doença viral para a qual já tinha vacina! E que nos cuidávamos tanto!!!”, lamentou Thales. “Quando me sinto assim, penso em tudo de bonito que vivemos, no quanto isso tudo foi especial e o quanto sou abençoado por ter vivido tanta coisa linda ao lado dele. A justiça que conhecemos, humana, é muito menor que a divina, que rege sobre tudo. Dizem que tarda, mas não falha. Então, que o tempo me ajude a entender”.
Mesmo quem não conheceu Paulo Gustavo de perto se emociona e se solidariza pela dor dos seus. Aliás, é como se fosse um dos nossos. Uma vida, com tudo o que cabe nela e porvir, interrompida aos 42 anos. E assim também se despediu o escritor e compositor Aldir Blanc, que morreu no início da pandemia no ano passado, aos 73 anos, e teve sua memória eternizada em lei a favor da cultura. E a atriz Nicette Bruno, aos 87 anos, se foi após um mês internada para se tratar de complicações da Covid. Agnaldo Timóteo se foi por conta do coronavírus aos 84 anos. Antes deles, o cantor Paulinho, do Roupa Nova, morreu aos 68 anos, também em decorrência da Covid, em dezembro de 2020. O ator Eduardo Galvão também foi levado pela doença no mesmo mês, aos 58 anos. Ao olhar para as perdas de pessoas públicas, vemos uma amostra das perdas gerais: o vírus não escolhe idade, condição financeira e não se sabe como ele vai impactar no funcionamento do organismo de cada um. Mas como viver dia após dia com essa tristeza e medo que pesam o ar?
Estima-se que 86% dos brasileiros perderam algum conhecido, seja próximo ou não, para a Covid-19. Os dados são do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados em parceria com o Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública da Universidade de Brasília. Esse luto coletivo é uma realidade e vai deixar suas marcas. “Estamos incorporando rituais, modos de agir diante da perda, tanto pelo medo da morte quanto pela sensação de luto, e isso deve ficar na nossa história por um tempo”, diz a psicóloga Luiza Ferreira.
Ela destaca ainda, a importância de prestar homenagens às pessoas que morreram em decorrência da covid, pelos meios possíveis já que as cerimônias habituais, como o velório, estão restritos por conta de medidas de prevenção ao contágio do vírus. “Podemos compartilhar de forma coletiva nas redes, por exemplo, nossas homenagens como forma de exaltar a memória de quem perdemos. Não temos por aqui ainda uma política para este luto coletivo, mas as perdas gerais não podem ser ignoradas”, diz. “Outra coisa que vale ressaltar, é que o luto é a perda de um vínculo, não necessariamente a perda de uma pessoa. Tem luto de toda forma sendo experienciado neste momento. Ao mesmo tempo, é uma vivência muito individual. Então, é importante falar sobre, buscar ajuda especializada se preciso. Temos que pensar em acolhimento, escuta, porque esse trauma que vivemos ainda deve durar”. E completa: “Apesar da experiência ser individual, quando falamos de luto diante de uma pandemia, a vivência não pode ser reduzida ao indivíduo, porque também é um processo do todo. Essa pandemia tem chamado à atenção para nossa humanidade e finitude. E também para a necessidade de lidar com a impermanência da vida e evidenciar o quanto precisamos uns dos outros”.
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